Dos heróis aos hoplitas
Este texto é um diálogo com o livro "A Guerra na Grécia Antiga" de Marcos Alvito Pereira (1988).
O autor explora o processo evolutivo militar, a formação dos hoplitas a partir de uma análise dos versos de Homero, que narra a mítica Guerra de Tróia. A partir disto, demonstra também como surge a ideia de cidadania e igualdade entre os cidadãos da polis.
Acredita-se que não existiu realmente uma Guerra de Troia, e pesquisas arqueológicas comprovam isto (a não ser que realmente se tenha empreendido uma expedição militar em prol de uma mulher: Helena de Esparta). Porém, à época da Grécia Antiga, os poemas homéricos eram irrevogáveis verdades.
Os ideais guerreiros dos helenos giravam em torno do heroísmo, seguir os caminhos dos grandes heróis na batalha (Perseu, Teseu, Héracles). A ideia de “público” (ou bem comum) ainda não existia ou estava em formação, o que mais importava era o interesse particular e as relações familiares. Não havia ainda grandes expedições militares, a guerra girava em torno de saques às comunidades próximas.
Em meio à guerra todo sujeito é “igual”. Desde o mais pobre até o mais nobre aristocrata, é na guerra que fica aparente nossa “humanidade”. E esse ideal de igualdade foi levado à polis. Assim começa a surgir o cidadão e seus “direitos civis”.
Esse ideal guerreiro levado à polis volta ao território belicoso em forma de uma nova técnica/formação militar: a falange. O herói é banalizado pelo povo, não se deseja mais atos de heroísmo que arriscam a vida dos parceiros. A formação de falange é algo muito organizado, onde todos ficam mais seguros e têm a possibilidade de proteger seu companheiro ao lado.
Porém esse processo leva a uma decadência da produção agrícola (pois a renda começa a se concentrar mais), portanto leva ao surgimento de novas polis. Entre estas, uma que mais levou a fundo os valores hoplíticos: Esparta. Agora o hoplita não era mais levado à fúria heroica por intermédio dos deuses, mas era regado de autocontrole (a principal virtude humana).
“... os gregos estavam acostumados a explicar o passado em função de mitos...”. Aqui retornamos à ideia que surge com o início da civilização: explicar fantasiosamente um passado incompreendido. Não saber as origens e “para onde iremos” são as principais angústias da humanidade. Os mitos homéricos têm a função de apartar esta angústia entre os helenos. A partir disso, tudo passa a ser explicado com esta aura mágica de deuses, monstros e heróis.
“A guerra nesse tempo era basicamente feita de duelos e do talento individual dos guerreiros nobres...”. O heroísmo foi deposto do cenário militar heleno, portanto uma máxima ganha vida no contexto: “A união faz a força”. Apesar de os gregos instituírem a fenomenal falange, há um estrategista militar “bárbaro” que já propõe o banimento do heroísmo: o chinês Sun Tzu. Ele talvez seja o primeiro militar a “colocar no papel” estratégias de guerra em equipe, criticando os atos individuais, romantizados por vários autores, que colocam em risco as vidas dos companheiros.
Acredito que (como hoje acontece com vários textos ditos sagrado-dogmáticos) os poemas homéricos não eram aceitos unanimemente pelo povo heleno. E a partir de uma análise textual de Tucídides sobre a Guerra do Peloponeso, subentendo que Tucídides coloca em xeque a veracidade da Guerra de Tróia quando diz: “Vou narrar, agora, a maior guerra da História!”. Para os gregos a maior e mais importante guerra da História era a de Tróia, e com este verso ele contradiz uma “verdade imposta” por Homero.
Historicamente, um povo torna-se superior a outros militarmente devido a inovações feitas no contexto bélico e estratégico-militar, e neste ponto a Grécia foi brilhante. Uma única alça a mais no “hoplon” mudava todo seu uso e a formação de falange era destrutivamente poderosa.
O “pai da História” está mais para contador de estórias, enquanto, posteriormente, surge Tucídides que, para mim, é um verdadeiro historiador.
Será a guerra mais fatal do que edificante? As guerras são um grande mal desde os primórdios da sociedade, porém elas sempre acabam gerando boas coisas (não querendo ser progressista). Da guerra surgiu a democracia, a virtude do autocontrole e a disciplina. Retornamos, mais uma vez, à ideia “cosmogônica” de que o caos autogera a luz.
Com que intuito Heródoto narra a batalha de Maratona deste modo, aparentemente, fantasioso? Talvez ele não quisesse espalhar uma mentira simplesmente, mas dar uma visão enaltecida da Hélade aos próprios helenos. Quando um soldado perde a mão direita que estava agarrada a uma embarcação persa, e logo após perder também a mão esquerda, morde o barco inimigo para não deixa-lo escapar, Heródoto está usando de hipérboles, querendo mostra que os gregos não desistiriam, batalhariam até o final, pagando com sua vida.
Surge nas guerras gregas o igualitarismo dos hoplitas que é levado à polis, e se transforma em cidadania. O sujeito particular fica em segundo plano (mas não perde seu valor) e se passa a priorizar tudo que é “público”. Esse ideal é quase utópico, um objetivo político que até hoje não foi alcançado: a Democracia.
A democracia, na verdade, funciona em Atenas. A outra grande cidade-estado Esparta é diarca. Podemos perceber semelhanças no modo de o Estado espartano conduzir sua população no livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley: a necessidade de sujeitos perfeitos, e ordem total para o progresso. Este ideal também é utilizado pelos fascistas (política que não acabou na Segunda Grande Guerra, mas, implicitamente, continua inserida no sistema capitalista).