Nossos Ossos ou Partida sem Volta


Por: Valdeck Almeida de Jesus

Drama humano, comovente, de um retirante nordestino que busca, em São Paulo, (sobre)viver na distância, física e emocional, que transforma seu peito num terreno tão árido quanto as terras de sua origem. É a partida de um, a partida de outro, o afastamento que cada pessoa pode sofrer, naturalmente ou forçada pelas circunstâncias da vida.

Nossos Ossos não apenas conta a história de um dramaturgo que atravessa o Brasil com o corpo de um garoto de programa com quem havia trepado. É muito mais que uma viagem fúnebre. Na trajetória com o defunto, o próprio narrador viaja de volta à sua terra natal, Recife, em busca das águas do Capibaribe, que tantas vezes lhe chamaram a Pernambuco e das quais ele fugiu por anos a fio, na corrida em busca de um amor, um corpo vivo.

Após anos de lutas para se firmar no sudeste e de buscas pelo amor, descobre ser portador do vírus HIV. Depois, se vê abalado com a morte de um michê com o qual ele saía pra pagar por sexo, e, quem sabe, por algumas migalhas de sentimento. O morto desperta em Heleno emoções que estavam adormecidas.

Como forma de compensar a si mesmo, sua solidão e a saudade da família, Heleno descobre o endereço dos pais de Cícero e leva o corpo do garoto de programa para ser enterrado com glórias no interior pernambucano. Este ato, talvez, lhe redima da autocomiseração, pelo fato de estar longe da própria família. É como se ele se resgatasse a si mesmo de um destino semelhante ao de Cícero. As honras no velório e enterro seriam, por via transversa, um resgate, um prêmio, pela vida difícil, sofrida, que ambos (Cícero e Heleno), cada um a seu turno, tiveram na passagem pela Terra. Se não há retorno, que a partida seja – para outro estado ou para a vida eterna – triunfante, diferente, com os louros merecidos.

Um enterro digno, velado pela família do falecido seria a coroação do dramaturgo. Se não pôde salvar da morte o seu personagem, ao menos lhe daria uma partida teatral, com cenário, figurino, trilha sonora e o último cerrar das cortinas. Pagar pelo funeral de um conhecido seria como se redimir das culpas de acreditar no amor, da vida fingida que aprendeu no teatro, da busca por sexo nos corpos sarados expostos nas praias e praças. Paga a dívida, paga, também, talvez, a culpa.
 
Nossos Ossos, Marcelino Freire, Rio de Janeiro: Record, 2013 - Compre aqui: Livraria Cultura
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 26/01/2014
Reeditado em 27/01/2014
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