SUJEITO OCULTO (Osvaldo Higa)
Na literatura, temos vários relatos de personagens que empreenderam duras viagens em que o interior se transcende no exterior (o contrário também vale) e ambos se confundem no receptáculo extático do leitor. Para uns, o pesadelo solitário, como o do sr. Meursault, de “O Estrangeiro”, que Albert Camus retratou com concisão e densidade. Ou Santiago, o pescador de “O Velho e o Mar”, que Hemingway alçou ao posto de solitário mitológico. Para outros, como D. Quixote, que vestiu-se de uma névoa de sonhos que inebriava seus sentidos, ou Macabéa, a inocente interiorana que Clarice Lispector dispôs errante no meio da cidade grande, a jornada é mais complexa ainda, pois se traduz também na solidão dialógica, mesmo em contato com “o outro”.
Lendo "Sujeito Oculto", segundo romance do escritor e jornalista paulistano Osvaldo Higa, vislumbramos uma terceira via para esse tipo de viagem regressiva, aquela que é prevista, ou autoconsentida.
Pois, ao contrário de todas as outras citadas, quando os personagens estão num processo ou circunstância que leva ao caminho a, b ou c, nesta obra de Higa, o seu alter-eu, Diógenes, toma a decisão do isolamento. Explicando: por circunstâncias que desconhecemos (o autor não nos conta nesta obra o porquê), Diógenes participa do assassinato de um morador de rua na Praça da Sé.
Sua fuga, porém, não se dá no plano policialesco nem na espetacularização cinematográfica. Diante de todas as variantes possíveis para a situação inusitada, o protagonista toma uma atitude inédita: vai morar no mato, “fecha-se para balanço”. Dono de um jornal nanico, mas muito conceituado (o sintomático Metamorfose Ambulante), surpreendente no gesto extremo de Diógenes o tornar-se ermitão deixando para trás a fortuna que ganhara na Mega-Sena dois anos antes. Para trás também ficam a mulher, os filhos, os amigos.
Sem outros motivos que não sejam a busca interior por uma “iluminação” que não seja esotérica ou religiosa (o autor não nos indica que essa fuga pode ser pela suposta autoria do crime), nosso personagem então “escreveu algumas cartas de despedida, mas sem dar indicações do que faria, pois nem mesmo ele tinha clareza do que fazer”. (p. 47), e sem arrebatamentos catárticos, embrenha-se na mata atrás do nirvana cristão, da clareza profunda de Buda, do princípio selvático do homem. Abandonando qualquer resquício cultural, encontra no fundo de uma gruta perdida no meio da Serra do Mar a moradia ideal. Totalmente afastado do contato com a civilização, preenche seus dias alimentando-se de frutas e sementes (abre mão de comer carne de animais, apesar de ter aprendido a fazer fogo com gravetos), curtindo a beleza extrema de cada detalhe da mata selvagem e sombria. “Havia dias em que simplesmente esquecia-se de comer. Seu corpo avisava-lhe quando sentia necessidade de algum alimento” (p. 37), é a deixa para entender a reclusão em seu estado mais elevado. Diógenes encontrou a sua pedra filosofal.
Parte de uma trilogia – iniciada com “Um Começo Feliz” (já esgotado) e que será finalizada com “Transmutação”, o epílogo que será lançado em breve, segundo o autor – “Sujeito Oculto” é desses livros que determinam uma mudança de percurso em muita gente. Tal como o livro “O Apanhador no Campo de Centeio”, de Salinger ou o filme “Sem Destino” (Easy Rider), com Dennis Hopper e Peter Fonda, a obra de Higa seduz pela fluidez e direcionamento na procura de outros caminhos que não sejam a farsa social na qual estamos inseridos. Podem citá-lo como visionário, pueril, romantizado ou paradigmático, mas temos, na prosa deste livro fabuloso (o título é outro achado libertário do autor), uma saída. Mas... quem tem a coragem?
Sujeito Oculto – Osvaldo T. Higa
SP: Edição do autor, 2009, 1ª edição.
Contato: osvaldohig@gmail.com