Historicidade das Guerras Pérsicas
Este texto é um diálogo com o livro "A Guerra na Grécia Antiga" de Marcos Alvito Pereira (1988).
O autor narra e faz críticas sobre as batalhas entre Grécia e Pérsia. Inicialmente demonstra a imposição do governo persa sobre os gregos (anteriormente dominados pelos Lídios) e, ao final, narra a grande vitória grega de Salamina. Em meio à construção historiográfica das Guerras Pérsicas, o autor critica, pondo em xeque, as ideias de Heródoto e, em geral, dos autores da Antiguidade, principalmente em relação aos números e estatísticas que estes propõem.
A dominação persa sobre os gregos, em quase todas as cidades-estados, teve de ser feita à base da força. Os gregos não aceitavam a ideia de um povo bárbaro dominando-os, o que gerou graves consequências no processo. Os persas instituem “sátrapas” para governar o mundo grego, inicialmente (depois tiranos gregos continuaram esta função).
O Império Persa, provavelmente, só não foi maior que o de Alexandre. Seu poderio era imenso, porém não imensurável como propõe muitas vezes Heródoto.
Os gregos, provavelmente, sucumbem na Revolta da Jônia, por terem seus postos comerciais dominados pelos persas e, pincipalmente, o Chipre. Retomando a ordem, Dario impõe uma tributação mais justa para acalmar os ânimos gregos, porém organiza uma expedição de punição aos atenienses e eretrianos (que, inicialmente, falha devido à péssima navegação em volta do monte Atos, que destrói os navios persas), após esfacelar a Eretria, os persas partem rumo à Atenas, e no caminho encontram a planície que dá o nome da grande batalha: Maratona.
Em Maratona há 10 mil atenienses acompanhados de mil plateenses e 2 mil espartanos. A batalha é favorável ao Grande Rei, o local é perfeito para a cavalaria (principal arma persa junto aos arqueiros). Os persas destroem o centro dos gregos, porém as alas gregas vencem-nos cercando-os.
Uma nova expedição punitiva vem com Xerxes (filho de Dario), e neste momento o exército persa se encontra em seu auge, e com um contingente nunca visto pelos helenos. Apesar de os helenos reunirem 30 cidades-estados, seu número é muitíssimo inferior ao dos “bárbaros” (fora as polis neutras em relação ao conflito).
Os gregos usam de estratégia territorial para confrontar os persas: em terra escolhem Termópilas, terra entre montanhas de pouco espaço e caminhos estreitos; no mar escolhem Artemísion, igualmente pouco espaçosa.
Os gregos eram comandados pelo rei espartano Leônidas, e resistem por três dias aos persas, que só conseguem abatê-los devido informações de um traidor: uma rota pelas montanhas que daria na retaguarda grega.
Fato interessante é que Leônidas, sabendo disto, tem 3 horas para bater em retirada, porém permanece com seus 300 hoplitas espartanos (sua guarda real), 600 téspios e 400 tebanos. Os tebanos desertam, entretanto seus conterrâneos helenos lutam até a morte.
Mas a verdadeira vitória helena vem com o uso dos trirremes no estreito de Salamina (novamente a estratégia de batalhar em um espaço pequeno). Enquanto as grandes embarcações imperiais entravam em confusão devido o pequeno espaço, os trirremes gregos (cerca de três vezes menos que as embarcações persas) eram facilmente manobrados e estraçalham a frota inimiga, que bate em retirada, deixando em terras gregas cerca de 40 mil homens para uma última batalha em Platéia (onde os gregos, com muita dificuldade, também vencem).
“... Heródoto vivia no que costumamos chamar de era da pré-estatística...” Aqui o autor propõe que Heródoto, e também outros escritores da Antiguidade, sempre usavam de números muito exagerados, como quando Heródoto supõe que os persas contam com 5283220 homens ou que os hoplitas correram oito estádios de distância em direção aos arqueiros inimigos! Isso acontecia, provavelmente, pela falta de ferramentas para um censo adequado, mas também para o enaltecimento dos gregos, derrotando um inimigo inimaginavelmente superior.
