A Organização Social Mesopotâmica
Este texto é um diálogo com o livro "As Primeiras Civilizações" de Jaime Pinsky (1994).
O autor demonstra que os primeiros centros urbanos surgem ao longo do Tigre e Eufrates, formando uma Civilização de Regadio. E já nesta civilização mesopotâmica há uma grande complexidade na esfera social, uma estrutura bem organizada, advinda das relações de poder dos contextos religioso e militar.
A exploração da população para grandes empreendimentos tem origem na legitimação do poder religioso, que é o “pioneiro” na divisão do trabalho (os sacerdotes tinham uma organização nos templos, com tarefas predeterminadas).
Mas fora do contexto religioso não havia uma ordem estabelecida. Surge então a figura do rei: líder militar legitimado pelo sacerdote (institui-se um Estado Teocrático).
A ideia da escrita surge a partir das complexidades das relações sociais cotidianas. Os projetos e empresas de reis e sacerdotes não são mais tão simples para ser transmitidos oralmente, exige-se um sistema que dê continuidade a essas ações e simplifique o repassar de informações.
Ao longo do tempo, vão se estabelecendo padrões de medida e gramática, para uma uniformização cultural, na qual todos se compreendam.
Há grande semelhança nos mitos mesopotâmicos e os hebraicos. Um deles é o de Sargão (figura importante que se torna rei pela força militar e unifica um grande número de centros urbanos a uma administração única).
Para o autor, Hamurabi não é um grande rei criador de leis. Na verdade, ele somente registrou e padronizou práticas e regras já estabelecidas na cultura social.
Um aspecto importante da região da Mesopotâmia, é que não há um Estado único, há vários estados regionais, porém uma cultura e economia quase que iguais.
“... ganha em habilidade e talvez em produtividade, mas passa a depender dos que organizam a atividade produtiva...” Aqui o autor expressa a ideia de interdependência social, onde os trabalhadores (já especializados e com funções determinadas) dependem de administradores (inicialmente, sacerdotes).
Para Pinsky, há uma forma de simbiose entre militarismo e religião, onde o rei financia os sacerdotes com suas conquistas militares, e estes legitimam seu poder perante o povo, dando-lhe o poder de representante divino: “... Não é de acreditar que o rei tenha rompido com a religião. Pelo contrário, ele passa a atuar junto com ela.”.
“Com Hamurabi aconteceu o mesmo fenômeno, de superestimação, seguido de subestimação...” Neste trecho, o autor mostra que Hamurabi comete o egocentrismo, que repetem outros reis, de autonomear-se criador de uma obra já existente. Refere-se ao Código de Hamurabi. As leis já existiam (superestima-se), mas este fato não deve ser subestimado, pois o Código legitimou uma melhor organização social por meio da padronização.
Creio ser muito conveniente a desenvoltura com que apresenta, Pinsky, a ideia de desenvolvimento religioso, econômico, político e cultural da região da Mesopotâmia.
Mas não posso deixar de citar, novamente, a importância dos mitos como herança histórica cultural e fonte de pesquisa. Ele cita o mito de Sargão, comparando-o ao de Moisés.
Mas vejamos que esta não a única coincidência entre mesopotâmia e os hebreus: há a grande semelhança entre os mitos da “Arca de Noé” e “O Dilúvio de Utnapishtim”. Nas duas estórias, Deus (ou os deuses) avisa um bom homem que um dilúvio destruirá tudo, e que estes precisam construir uma embarcação para salvarem-se.
Acredito que o surgimento da liderança religiosa sacerdotal é, primordialmente, ao menos um pouco, premeditado. Não que os sacerdotes começaram a dar respostas sobre a vida e a morte para controlar as massas, mas que após este processo ser iniciado alguns deles tomam consciência de que isto lhes dá certo poder de controle. Porém, acredito que, posteriormente, isto volte a tornar-se impessoal devido à inserção dos valores religiosos nas raízes culturais. Os próximos sacerdotes tomam suas lideranças seguindo a tradição (que talvez tenha uma ideologia implícita), e não mais por interesse particular.
Como diria Albert Einstein: “A tradição é a personalidade dos imbecis.” Mas tolos são aqueles que a aceitam sem indagar, espertos os que a aplicam de forma maleável.
Como seria a sociedade atual sem a escrita? Uma coisa aparentemente tão simples realizou, na Mesopotâmia, uma organização inestimável que nos leva às complexas relações sociais hoje existentes. Este é, para muitos historiadores, o legado máximo da Civilização. Acredito que não seja o fator determinante, pois reconheço como “civilizados” muitos povos que não possuem escrita, o que não diminui sua importância.
É importante também citar que esses primeiros centros urbanos que se formam na Mesopotâmia, fazendo jus ao nome, localizam-se à beira dos rios Tigre e Eufrates, e estes rios tem enchentes periódicas, formando uma espécie de Pantanal (o que dá alta fertilidade ao solo) que é o que gera a sustentabilidade daqueles povos. Mas de que serviriam os rios sem as canalizações e valas feitas pelo grupo? A racionalidade dos sujeitos é estimulada pelo “caos”. A necessidade é um fator determinante do progresso.
A dinâmica das relações sociais tem expressividade no que se refere às regras. Assim surge o Código de Hamurabi, uma padronização das regras de costume da sociedade mesopotâmica, e o conjunto das primeiras leis de que se tem conhecimento na História. É um grande legado de que temos usufruído até os dias atuais. Como exemplo, podemos citar a lei: “Todos são inocentes até que se prove o contrário”, baseada neste tão antigo código.