Uma fábula sobre a responsabilidade humana

UMA FÁBULA SOBRE A RESPONSABILIDADE HUMANA

Miguel Carqueija


Resenha de “Inconstância do Amanhã”, de F.G. Rayer.
Coleção Argonauta, nº. 7. Título original: “Tomorrow sometimes comes” (O amanhã virá algum dia).


Este foi um dos mais envolventes e eletrizantes romances de ficção científica que eu já li. Aborda, de forma magistral, a questão da responsabilidade do homem pelos seus atos e em face das consequências.
É uma história da Guerra Fria, escrita numa época anterior aos mísseis intercontinentais. A guerra atômica, se então viesse, teria nos aviões de bombardeio os seus agentes de destruição. Rayer especula com o que poderia suceder, se a guerra fosse desencadeada por engano. O trágico herói da novela, o Major Jack Mantley Rawson, é o comandante de uma base aérea secreta e estratégica em alguma região dos Estados Unidos. Quando a base é sobrevoada por um avião desconhecido e que não responde às tentativas de contato, e uma tremenda explosão isola o local impedindo as comunicações com autoridades superiores, Rawson, prestes a ser anestesiado para uma operação de emergência e julgando cumprir o seu dever, ordena a imediata retaliação contra o inimigo (que só podia ser a União Soviética).
O mundo é varrido pela guerra atômica e Rawson, em animação suspensa no hospital abandonado, hiberna durante séculos até despertar num mundo transformado e arruinado, onde as radiações criaram uma raça de perigosos mutantes telepáticos, onde o seu nome se tornou amaldiçoado, onde um supercomputador — a poderosa Mens Magna — governa a cidade de Kaput, uma ilha de civilização em meio à barbárie generalizada.
O autor logrou criar um convincente perfil psicológico do protagonista Mantley Rawson, da angústia que o atormenta ao conhecer a própria culpa pela destruição do mundo. O longo duelo com a Mens Magna, da qual ele procura a todo custo ocultar a verdadeira identidade, a rebelião dos Evoluídos, o grande impasse final, a perturbadora idéia de que o futuro não é constante e que seria possível vivenciar dois futuros — tudo isto produz uma narrativa majestosa, dessas que marcam pelo resto da vida.
Segundo Roberto Nascimento (“Quem é quem na ficção científica — a Coleção Argonauta”) — o autor F.G. Rayer produziu toda uma série com a extraordinária personagem não-humana que é a Mens Magna.