MAQUIAVEL: O PRINCIPE E 500 ANOS
Escrito faz quinhentos anos, através do qual Nicolau Maquiavel expõe seu pensamento de variados temas, pertinente à organização do Estado e da sociedade como hoje se nos apresentam a obra “O Príncipe” está cada vez mais presente na política, sobretudo, e nas diversas formas do modo de organização de determinados grupos e movimentos.
Pode-se dizer que o pensamento de Maquiavel está impregnado no cotidiano das pessoas e nas classes sociais, em sua constante luta pela sobrevivência.
Verifica-se na classe dos gestores - incluam-se as três esferas de poder - flagrante falta de comprometimento para com os que são governados; pessoas do povo, excluídas dos processos de cidadania, de justiça e com poucas perspectivas de futuro, uma vez que grassa a corrupção em todas as esferas dos governos federal, estaduais e municipais em todo o País.
Da parte dos gestores não se constata vontade e nem pretensão de se conhecer bem a natureza do povo para se achegarem mais às realidades e sendo também povo, sentindo seus problemas, seus clamores, dissabores cotidianos, sentir a negação sistemática da cidadania e no seu bojo a negação dos direitos mais fundamentais consagrados na Carta Magna de 1988 nos albores dos festejos pelos seus vinte e cinco anos de promulgação. “... Para conhecer bem a natureza do povo, é necessário ser príncipe, para conhecer a natureza do príncipe é necessário pertencer ao povo”, sentencia Maquiavel em sua obra supracitada endereçada a Lourenço de Médicis, senhor da República Florentina na Idade Média na Itália e pai do papa do início da Reforma Protestante, Leão X.
Às vezes nos imbuímos da vestimenta de príncipes e não queremos pertencer à plebe. Esta somente é percebida nos períodos eleitorais. É difícil ser povo, sofrer suas vicissitudes e buscas pela garantia dos direitos consagrados na Constituição Cidadã e negados peremptoriamente por quem deveria fazer o contrário, promovendo a cidadania, espelhando a Justiça e espalhando a dignidade para todo cidadão ou cidadã, sendo, então, um guardião de direitos.
Não é fácil ao príncipe pertencer ao povo. Melhor é oferecer esmolas e favores, todo tipo de benesses possível. E de preferência que “os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, para serem mais bem saboreados”, aconselha Maquiavel; fazer o bem à conta gotas no intuito de se disseminar na memória dos concidadãos o bem que o governante fez e continuará a fazer; é só deixá-lo no cargo que ocupa ou apoiar a quem ele indicar para sua substituição. Geralmente essas substituições se promovem no âmbito familiar e noutro plano na seara de ‘pessoas de suma confiança’ do príncipe.
Tem-se usado constantemente de raposia no trato com pessoas de todos os matizes, de todas as classes, credos, filosofias e nas relações humanas, sejam elas individuais ou grupais. Muitos levam em conta que “é preciso ser raposa, para conhecer as armadilhas, e leão, para aterrorizar os lobos”, ensina Maquiavel.
Passamos por momentos de grandes turbulências no orbe terrestre a partir da bancarrota de alguns países da Europa e também dos Estados Unidos e, mais particularmente, em nosso país, mergulhado em sucessivas crises. Contudo, as raposas de plantão estão sempre à espreita para tirarem vantagem em tudo, constatada sua natureza corruptível e sorrateira a agirem nos subterrâneos do Poder Central. Os grandes grupos econômicos sabem dessas armadilhas e se defendem e atacam usando os mais variados estratagemas inimagináveis para uma competição. Um exemplo oportuno desta questão é o que se verifica atualmente, quando o mundo assiste, pasmo, uma nação espionando outra nação dita aliada e alinhada politicamente.
E no uso de toda sua esperteza vão demarcando território no intuito de mostrar poder, além de político, também econômico. No mundo da espionagem quem é mais forte se sobrepõe aos mais fracos. Quem tem menos força política ou econômica esperneia sem que seja ouvido ou, ao menos, considerado ou respeitado na sua soberania. Constata-se a tática e a prática da raposa.
O pensamento de Maquiavel não somente está aplicado nos momentos atuais como também cada dia mais tem sido objeto e fanal para orientação dos passos daqueles que teimam e insistem em querer guiar os caminhos alheios. “Todos os homens, geralmente, julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, pois todos sabem ver, poucos sabem sentir”, afirma Maquiavel.
