Sub-li-mi-nar: consciência vã X inconsciente são
SUBLIMINAR. Como o inconsciente influencia nossas vidas, de Leonard Mlodinow; tradução Claudio Carina. – Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
Leonard Milodinow é um físico americano, autor de diversos livros de divulgação científica, entre eles “O Andar do bêbado”, que trata do poder da aleatoriedade dos fatos na nossa vida cotidiana. É co-autor de “A briefer history of time” com Stephen Hawking, o mais consagrado cientista da atualidade. Sobre a sua história de vida, vale destacar que seus pais sobreviveram ao holocausto e que ele próprio sobreviveu a um acontecimento trágico, dado que estava no World Trade Center, no dia 11 de setembro de 2001.
Em Subliminar, lançado no último ano, Mlodinow relaciona as atitudes tomadas por nós ao poder da mente inconsciente ou ao que ele chama de novo inconsciente.
É curioso pensar sobre a quantidade de decisões que tomamos diariamente. São elas todas pensadas conscienciosamente? Ou o nosso inconsciente, parte das vezes, nos ajuda a sair de uma saia justa? Ele pode nos salvar de um perigo? O inconsciente guarda fatos passados de modo selecionado? Sabemos, enfim, o que determina nossos atos?
Nesse texto, que pode agradar tanto a leigos quanto a estudiosos da área, principalmente, encontramos algumas dessas respostas. O autor nos apresenta as complexidades do mundo subliminar de forma a ampliar nosso parco conhecimento sobre o inconsciente. Com uma linguagem simples, acessível, ele nos apresenta como tema essa nova ciência do inconsciente - “parte do cérebro que funciona num nível abaixo da consciência”, o que é por ele chamado de mundo subliminar. De acordo com o físico, esse ‘novo inconsciente’ era até há pouco tratado como psicologia popular, no entanto essa nova ciência é capaz de nos provar que vários processos de percepção, memória, atenção, aprendizado e julgamento estão relacionados a estruturas cerebrais separadas da percepção consciente.
Na parte I do livro que é denominado de Cérebro Duplo, Mlodinow afirma que nós, seres humanos, desempenhamos inúmeros comportamentos automáticos, inconscientes, mas não nos apercebemos disso porque a interação entre nossa mente inconsciente e a consciente é muito complexa. Sobre nossos sentimentos, juízos e comportamentos fica muito difícil identificar a qual parte estão relacionados porque alternamos sempre entre as duas.
Em relação a nossa capacidade de memória, é inimaginável supor que percebemos de forma consciente tudo o que o nosso cérebro registra, é, pois, a mente inconsciente que percebe e registra a maior parte do que vemos, ouvimos. Às vezes, esse registro é falho, ocasionando distorções de memória frequentes na vida de todos. Segundo Munsterbergue, citado por Mlodinow, a memória funciona assim: “primeiro, as pessoas têm uma boa lembrança dos aspectos principais dos eventos, mas uma má lembrança dos detalhes; segundo, quando pressionadas pelos detalhes elas preenchem esses detalhes inventando coisas; terceiro, as pessoas acreditam nas lembranças que inventam”.
É interessante observar como a mente pode distorcer os fatos, usando as palavras do autor em questão “nós, os seres humanos, somos tão propensos a falsas memórias que às vezes elas podem ser induzidas por um simples comentário casual de alguém acerca de um incidente que não aconteceu na verdade”. No entanto, é bom saber que embora as lembranças sejam afetadas, falo das boas lembranças, daquilo que foi importante para modelar o nosso comportamento, elas sobreviverão, permeando nosso inconsciente.
Para encerrar essa primeira parte do livro, Mlodinow nos fala sobre a importância de ser social e de como essa necessidade faz parte da natureza do homem.
Na Parte II – a que considero mais interessante, trata do ‘O Inconsciente Social’, do como interpretamos as pessoas, as julgamos pela feição, até mesmo classificando-as; do sentimento de pertencimento a um grupo, da natureza das emoções e do quanto o ‘eu’ é capaz de manipular o próprio comportamento para influenciar os outros.
Sobre a importância da linguagem não verbal como elemento de comunicação, o autor nos faz recordar de Darwin, que afirma em sua teoria que as emoções (a maneira como são expressadas) proporcionam vantagens para a sobrevivência e não sendo exclusivas dos seres humanos ocorrem em muitas espécies. O sorriso, por exemplo, é uma expressão que compartilhamos com primatas, sendo que a espécie humana é capaz de fingir um sorriso, por outro lado as verdadeiras expressões não podem ser fingidas.
As expressões faciais, segundo a ciência, são regidas, de forma subliminar, por músculos sobre os quais não temos controle consciente. A ciência também comprova que as emoções básicas – felicidade, medo, raiva, repulsa, tristeza e surpresa – são comuns em seres humanos de diferentes culturas. Em um estudo feito pelo Pai da Teoria Evolutiva , em 1867, conclui-se que “o mesmo estado de espírito é expresso em todo o mundo com uma uniformidade notável”. De acordo com Mlodinow, a comunicação dos nossos sentimentos, por ser uma parte inconsciente e inata do nosso ser, acontece de forma natural e, portanto, ocultá-los requer grande esforço.
