Livro do Desassossego

Fernando Pessoa é talvez o maior poeta e escritor de Língua Portuguesa, porquanto não foi apenas um gênio, mas cinco gênios: seus heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis; seu semi-heteônimo Bernardo Soares; e Fernando Pessoa ele-mesmo.

Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros em Lisboa, é quem produz os fragmentos que compõem o Livro do Desassossego (Fernando Pessoa, 2ª edição Companhia de Bolso, 560 páginas, 33 reais). O Livro é talvez a materialização do desassossego, porquanto é um livro, não incompleto, mas que não foi concluído. Nem mesmo os que o lêem podem concluir sua leitura, exaurir cada fibra de informação contida no texto. Existem várias formas para lê-lo: linearmente, do começo ao final, ou do final ao começo; aleatoriamente, pegando-se vários excertos dispares espacialmente, e ainda assim captar alguma coisa.

Antes mesmo de ser nomeado dessa maneira, Pessoa havia pensado em quatorze outros títulos, dentre eles "A Floresta do Alheamento", "Viagem Nunca Feita" e "Intervalo Doloroso". O primeiro me chamou a atenção porque Kafka uma vez advertiu que um livro tem de nos afetar como se estivéssemos em uma floresta, longe de todos. Os outros dois porque poderiam encaixar-se perfeitamente no espírito trazido pelo livro: uma aura de fragmentação e não-realização. Na verdade, esse é o espírito do próprio Pessoa, um gênio que fragmentou-se em tantos outros gênios, embora não tenha alcançado em vida a merecida gratulação. Essa é a alma com que Pessoa, na figura de Bernardo Soares, construirá - ou desconstruirá - o seu Livro, tocando em temas que vão desde a Literatura à Filosofia, desde o desnudamento da Humanidade à Confissões Pessoais. Justamente por ser uma "autobiografia sem factos" é que as reflexões fragmentárias formadoras do Livro são mutilações desconexas da personalidade de Pessoa.

Apesar disso, é seguro afirmar que o Livro não é uma obra autobiográfica, nem mesmo um mero diário onde Fernando descarregava seu Tédio. É, pelo contrário um obra refletidora de uma sociedade mutilada, sem nexo, enfim, pós-moderna. Tanto que, na organização de Richard Zenith, o primeiro texto elucida uma reflexão eloquente acerca da humanidade, em suas crenças - sejam científicas ou religiosas ou a ausência de ambas - e suas impressões estéticas. Pessoa realiza deveras uma leitura fidedigna e lúcida de uma sociedade pós-Marx, pós-Darwin, pós-Freud e pós-Nietzsche, personalidades que desmantelaram a crença na transcendência e no próprio indivíduo humano com todas as suas manifestações.

Portanto, para conhecer-se melhor a obra de Fernando Pessoa, o modernismo português e a Literatura de Língua Portuguesa em geral, é indispensável a leitura do Livro do Desassossego. Pessoa, em sua obra, ainda tem muito a expressar, e é, por isso, que se faz digno de ser um livro de cabeceira.

Leonardo Brasil de Matos
Enviado por Leonardo Brasil de Matos em 07/09/2013
Código do texto: T4471351
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.