É necessário que tenhamos os que promovam mais ações garantindo o bem comum para todos indistintamente. A insensibilidade está presente na vida das pessoas, seja de forma individual ou coletiva. Em tempos de tecnologias mais avançadas, populações inteiras são dizimadas pelas guerras, conflitos armados e pela fome em vários países do continente africano. Na América Latina não foi diferente. Principalmente quando se reporta aos pequenos países da América Central, a exemplo da Nicarágua sandinista e de El Salvador dos esquadrões da morte apoiados, outrora, por sucessivos governos de direita descompromissados com a vida em toda sua plenitude.
O pensamento maquiaveliano suscita o debate político e a obra O Príncipe se configura ainda em campo de batalha sob variados aspectos e ideologias. Tal obra é aplicada de forma multifacetada, a depender do grupo político-ideológico que a use para validar seus atos.
Maquiavel expõe a existência dos grupos que povoam o poder. Esses grupos formam uma tríade. O primeiro é o povo, a quem o príncipe deve todo devotamento, o segundo são os adversários que trabalham em campo aberto, os elementos constantes da oposição ao príncipe. E o terceiro grupo é composto pelos ‘amigos’ do Poder, a oferecer amizade e fidelidade quase canina, chegados de última hora e que só querem as benesses de quem governa. Este último grupo é apontado por Nicolau Maquiavel como o mais perigoso e que se possa temer. Trairá oportunamente ao governante a quem ora serve. Seus elementos são mais danosos que os do segundo grupo, uma vez que estão no cerne do poder juntamente com quem governa. Verdadeiros carrapatos-do-chão que se põem a sugar o poder por identificá-lo enquanto úbere fecundo.
O gestor precisa caminhar com seu povo e por ele se fazer amar. Jamais estar longe ou terminantemente ausente, ainda que os problemas que se avizinhem sejam ruins para a coletividade. Nesta hora o dirigente deve ter a força do leão para afugentar os problemas bem como a capacidade da raposa para se livrar das armadilhas e laços que, porventura, vá encontrando no caminho.
O processo político é dinâmico e Maquiavel destaca que não dá para agradar a todos. Ele aponta o prejuízo que o dirigente impinge sobre o povo quando beneficia grupos menores em detrimento da maioria, fato comum e corriqueiro nos dias hodiernos no campo político, já não importando a ideologia ou coloração partidária. O povo tem perdido e a classe mandatária em sua maioria vem ganhando e amealhando riquezas ante a pobreza em alto grau de esfomeação.
Se no ideário do pensador florentino o dirigente tem que distribuir os benefícios aos poucos para que estes possam ser mais bem saboreados, tal ensinança tem sido muito assimilada pelos príncipes-gestores, especificamente nas regiões mais remotas do Brasil, lá aonde ninguém vai por ser o ‘fim do mundo’, como diria o papa Francisco.
O povo tem o sagrado direito de participar e ter poder de decisão. A democracia pressupõe participação em sua essência, seja nos conselhos municipais ou na hora do exercício da capacidade eleitoral ativa, que é o exercício do voto direto, livre e soberano.
E para que isto aconteça é necessário que se tenha um povo com sólida educação e consciência política em alto grau, a exemplo do que se viu recentemente na França, quando o Governo do presidente socialista Hollande expulsou do país Leonarda Dibrani, de origem cigana, por puro preconceito e xenofobia que têm caracterizado os governos europeus, e o povo saiu às ruas provocando a mudança de rumo no Governo em relação ao caso.
Nicolau Maquiavel inspira e provoca sensações as mais divergentes ou convergentes possíveis. E contribui para a renovação do debate constantemente. Exorta os dirigentes nos cuidados que devem ter quanto à construção de suas fortalezas. E arremata dizendo que “... a melhor fortaleza que existe é não ser odiado pelo povo”.
No aniversário do quincentenário de O Príncipe muitas reflexões continuarão em muitos espaços de discussão. Gerações outras continuarão a serem influenciadas pelo pensamento maquiaveliano. Uma coisa não se deve e nem se pode perder de vista: o bem-estar da população, alvo principal dos cuidados do pensador florentino.