Triste borboleta
É o ano de centenário de Braga, e convém reler livros como “A Borboleta Amarela”. Nele já está consolidado o estilo que hoje tanto se reverencia, cheio de melancolia, beleza e vida. O noticiário, fonte bastante comum para as primeiras crônicas em livro de Braga, quase nem aparece mais. As brincadeiras do livro anterior (“Um pé de milho”), como o encontro com Bebu na hora neutra da madrugada, a história do corrupião, do caminhão, de São Silvestre, praticamente não existem neste livro – à exceção, curiosamente, da crônica-título.
Em “A Borboleta Amarela” Braga é de fato aquilo que mais se valoriza nele. “Um Pé de Milho” termina já antevendo a fase francesa de Braga, que domina as primeiras crônicas deste seu livro seguinte, formando alguns dos mais bonitos textos que já escreveu. Neles o cronista está despreocupado, não tem realmente muita coisa para contar senão aquilo que está vendo ou sentindo. Mas faz isso de maneira fluente, com uma narrativa envolvente e clara, mesmo nos momentos mais impressionistas – e o Braga, como confessou uma vez, é um sujeito muito impressionável.
Um dia houve alguém que destacou a importância do substantivo na crônica do Braga, destacando a influência que o escritor recebeu da poesia de Manuel Bandeira. Mas em “A Borboleta Amarela” o que salta às vistas, mais do que nos livros anteriores, é a importância do adjetivo na crônica de Braga. Não é exagero dizer que o sucesso de Braga se deve em grande parte ao adjetivo. As coisas neste livro nunca são apenas coisas: elas são também tristes, gentis, cordiais, sentimentais, fracas, estúpidas, pobres, ridículas, cálidas, banais, gratuitas, vãs, neutras, vazias, felizes, desagradáveis, bonitas, feias, rudes, meigas, puras, serenas – sobretudo tristes. São palavras que ajudam a formar um clima de melancolia sem equivalente na literatura.
Muitas vezes, o cronista se volta contra si mesmo – usa contra si palavras feias. É um triste senhor do Brasil, que com menos de 40 anos assume a sua velhice. Confessa as suas fraquezas e as suas ternuras sem cerimônia. E até mesmo a ironia, empregada outras vezes com tanta acidez, é cheia da mesma tristeza durante este livro. O cronista se debate contra problemas urbanos e modernos em textos como “O Telefone”, “Manifesto” e “O Sono” mas suas críticas mais emocionam que indignam. Também é com emoção que se lê algumas de suas narrativas mais marcantes, como as impressionantes “O afogado”, “Partilha” e “Os amantes”, essas bem próximas ao conto, ou a pungente “Força de vontade”, a dilacerante “A navegação da casa”.
E o cronista só passa toda essa emoção porque também a sente. É um homem que se comove com uma cidade que tem um sino de ouro, com a camponesa que oferece um cacho de uvas em retribuição a uns cigarros que lhe deu, com a voz ao telefone de uma velha conhecida em Paris. E quem reparar bem percebe que no meio de toda essa melancolia não há apenas desalento, mas um profundo amor e uma insistente esperança, a consciência de que a vida não é o que sai nas páginas dos jornais, que de vez em quando se encontra um homem que não teme nem despreza outro homem, e até mesmo que, às vezes, ainda vale a pena escrever uma crônica.