Em relação ao modo como julgamos as pessoas, de modo geral, a mente humana pode fazê-lo através de categorias sociais, mais uma vez a nossa mente subliminar preenche algumas lacunas nesse processo de julgamento e nós usamos a categoria a que pertence a pessoa como parte dos dados (profissão, aparência, etnia, educação, idade, cor do cabelo etc). O que Mlodinow quer nos dizer é que prejulgar pessoas dessa maneira faz parte de uma tradição já bastante longa, no entanto é preciso esforço para superar esses vieses inconscientes. A priori ter conhecimento do quanto nossos julgamentos são fragilizados por pré-conceitos já arraigados é um bom começo para uma mudança consciente e não preconceituosa.
É do conhecimento de todos que o sentimento de pertencimento a um grupo ou a grupos diversos faz parte da nossa história, dado que sempre fizemos parte de grupos, sempre vivemos em bandos, como Mlodinow chama. Denominado pelos cientistas de in-group (qualquer grupo de que as pessoas se sentem parte) e out-group (qualquer grupo do qual as pessoas se sentem excluídas), o posicionamento que ocupamos em relação a um grupo permite que encontremos nosso lugar no mundo. E independente de que grupo a que nos associarmos este será composto por pessoas que tenham algo em comum, o nosso ser subliminar vai se afeiçoar ao seu in-group . E porque vai gostar mais do seu grupo também vai favorecer membros do grupo nos relacionamentos ou nos negócios ou avaliar seu trabalho de modo diversificado. O fato é que fazemos isso de forma não-intencional. Para Mlodinow a identidade in-group influencia a maneira como julgamos as pessoas, mas também a forma como nos sentimos em relação a nós mesmos, como nos comportamos e consideramos nosso desempenho.
O livro desse físico – Leonard Mlodinow - traz à baila questões complexas porque a mente humana, como se costuma dizer, é um mistério sobre o qual a ciência busca, incansavelmente, elucidar. A fonte de nossos sentimentos, por exemplo, é um mistério para os cientistas. Segundo os estudiosos, “o conhecimento dos sentimentos, até os sentimentos físicos – é tão tênue que não podemos saber ao certo quando sentimos uma dor lancinante”. De acordo com Mlodinow, ao tentar explicar nossos sentimentos e comportamentos o cérebro faz uma busca no seu banco de dados mental de normas culturais e seleciona justificativas plausíveis.
A busca por nossa identidade é outro mistério, afinal quem somos? Todos temos muitas identidades, nosso comportamento, e.g., é motivado por nossos desejos pessoais e convicções. Somos também a junção da pessoa que gostaríamos de ser com a pessoa que tem os pensamentos e ações com os quais vivemos todos os momentos do dia – são afirmativas de Mlodinow e eu concordo com ele. E por isso vivemos continuamente em conflito, sempre nos construindo, nos refazendo, buscando uma verdade.
Sobre a verdade, conforme o psicólogo Johathan Haidt, citado pelo físico, há duas maneiras de chegarmos a ela. A maneira do cientista e a maneira do advogado. Transcrevo aqui as palavras do autor: “os cientistas reúnem evidências, buscam regularidades, formam teorias que expliquem suas observações e as verificam. Os advogados partem de uma conclusão acerca da qual querem convencer os outros, e depois buscam evidências que a apoiem, ao mesmo tempo em que tentam desacreditar as evidências em desacordo”. A opinião do autor é que a mente humana tanto foi projetada para ser cientista quanto advogado. Pasmem-se, e que o cérebro é um bom cientista, mas que é um advogado brilhante. Essa abordagem feita pelo nosso advogado interior é chamada pelos psicólogos de “raciocínio motivado”. Ele é o responsável por acreditarmos na nossa bondade, competência e autoimagem positiva.
O estudo quer nos mostrar que o raciocínio motivado é um processo inconsciente e que mesmo quando atendemos aos próprios interesses, assim o fazemos por acreditar na nossa visão de mundo preferida. É importante considerar que o nosso raciocínio não é tão objetivo quanto desejaríamos e que os outros não são tão desonestos quanto julgamos. No entanto, o raciocínio motivado projeta sobre nós ‘ilusões positivas’ e isso nos defende contra a infelicidade; afinal, “o otimismo natural da mente humana é um de nossos maiores dons”.
Para nós, não cientistas, a origem dos sentimentos e comportamentos tem relação com nossas crenças, valores, memória, desejo de fazer o bem. Para mim, além da ciência, os sentimentos se perpetuam através dos laços afetivos que formamos no tempo presente e que foram construídos em algum momento no passado. No entanto, como afirma o jovem físico “a evolução não projetou o cérebro humano para entender a si mesmo com precisão, mas para nos ajudar a sobreviver”. Talvez, não precisemos compreender a origem dos nossos comportamentos e sentimentos, mas saber um pouco sobre os processos do funcionamento da mente nos ajude a reconhecer quem somos e, assim, aprendamos a melhorar o humano que habita em nós.
A análise feita pelo Dr. Leonard Mlodinow é esclarecedora e brilhante, a leitura desse livro pode nos auxiliar a construir um eu mais consciente, sabedor das nuances de sua mente inconsciente. De leitura valiosíssima!