RESUMO DAS ATAS DO JULGAMENTO DOS TEMPLÁRIOS- OS GRANDES JULGAMENTOS DA HISTÓRIA- CLAUDE BERTIN- ED. AMIGOS DO LIVRO- LISBOA,S.D.
 
Capítulo IV
 
O REI E O PAPA
 
 Se para recompor as combalidas finanças do seu reino, Filipe precisava se apropriar do tesouro dos templários, as outras formas de angariar fundos, eram, como vimos, expropriar os judeus e tributar o clero. O confisco e a expulsão dos judeus da França seria feito em 1303, mas a sua luta contra o clero começou mais cedo. Já em 1296, um decreto real taxando algumas rendas da Igreja provocou uma irada reação do Papa Bonifácio VIII, que em represália, emitiu a bula Cléricos Laicos, na qual proibia, veeementemente, que qualquer propriedade da Igreja fosse transferida para a coroa francesa sem a prévia permissão do Vaticano. Isso soou ao rei Filipe como um desafio ás suas pretensões, e a partir de então, iniciou-se um conflito entre a coroa francesa e o papado.  
Filipe havia se cercado de nobres letrados, alguns deles originários da Universidade de Paris, onde se professava, na época, um velado anticlericalismo. Guilherme de Nogaret, seu principal ministro e conselheiro era um deles. A esse séquito juntou-se o italiano Sciarra Colonna, inimigo pessoal do Papa Bonifácio VIII, que com ele já havia tido vários atritos. Juntos, esses dois indivíduos iriam exercer um papel preponderante nos acontecimentos que se seguiriam.
O Papa Bonifácio VIII estava velho e enfraquecido. Não resistiu muito tempo ás pressões de Filipe. Minado em suas forças pela doença e pela idade, e no terreno político pelas lutas encarniçadas que tinha que travar contra seus rivais, especialmente a família Colonna, Bonifácio VIII teve que assinar uma trégua com o rei francês. Foi assim, que através de duas bulas, Romana mater de Fevereiro de 1297 e Etsi de statu, em julho do mesmo ano, ele cedeu ás pressões ao inflexível monarca, permitindo que este tributasse, á sua vontade, as rendas da Igreja em solo francês. Ao mesmo tempo, consentiu na canonização do avô de Filipe, o rei Luís IX, que se tornou o Rei São Luís da França. Estava assim, aberto o caminho para a capitulação total da autoridade da Igreja sobre o reino da França, e para os desígnios de Filipe, na sua luta pelo poder total.
Cumpria agora ultimar sua vitória sobre o Papa e submeter a Igreja à sua influência. Só depois dessa providência, poderia ele se voltar contra a  Ordem do Templo, tão poderosa quanto a própria Igreja e mais rica do que o próprio reino francês.
Porém, o Papa Bonifácio VIII, percebendo, embora tardiamente, as manobras de Filipe, encetou, em 1300, uma firme resistência, ao emitir a bula Unan Sanctam, na qual declarava a superioridade do poder espiritual sobre o poder temporal. Com isso sugeria que todos os reinos cristãos estavam sujeitos a uma obediência formal ao Vaticano, e que todos os reis, estariam, por consequência, sujeitos á autoridade papal.
Isso, como seria de se esperar, não agradou á maioria dos reis cristãos, especialmente na França e Inglaterra. Nesta última, aliás, os conflitos com o Vaticano já eram patentes, pois a Inglaterrais, um século antes, durante o reinado de Henrique II, havia se revoltado com esse tipo de vassalagem, quando, por força do conflito ocorrido entre o rei inglês e o Arcebispo da Cantuária, Thomas A’ Becket, Henrique II se declarara, ele próprio,o chefe da Igreja na Inglaterra, colocando sob sua tutela tanto o poder temporal quanto o espiritual. Para Filipe, em França, não custava agora, seguir os passos do seu ancestral inglês. E nisso, ele iria ainda mais longe ainda, submetendo, não só o clero francês ao seu poder, mas o próprio Papa.
Foi assim que ele respondeu á bula papal proibindo a  saída de qualquer recurso das igrejas francesas para o Vaticano. Ao mesmo tempo criou uma espécie de assembléia de barões, burgueses, proprietários e autoridades eclesiásticas, a qual teriam a incumbência de referendar as suas decisões. Tirava, portanto, do clero, qualquer autoridade política e judicial para se imiscuir nos negócios do reino francês. Essa assembléia foi o núcleo dos chamados Estados Gerais, que durante vários séculos funcionariam como uma espécie de Parlamento do reino de França, sobrevivendo até o advento da Revolução de 1789.
Apoiado por essa assembléia, Filipe saiu, mais uma vez,vitorioso na sua luta contra o Papa. Este por sua vez, ameçou-o com a única arma que lhe restava, ou seja a excomunhão. Essa era uma arma poderosa, que embora não gerasse efeitos militares sérios, ocasionava, no entanto, perdas políticas consideráveis. Ser excluído da comunidade cristã implicava numa espécie de isolamento moral, a qual os franceses não gostariam de ser submetidos. Isso, com o tempo, poderia acarretar prejuísos econômicos e  pollíticos Assim, impunha-se ao rei Filipe uma ação que pudesse neutralizar essa reação do Papa. Foi então que ele mandou seus advogados, comandados pelo inefável Guilherme de Nogaret, falsificarem os termos da bula papal que ameaçava o rei de excomunhão, e a França de isolamento, fazendo com esta parecesse injuriosa aos olhos dos franceses. Dessa forma, com todo o povo francês do seu lado, ele pode, em 1303, enviar uma tropa armada para a Itália, com a missão de prender o Papa e levá-lo a julgamento perante um concílio de bispos por ele previamente escolhidos, sob a acusação de conspiração para a formação de um império teocrático.
 
A expedição armada contra o Vaticano foi comandada pessoalmente pelo fiel ministro Nogaret. Seu sucesso se deveu principalmente ao apoio que lhe foi dado em Roma pelos inimigos declarados do Papa, a família Colonna, comandada pelo sinistro Sciarra Colonna. O Papa, abandonado pelos seus aliados, refugiou-se no Castelo de Anagni, onde foi capturado e preso pelos soldados franceses. Nessa ocasião, Sciarra Colonna aproveitou para destilar todo seu ódio contra o Papa, agredindo-o fisicamente com um tapa no rosto, ao qual o velho pontífice respondeu, que “ entregava a tiara papal e a própria cabeça, mas nunca sua dignidade, pois Papa era e morreria Papa”
Entrementes, a população de Anagni, ao saber do atentado contra o Papa, armou-se e assaltou o castelo para libertá-lo. Nogaret, os esbirros da família Colonna e os soldados franceses, em menor número, fugiram. O Papa foi libertado, mas já não era mesmo. O episódio havia comprometido de vez a sua saúde física e mental.  Em conseqüência o velho e combativo pontífice morreria no mês seguinte. Seria sucedido por Bento XI, que não obstante ter realizado uma trégua com o ambicioso rei francês, não cedeu, como era desejo deste, ás suas maquinações. Em conseqüência, morreria envenenado dois anos depois, supostamente a mando de Filipe, o Belo. Para o seu lugar foi eleito o inefável Clemente IV, um dos principais atores desse drama, que ainda hoje, mais de sete séculos depois, ainda continua a canalizar o interesse do mundo, pela aura de mistério, conspiração e romantismo que o cerca.
(continua)
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 30/09/2013
Reeditado em 02/10/2013
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