A ÚLTIMA BATALHA, de C. S. Lewis

Nem todos os fãs ficam satisfeitos com o último capítulo de uma saga. Foi assim com a trilogia Matrix, onde muitos classificaram o primeiro filme como um obra-prima do cinema moderno e o último como uma salada incompreensível de idéias. Tais pessoas preferem pensamentos ruminados a conceitos mais profundos. Mas como toda história que começa tem de chegar a um fim, e levando em conta que é impossível agradar a todos, deve-se buscar a idéia que o autor quis transmitir, a sua essência, a sua filosofia, ao desfecho. E isso é o que devemos ter em mente quando lemos "A Última Batalha", história que encerra a série infanto-juvenil "As Crônicas de Nárnia", do escritor irlandês C. S. Lewis.

Entretanto, talvez alguns leitores se perguntem: Mas porque finalizar uma série infanto-juvenil, que contém ensinamentos cristãos, falando sobre morte e destruição? Simples, porque é algo que os adultos ainda hoje têm dificuldades de ensinar às crianças. E porque o último livro bíblico fala justamente sobre isso. Lewis consegue conduzir a imaginação para o mesmo tópico que o livro de Apocalipse traz, mas de uma forma simples e – até certo modo – agradável.

Alguns ensinamentos importantes, cristãos e filosóficos, são encontrados, implícita e explicitamente, no decorrer de toda a história. Tudo começa quando o macaco Manhoso veste o burro Confuso com uma pele de leão e espalha o boato de que Aslam voltou. Aqui há uma idéia clara sobre o que a Bíblia prediz sobre os falsos profetas, já que Aslam representa a Jesus Cristo nas crônicas. Manhoso e Confuso, respectivamente porta-voz e líder falsamente proclamados, passam a vender a tudo e a todos em Nárnia para os calormanos, e todos se sujeitam sem fazer nenhum questionamento, lembrando muito o poderio atual que alguns líderes políticos, religiosos e intelectuais exercem sobre grande parte da população. Essa massa de pessoas deposita uma confiança cega e deixa que outros controlem o rumo de suas vidas, mesmo que esse rumo seja para o abatedouro.

Todos os esforços dos mocinhos são insuficientes para deter a catástrofe que se aproxima. Nem Tirian – o último rei legítimo de Nárnia –, nem Eustáquio e Jill (personagens de A Cadeira de Prata), nem o unicórnio Precioso, nem o centauro Passofirme, nem os anões, nem gigantes, nem animais falantes, enfim, ninguém poderá deter o que já estava destinado a acontecer: o fim de Nárnia.

Abre-se a passagem para o dia do julgamento final, onde Aslam julga e separa os merecedores de ir para a Verdadeira Nárnia e os merecedores de ir para outros lugares. Esta Verdadeira Nárnia simboliza o paraíso cristão e o mundo das idéias de Platão. Até Lorde Digory (personagem de O Sobrinho do Mago) admite isso quando diz: “Está tudo em Platão, tudo em Platão...”.

Além de Eustáquio, Jill e Digory, todos os outros personagens das histórias anteriores são reunidos na Verdadeira Nárnia. Há um debate interessante dos críticos da obra relacionado a quem aparece nesse paraíso. Susana (personagem de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa) não está presente, pois se diz que ela “não é mais amiga de Nárnia... agora só pensa em lingeries, maquilagens e compromissos sociais”. O calormano Emeth, que apesar de venerar toda a sua vida o deus Tash (aqui representando o próprio diabo) e lutar contra Nárnia, por sua fé e desejo de fazer o bem é aceito por Aslam como seu servidor, pois “nenhum serviço que seja vil pode ser prestado a mim (Aslam), e nada que não seja vil pode ser feito para ele (Tash)”. Em ambos os casos, dá-se uma importância maior às ações presentes do que as passadas.

Alguns acreditam que o boato virtual que circula até hoje sobre o episódio final do desenho Caverna do Dragão, que diz que os jovens que vão para outro mundo e tentam retornar para casa morreram e estão na verdade no inferno, foi baseado em "A Última Batalha". Deve-se admitir que há alguma semelhança entre ambas.

Querendo terminar em grande estilo a sua narrativa permeada de referências cristãs, Lewis procura explicar para as crianças conceitos como morte, diabo, falso profeta, fé, paraíso e juízo final. "A Última Batalha" recebeu em 1956 o prêmio Carnegie Award de melhor livro infanto-juvenil do Reino Unido, mais por causa do conjunto das sete obras que compõem As Crônicas de Nárnia do que por mérito próprio, pois há outras crônicas melhores do que essa. Não é um livro para ser lido sozinho, mas como um grande desfecho de uma maravilhosa aventura.