Organização Social do Egito Antigo
Este testo é um diálogo com o livro "Domínios da História" de Ciro Flamarion Cardoso (2001).
O autor demonstra como se forma a civilização egípcia e propõe a desconstrução da ideia de que o Egito começou a ser povoado pelo Delta do Nilo, mas sim pelo Vale.
Essas eram, respectivamente, as áreas do Sul e Norte do Egito, que era visto como um país duplo.
Mostra que o que estimulou o povoamento no Vale foi a ecologia local que possibilitava a vida agrícola, que após a desertificação total do norte africano criou-se a necessidade de irrigação artificial (usando as enchentes do Nilo).
Há uma grande probabilidade dos egípcios serem descendentes de negros africanos e asiáticos da Mesopotâmia, de acordo com sua cultura.
Uma antiga divisão cronológica das fases da metalurgia, restringia o uso apenas de bronze e ferro, o que é uma afirmação errônea, pois os egípcios por longos períodos utilizaram o bronze.
De acordo com pesquisas de Karl Butzer e Barbara Bell, as enchentes do Nilo não foram constantes ao longo dos anos, houve variações, e isso causou mobilidade na população, porém o sistema agrícola permaneceu quase que inalterado.
O Egito não teve tantas necessidades de implementação de novas técnicas para o cultivo, assim compensava-se a falta de técnica pelo excesso de mão-de-obra (tanto escrava quanto livre).
Segundo o autor, mesmo com a unificação do Alto e Baixo Egito, o território era organizado politicamente em pequenas comunidades.
Em comparação à Mesopotâmia, o Egito deixou-nos bem menos documentos, porém uma iconografia surpreendente, que nos leva a entender mais facilmente as relações interpessoais.
Utilizava-se uma variada de animais para a produção alimentícia, porém a carne era um luxo das elites.
Havia comércios locais e as expedições eram organizadas pelo faraó ou sacerdotes, sendo a moeda corrente medida em metais (cobre e prata), no caso das expedições de importação e exportação usava-se o ouro.
O Egito difere, no aspecto político, da Mesopotâmia. Sendo o primeiro reino unificado da História, tinha um Estado muito mais monopolizado, entretanto, com grandes mudanças políticos que pouco afetaram a vida dos aldeões. As comunidades locais tinham uma grande autonomia cultural em relação ao Estado, que quase não interferia nisto.
Os excedentes de produção eram armazenados em silos, controlados pelo Estado, que posteriormente redistribuiria a todos. Porém este monopólio do excedente é que forma e reforça as elites da nobreza e funcionários estatais.
Com a expansão do Império, devido às empresas militares, o comércio começa a se complexar e a propriedade privada começa a aumentar.
Com a invasão dos hicsos são introduzidas novas técnicas e ferramentas no Egito, o que lhes permite conquistar novas terras e complexar mais ainda suas relações. Porém, os hicsos não interferiram nas estruturas sociais, pois estas já estavam perfeitamente organizadas e controladas.
O estudo destes povos antigos implica um enorme esforço intelectual, até porque os documentos não nos dizem totalmente como tudo aconteceu, e estes também são escassos.
É interessante o modo de o autor observar a sociedade egípcia com outros olhos, desafiando os ortodoxos e a “história oficial”: “Ora, esta projeção da cronologia das fases da metalurgia da Ásia Ocidental sobre o Egito é absurda...”.
“... um nítido atraso na evolução tecnológica egípcia...”. Aqui voltamos à ideia de que “a necessidade é a mãe das invenções”. O Egito não tem o “caos primordial” que havia na Mesopotâmia, portanto não precisa esse povo, se esforçar tanto para suas atividades e relações.
Concordo com a dinâmica do autor, ele expõe as historiografias errôneas em torno do Egito, mostra que apenas observar certos aspectos não nos dá uma verdade concreta. Mostra que é importante trabalhar as relações entre os aldeões, não olhando apenas os aspectos das elites e do Estado despótico.
Há uma dificuldade em se falar destes povos, pois os documentos mesclam história objetiva e o misticismo daquela contemporaneidade. Por isso, creio que seja importante analisar os mitos deste tipo de sociedade, pois estes influem diretamente no cotidiano, e vice-versa.
Quando se trata de Antiguidade, talvez o ponto de vista cultural seja o fator determinante e o mais interessante de se analisar.
Constantemente criamos estereótipos para sociedades antigas, como o Egito, de atrasadas e manipuladas, enquanto nós, em nossa cultura, estamos em um progresso e evolução constante. Porém, será que somos tão evoluídos culturalmente? E o conceito de evolução realmente se aplica à cultura?
Quando dizemos: “Os egípcios eram absolutamente controlados pelo faraó e sua religião, era um sistema que escravizava os sujeitos, até intelectualmente.”. E o que o Capitalismo faz com nossa atual sociedade?
Toda a História Antiga tem influência direta no mundo contemporâneo. Apesar das complexões de nossas atuais relações, temos grande herança histórica.
Em tempos do Egito Antigo havia a mão-de-obra escrava e o trabalho livre (porém muito precário). Será que já saímos desse dilema? Vejamos ao nosso redor, tantos trabalhadores que gastam todo tempo de sua vida na produção para o lucro elitista, com uma ideologia enraizada de que o trabalho nos dignifica. O sistema continua o mesmo, só muda seus valores de acordo com o interesse de cada época.
Nossos valores atuais geram diárias necessidades consumistas, e isto foi o que alavancou o Egito a reproduzir novas técnicas e ferramentas por longos períodos, a diferença atual é a necessidade de agilidade. Enquanto a necessidade gerava invenções que demoravam a ser concluídas, hoje nossas necessidades geram mudanças diárias, quase imperceptíveis aos nossos olhos.