O conceito de "civilização"
Este texto é um diálogo com o livro "Dicionário de Conceitos Históricos" da autora Kalina Vanderlei Silva (2010).
A autora explica que o termo “civilização” foi mudando ao longo do processo histórico, porém que sua origem seja iluminista, onde civilização representava os que se distinguiam (e continuam distinguindo) superiores a outras culturas.
O termo foi ganhando outros significados ao longo do tempo, como: algo mais próximo de povo, nação ou cultura (no séc. XIX); identidade cultural, que não se limita a fronteiras (no séc. XX, para Huntington); muitos concordaram com a ideia de civilização ser algo relacionado à cultura urbana (após os anos 50), porém outros, como Toynbee, discordam deste aspecto, propondo que a cidade não é característica fundamental para caracterizar civilizações, mas fundamental é o desligamento da maior parte da população na produção alimentícia. Se pensarmos assim (no desligamento de sujeitos da produção alimentícia), entendemos então que uma característica da civilização é o excedente produtivo, então outra característica seria o Estado e a desigualdade social. Enquanto Toynbee tentou criar um modelo geral de civilização, Huntington fez uma lista de civilizações da História, na qual as civilizações latino-americana e africana encontram-se ainda em formação. Para alguns, civilização tem como fundamento a cidade, enquanto para outros, tem fundamento na escrita. Porém, para Coe, houve civilizações que tivessem um e não tivessem o outro. O conceito de civilização, portanto, em todos estes significados (se não bem aplicado) passa a criar uma ideia de superioridade cultural.
“... os incas possuíam civilização, mas não escrita, e os maias, segundo Coe, não possuíam cidades.” Este ponto é muito interessante, pois houve muitíssimos outros povos que não detinham estas características. Os celtas, por exemplo, não tinham escrita e se organizavam em pequenas aglomerações aldeãs, porém como deixaríamos de fora um povo como este, devido sua identidade cultural? Pinsky propõe que o termo seja usado como característica e não como qualidade, assim o termo pode ser aplicado mais facilmente, sem seu significado original do Iluminismo: “... a civilização era uma característica cultural que se contrapunha a ideia de barbárie...”.
Acredito que a melhor forma de empregar este conceito seja a ideia de identidade cultural, assim podemos abranger muito mais do que de outras formas. A ideia de identidade cultural elimina a ideia de superioridade étnica, e desliga as ideias de Estado, escrita e cidade dos fundamentos deste termo (porém, quando elas existem, ele os abrange).
Proponho a ideia de identidade cultural para o termo, mas seria errado usá-lo de outra forma? Acredito que não, a partir de que se esqueça da ideia de civilização como uma qualidade ela pode ser trabalhada das mais variadas formas. * Por que aderimos tão facilmente à ideia de barbárie e civilização? Isto acontece porque perdemos o estranhamento. A ideia de que não existe preconceito e que o mundo é aceito sendo multicultural, talvez seja uma das maiores farsas contemporâneas. Aceitamos somente o que se aproxima de nossa cultura, quando um costume se distancia ele é visto como aversivo, agressivo, ou melhor: bárbaro!
O problema atual do uso deste termo é o uso dele por leigos a partir do senso comum. No senso popular, o conceito de civilização volta às origens iluministas de superioridade cultural (etnocêntrica) e de xenofobia. Mesmo quando não se descaracteriza um povo de sua “civilidade”, hoje temos a ideia de uma civilização ser superior à outra, que nos leva a lembrar dos conflitos entre Ocidente e Oriente: dois conceitos ocidentais eurocêntricos que também deveriam ser postos em discussão. Esse conflito tem uma origem mais radical a partir do Império Romano (Roma contra os bárbaros), apesar de a ideia de barbárie remontar à Grécia. Entretanto, o problema do Ocidente contra o Oriente, como conhecemos hoje, inicia-se com a ascensão da Igreja Católica na Idade Média e se legitima com as Cruzadas. Hoje o cenário é outro, porém o conflito é o mesmo banal de sempre.