O conceito de "Antiguidade"
Este texto é um diálogo com o livro "Dicionário de Conceitos Históricos" de Kalina Vanderlei Silva (2010).
A autora demonstra, implicitamente, a ideia de que um conceito sem contexto não se materializa, como é o caso do conceito de Antiguidade. Em cada período e contexto histórico ele representa significados diferentes.
Em alguns momentos Antiguidade (que segundo Le Goff, vem de antigo e é uma ideia ocidental) representa um período da História, mais especificamente da História do Ocidente europeu, que é oposto ao Moderno. Porém, o termo “antigo”, além de dar origem à Antiguidade, pode não ser só o contraste com o Moderno, sendo também o oposto do “velho” (antigo – respeitoso e venerável, velho – em ruínas). A Antiguidade, para os renascentistas, se tornou o clássico e venerável, em oposição à sua contemporaneidade. No entanto, no século XX, foi objeto de estudo para legitimar a ideia de Civilização. Rostovzeff via a Antiguidade como berço da Civilização, que abria caminho entre a selvageria e deixava de herança à Idade Moderna muito de sua Filosofia, Política, Ética e Estética. A divisão cronológica renascentista da História foi muito criticada por historiadores do séc. XX e ainda hoje o é. Pois para estes, a divisão não representa as fases da civilização como um todo, mas uma divisão e visão etnocêntrica.
O conceito de Antiguidade Tardia é uma adaptação utilizada por muitos para designar um período transitório entre Antiguidade e Idade Média, mas alguns (como Hilário Franco Jr.) preferem Primeira Idade Média. A Antiguidade, hoje, é vista com outros olhos por nós historiadores. Comprovamos e aceitamos que a maior parte do que sabemos sobre este período é historiografia. É apresentada no texto a ideia de Clássico. Este conceito pode ter também vários significados, entre eles, pode designar a cultura greco-romana da Antiguidade, mas em relação à Arte pode representar as obras principais e “divisoras de águas”, que servem de modelo para as posteriores. Porém, como expõem Beard e Henderson, os Clássicos são lidos de formas diferentes por cada sujeito em cada processo histórico. Além da leitura diferente de cada sujeito, os clássicos também são produzidos e reproduzidos diferentemente. A reprodução de objetos culturais greco-romanos tem muito mais do meio contemporâneo do sujeito que o cria do que do próprio “classicismo”.
“... antigo é o venerável, enquanto o velho é a ruína...” Esta ideia é muito comum e explícita no senso-comum, muitas vezes quando se fala: “Os antigos diziam...”, dá-se um tom de veneração ao conselho dos mais experientes, enquanto, em posição contrária, se usa a palavra velho em tom pejorativo. “... a Antiguidade não seria o período de nascimento da civilização como um todo, mas só do Ocidente.” Isto, atualmente, é muito importante para descontruirmos a ideia fixa e engessada da cronologia histórica. Os períodos desta cronologia conservadora representam muito bem a historiografia eurocêntrica, mas deixam de lado os povos americanos, orientais (do Extremo Oriente), africanos, e até germânicos e povos do próprio Leste Europeu.
Um grande problema em relação à Antiguidade, é que a mídia torna os mitos cada vez mais mitificados. Manipula suas obras (principalmente no cinema, quando se trata deste assunto), e enraíza ideias errôneas do que é Clássico no pensamento popular. Já no Renascimento, inicia-se esse processo de “romantização” do período Clássico, e isso perdura até os dias atuais. O objeto utilizado é o Clássico/Antigo, porém, sempre, o cenário e a intenção são contemporâneos.
Seria a Antiguidade uma “Idade de Ouro”? Muito provavelmente, a grande maioria (aqueles que têm conhecimento superficial de historiografias sobre este período) concorda com este termo. Porém isto, como dito anteriormente, é algo que os renascentistas conseguiram engendrar em nossa cultura: “A Antiguidade foi a Idade de Ouro, enquanto o período Medieval foi a Idade das Trevas, e devemos buscar nossas origens.”. Devemos entender a intenção dos autores renascentistas ao proporem esta ideia. Nada é produzido de graça, eles tinham seus porquês e devemos ser mais críticos quanto a isso.
O que o Cinema nos propõe sobre essas questões, e o que seriam as intenções dos produtores dessa mídia nada inocente? Resgatar os grandes heróis e vilões da Idade de Ouro, não é mera demonstração de erudição. O caso é que esses mitos nos são remanejados em cenários atuais, e propõem o que é certo e errado (ou seja, o que o sistema capitalista atual deseja).
Não discordo de toda a produção renascentista. Ainda acredito (como eles) que, nesses famosos “Anos Dourados”, há muito a resgatar de valores que perdemos ao longo dos milênios (e que a Idade Média teve muita culpa neste processo, mas não que seja ela uma “Idade das Trevas”). A Antiguidade, que é o mais próximo das origens, talvez nos dê muitas repostas e soluções para problemas contemporâneos, provavelmente num viés mais filosófico, mas a historicidade da Filosofia Clássica tem seu valor. Talvez a aproximação da ciência e o distanciamento da natureza e sua aura mágica seja a grande perda da humanidade no processo de racionalização dos sujeitos.