O CRIME DO PADRE AMARO: DO LIVRO À ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA

José Maria Eça de Queirós nasceu em Póvoa do Varzim, em 1845. Estudou direito na Universidade de Coimbra. Estreitou laços por essa ocasião com o grupo renovador chamado “Escola de Coimbra”, responsável pela introdução do Realismo em Portugal.

Eça não participou diretamente da “Questão Coimbrã” - 1865 -, a polêmica em que jovens defensores de novas ideias literárias, artísticas e filosóficas liderados por Antero de Quental, se defrontaram com os velhos românticos, ultrapassados e conservadores. Maior representante da prosa realista em Portugal, Eça de Queiroz renovou o romance e inaugurou esta escola com O crime do Padre Amaro, uma de suas maiores obras, que traz um teor completamente novo para a Literatura comparada às produções anteriores. Eça, abandonando a linha romântica, estabeleceu uma visão critica da realidade e afastou-se do estilo clássico, que pendurou por muito tempo na obra de diversos autores românticos. No crime do Padre Amaro, publicado em 1875, Eça a todo instante tece duras críticas ao clero e a doutrina cristão-católica que conduzia a sociedade oitocentista. Narrada em terceira pessoa, a trama desenrola-se em Leiria, interior de Portugal, sendo que, o espaço narrativo abrange principalmente a igreja, a sacristia e a casa de beatas. Cada personagem é apresentado de forma irônica, sarcástica e critica; e foi pensado a fim de representar a critica proposta por Queiroz, o que não torna a narrativa limitada somente aos protagonistas, Amaro e Amélia. O enredo é construído em torno da relação amorosa entre Amaro, um padre recém-chegado à cidade, e Amélia, filha de S. Joaneira, uma das beatas mais convictas da cidade. Amaro aloja-se na casa de Amélia, e passa a frequentar as reuniões de fim de tarde da casa, tornando-se mais próximo de Amélia e sentindo-se profundamente atraído pela jovem. Amélia corresponde à atração do padre. Vencidos pela grande paixão que se apoderara dos dois, Amaro encontra um modo dos dois se encontrarem toda semana sem que suscitasse desconfiança. E a grande paixão os consome até Amélia ficar grávida. Os dias antes preenchidos pelo amor arrebatador dos dois são tomados pela inquietude de encontrar uma solução para impedir que houvesse um escândalo na cidade. Porém, a solução encontrada por Amaro não foi nenhum um tanto humana, já que ele comete mais um crime, ou o maior de seus crimes, leva o filho a uma “tecedeira de anjos”, Amélia ao dar pela falta do filho tem fortes convulsões nervosas, levando-a a morte. O desfecho revela a veia altamente critica de Eça de Queiroz, quando narra o encontro entre Amaro e o cônego Dias em Lisboa onde, sem demonstrar qualquer remorso, conversam sobre as últimas novidades de Leiria; fato que mostra a total impunidade dos crimes cometidos pelo clero. A obra consagrada de Eça de Queirós inspirou a cinematografia mexicana em 2002 e coube ao diretor Carlos Carrera dirigir o clássico. Comparando os enredos percebem-se diferenças, porém, o conflito central das tramas é bastante semelhante. Mantendo o teor critico e sarcástico da obra, o filme “comprova” a atualidade e o caráter universal do tema, uma vez que o enredo do filme foi construído num México do século XX e não num Portugal do século XIX. A intertextualidade com a narrativa literária é palpável, porém não é possível que se tenha total autonomia, pois a adaptação fílmica também precisa de vida própria. Ao ser adaptado à tela, O crime do padre Amaro não retrata alguns aspectos próprios da narrativa, como os próprios pensamentos das personagens que não podem ser transmitidos pela câmera, só pelo narrador conhecedor do consciente de cada personagem. No livro, a moça é consumida pela culpa, tem pesadelos, visões, sofre pensando que arderá no fogo do inferno. Na versão cinematográfica, ela é bem mais nova e não tem muita consciência sobre o que está acontecendo. Também, Gael García Bernal, o ator mexicano que atuou como padre Amaro, não tem a naturalidade que um sacerdote deveria demonstrar de forma inquestionável. Suas posições a cerca de questões como o celibato e o aborto são controversas. O desfecho do filme também foi modificado, Amélia é levada por Amaro a realizar um aborto, o qual provoca uma forte hemorragia, que a leva à morte. Porém, mesmo com as diferenças, o roteirista Vicente Leñero conseguiu transformá-la em uma narrativa coerente. Por exemplo, a maneira como os personagens foram representados, seus diálogos e suas atitudes conseguiram transmitir aos espectadores as facetas do caráter de Amaro e Amélia. Portanto, percebe-se que o filme não é uma cópia fiel do livro, já que cada meio de comunicação tem suas peculiaridades, porém permanece a ideia principal, a denuncia aos crimes clericais. Assim, tanto o livro quanto o filme são recomendáveis para os que apreciam os clássicos, principalmente se esses passaram pela pena de um autor consagrado como Eça de Queiroz; e mais tarde pela direção de Carlos Carrera nas telinhas do cinema.

REFERENCIAS:

QUEIROZ, José Maria Eça de. O crime do Padre Amaro. São Paulo: Ciranda Cultural, 2009.

O CRIME DO PADRE AMARO. Direção: Carlos Carrera. Roteiro e Produção: Vicente Leñero. Intérpretes: Gael Garcia Bernal. Ana Claudia Talancón. México: Alameda Films, 2002. 118 min. Drama. DVD vídeo. Dolby Digital. Colorido.

LF Rodrigues
Enviado por LF Rodrigues em 05/02/2014
Reeditado em 05/02/2014
Código do texto: T4679269
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