“O rei espartano decidiu ficar com sua tropa de elite...” Nesse trecho conseguimos compreender, de certo modo, a importância da honra guerreira para os gregos. Mesmo com uma morte, tecnicamente, prevista, Leônidas decide ficar com seus poucos homens e guerrear até a morte, como mais um pequeno atraso para os persas. Vemos neste ponto o objetivo espartano realizado: lutar pelo bem comum e morrer honradamente.
Como quase sempre acontece, temos aqui uma dificuldade em separar a História propriamente dita das fantasias de autores como Heródoto. Heródoto estava mais para um “contador de histórias” do que para “O Primeiro Historiador”. Relacionado a isso, outra dificuldade é analisar um momento histórico a partir de um único ponto de vista, que, neste caso, é o Ocidental. As documentações sobre as Guerras Pérsicas são feitas por gregos (e isto volta a acontecer quando se trata dos Romanos).
A ideia de que o Rei Leônidas se deixa levar, e levar também seus homens, para a morte certa perante a superioridade persa (nas Termópilas), tem de ser entendida do ponto de vista daqueles homens. Seus valores eram muito distintos. Para eles seria a maior derrota serem escravizados por aqueles bárbaros (isto se demonstra nas narrativas gregas que mostram as técnicas de guerra dos persas: abominações aos seus olhos), e sendo a guerra algo rotineiro para um grego (principalmente aqueles criados em Esparta), eles lançam-se à batalha contra o inimigo imensuravelmente superior, visando uma morte honrosa, a qual sonham desde o início de sua “Paideia”.
A Batalha de Salamina, em especial, nos deixa à vista a diferença de soldados que lutam por seus ideais, famílias e lares perante súditos e escravos de um rei, que por muitas vezes lutam forçadamente. Mesmo sendo numericamente inferiores, vemos explicitamente a superioridade dos hoplitas gregos em relação aos soldados persas (que não eram todos persas, havia uma variedade enorme de culturas dentro das tropas, além de muitos escravos e mercenários, provavelmente). A Grécia estava regada de “soldados perfeitos” (formados nesta “arte da guerra” desde os primórdios de suas vidas), estratégia territorial e honra em combater um inimigo que tem como governante o Grande Rei.
Seriam, realmente, a força de vontade dos soldados helenos e o território os únicos fatores da vitória grega? Acredito que não. Houve, neste contexto, uma inovação técnica, uma formação perfeita entre os militares da Hélade jamais vista antes: a formação de falange! A formação de hoplitas em fileiras oito por oito era uma verdadeira máquina mortífera. Cada hoplita carregando sua lança de aproximadamente 4 metros de comprimento, marchando todos em direção ao inimigo que, por muitas vezes, não tinha chance. O próprio Heródoto diz: “eram como homens nus combatendo contra infantes pesadamente armados.”.
Mas era só a nova formação tática o motivo desta vitória? Não esqueçamos também de outra inovação grega, desta vez tecnológica: o “trirreme”. Este era mais como um barco construído sobre um esporão (também chamado de aríete), que era uma longa haste de madeira (na parte frontal da quilha da embarcação) envolta de metal na ponta. Era uma “lança naval destruidora” que aquelas pequenas e leves embarcações transportavam. Em espaços pequenos (como na batalha em Artemísion), estas embarcações, devido à sua leveza, faziam manobras que os persas não conseguiam, e destroçavam os barcos inimigos com seus esporões. Portanto, a vitória grega deve-se, não mais do que seus ideias militares, à estratégia de batalha e o desenvolvimento de ferramentas (a criatividade destes homens supera, para mim, a dos homens de qualquer tempo).
Vemos que os gregos ficavam horrorizados perante algumas condutas dos persas em meio à guerra: castração de jovens e belos rapazes, sequestros de virgens para o rei, destruição de templos (segundo Heródoto).
Aqui fica a marca dos valores militares entre gregos. Para eles a Guerra era algo honrado, havia regras e ética, era uma “guerra pura”. Isto é algo que, aparentemente, não nos foi legado. As guerras mais atuais demonstram caráter infame, sem moral (testes em humanos, bombas nucleares, etc.). Temos como maior exemplo, talvez, a Segunda Guerra Mundial e um “Grande Rei Alemão” (naturalizado alemão!).