INSÔNIA, de Stephen King
Imagine a história de um velhinho de 70 anos, esquentado e rabugento, viúvo recente, sem filhos, com problemas de insônia e de solidão, e que mora em uma cidade do interior onde nada de anormal acontece. Provavelmente uma história assim não seria do interesse de muitos leitores, principalmente dos entusiastas do gênero de ficção e de terror. Não seria se o autor não fosse o aclamado mestre universal do terror, Stephen King.
King consegue transformar um idoso, com virtudes e defeitos próprios, não somente no ator principal desta aventura fantástica, como também no herói que todos gostaríamos de ser. Nem que seja aos 70 anos de idade.
“A velhice é uma ilha cercada de morte”. Assim, começa a história de Ralph Roberts que, após a perda de sua esposa para o câncer, passa a ter suas noites de sono gradativamente diminuídas. Apesar dos métodos recomendados por especialistas e das receitas caseiras de conhecidos (todo mundo parece saber alguma!), ele se vê fadado a passar o resto de suas noites em claro e de seus dias em um estado permanente de esgotamento. O pior é que ele começa a ter visões de hiper-realidade, onde passa a enxergar auras multicoloridas em pessoas, animais, plantas e objetos. Estas auras modificam de forma e cor conforme as preocupações, sentimentos e a saúde da pessoa observada naquele momento.
Ralph também passa a conhecer personagens visíveis somente quando está na hiper-realidade, alguns sendo bons, outros maus. Quando descobre que estes estão diretamente relacionados a algumas mortes em sua vizinhança, bem como na mudança radical do temperamento de seu vizinho, Ralph é forçado a decidir se participa ou não em uma luta superior entre as forças do Desígnio e do Acaso. Apesar de não saber a princípio qual é o seu papel neste jogo, ele descobre que passou a ter estranhos poderes e que não está absolutamente sozinho nesta batalha.
Frases como “Cada coisa que faço, faço-a depressa para poder fazer mais outra”, “O que está feito não pode ser desfeito” e “É longa a viagem de volta ao paraíso” vão tomando uma proporção diferente a cada capítulo. A trama é muito bem elaborada e nos faz repensar sobre assuntos diversos que costumamos ouvir sendo debatidos rotineiramente.
Será que o direto de escolha ao aborto é melhor do que o direito à vida de quem ainda não tem escolha? Até que ponto você está inclinado a defender uma causa? E se descobrisse que fora manipulado por outros que querem um objetivo totalmente diferente do que lhe foi repassado? Devemos interferir em casos de violência doméstica? Qual é o limite entre a sanidade e a loucura? Que tipo de sacrifícios em prol de quem você ama está disposto a fazer?
A velhice não é o fim, mas um recomeço. A solidão de perder gradualmente os entes queridos à medida que os anos vão passando, bem como o preconceito por pertencer a uma classe relegada a viver apartada para não atrapalhar a vida dos mais novos podem (e devem) ser superados. As alegrias da velhice ainda são perceptíveis no companheirismo, no amor, no xadrez com os amigos, no carteado das comadres, no bate-papo com os vizinhos, nas caminhadas pela cidade. O verdadeiro amor ultrapassa os limites da morte.
Mas a grande questão na história que King nos apresenta é outra: Será que temos livre-arbítrio para decidirmos nossos destinos ou a nossa vida já está programada desde o início até o fim? Será que todas as nossas escolhas, se não cumprirem a um desígnio menor, não estão obedecendo a um desígnio maior? O acaso pode intervir em nossa vida, ou o acaso também faz parte do desígnio? Bem, para responder a pelo menos algumas destas perguntas, experimente ler Insônia, e descubra se isto estava escrito no seu destino ou se foi simplesmente acaso.