ANTÍGONA, de Sófocles
Antígona, tragédia escrita pelo dramaturgo grego Sófocles, mostra como duas opiniões opostas podem ser corretas dependendo do ângulo analisado. Esta obra é uma das sequências de Édipo Rei, onde mostra como a descendência incestuosa de Édipo e Jocasta, amaldiçoada anteriormente, finalmente termina.
Os dois filhos homens de Édipo, Etéocles e Polinice, morrem em batalha no mesmo dia. Um contra o outro. Um a favor e o outro contra a cidade de Tebas, que passa a ser governada pelo cunhado de Édipo, Creonte. Creonte então manda enterrar honrosamente ao primeiro, mas lança uma lei de que o segundo não seja velado nem sepultado e, por ser um traidor de sua pátria, quem o fizesse seria igualmente considerado traidor. Acontece que Antígona, filha de Édipo e irmã dos falecidos, descumpre a lei e presta as honrarias fúnebres ao morto. Com este gesto é condenada à morte.
Creonte pode ser considerado por muitos como o tirano na história, mas ele fez o que qualquer governante em seu lugar faria. Ele homenageou o herói e puniu o traidor. Nada mais justo e legal aos olhos do estado. E quando Antígona descumpriu a lei, mesmo que significasse punir sua sobrinha e futura nora, não poderia voltar atrás. Considerou que ele não poderia abrir uma exceção à lei somente pelas súplicas dos seus próximos. A lei era superior ao rei. "Se eu tolerar os desmandos da minha gente, perderei autoridade sobre os demais. [...] O insolente, o transgressor das leis, o que se opõe às autoridades não conte com meu aplauso. A que a cidade conferiu poder, a este importa obedecer, seja nas grandes questões seja nas justas... e até nas injustas. [...] Não há mal maior que a anarquia, ela devasta cidades, arrasa casas, aniquila a investida de forças aliadas" (pg. 51-52). A desobediência de Antígona era um ato contra o poder de Creonte, contra as leis do estado, contra o próprio direito soberano. Creonte foi firme em defender a sua posição, assim como hoje os governantes são firmes (ao menos em tese) quando aplicam a lei aos transgressores (outra tese), pois a não punição levaria ao caos e anarquia.
Por outro lado, Antígona também tinha a sua razão. Como ela poderia obedecer a lei estatal e desobedecer a lei moral, religiosa, que mandava prestar homenagens fúnebres aos parentes mortos? A grande questão era: qual das duas leis teria primazia? Ela escolheu a lei de seus deuses, de sua moral e de sua religião. Mesmo que isto significasse a morte. Ela defendeu-se perante Creonte: "Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder se superar as leis não-escritas, perenes, dos deuses, visto que és mortal. Pois elas não são de ontem nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram. Por isso, não pretendo, por temor às decisões de algum homem, expor-me à sentença divina" (pg. 36). Esta passagem lembra as palavras de Jesus no evangelho de Marcos, capítulo 12, verso 17: "Pagai a César as coisas de César, mas a Deus as coisas de Deus". Quantos em toda história da humanidade não morreram por um ideal? Quantos hoje não morreriam quais mártires por sua crença, por sua família ou por aquilo que faz parte de sua essência como humanos? Muitos o fariam, assim como Antígona.
Existe outra discussão sobre se os reais motivos tanto de Antígona quanto de Creonte não seriam políticos. Com os dois sucessores legítimos ao trono mortos (os irmãos de Antígona), o próximo herdeiro seria Creonte. Da linhagem dos Labdácidas (Laio, Édipo e filhos), sobraram somente Antígona e sua irmã, Ismene. Como Ismene cala-se a respeito do edito real, Antígona com a sua desobediência, silenciosamente incita o povo contra Creonte. Todos passam a admirar e concordar com a atitude dela em relação ao seu irmão. Começam a falar contra o governante. Estaria ela procurando uma forma de reivindicar a sucessão para ela ao invés de para o tio? Creonte também pode ter tido a idéia de despoluir Tebas exterminando os descendentes incestuosos de Édipo, pois todos estavam amaldiçoados, inclusive Antígona. Caso o seu filho Hemon realmente se casasse com Antígona, a maldição permaneceria sobre os netos de Creonte.
Como toda boa tragédia grega, no final muita gente morre. Mas o importante não é a contagem de corpos, antes, a discussão sobre grandes temas que envolvem moral, direito, política e filosofia. Esta discussão ainda faz parte do presente, onde vários pensadores e críticos tem analisado a obra de diferentes pontos-de-vista. Trata-se de uma leitura estimulante e obrigatória. A tradução direta do grego é de Donaldo Schüler.