No lugar de Artur da Távola
E de repente, um Artur da Távola. Como explicar um Artur da Távola? Essa pergunta só não ocorre a mais gente porque não são muitos os que conhecem o Artur da Távola. Entre outras coisas, ele foi cronista. E escreveu textos que não se assemelham a praticamente nada do que já foi feito no gênero – no máximo, encontro algumas similaridades com o Henrique Pongetti: o texto culto, irrepreensível, elegante, a temática complexa, a abordagem nem sempre simples, a originalidade de pensamento. Não é o tipo de texto despretensioso que costuma se atribuir à crônica. Verdade que estão lá os episódios prosaicos do cotidiano, mas sempre gerando mergulhos psicológicos, praticamente filosóficos – agradáveis e acessíveis, exigindo no máximo uma pequena diminuição no ritmo da leitura.
Mas a diferença principal entre Artur da Távola e os outros cronistas não está na forma, mas no conteúdo mesmo. É uma visão de mundo bastante original, cheia de achados existenciais, verdades insuspeitas para nós, que vivemos em uma correria tão grande que sequer temos condições de analisar as verdadeiras razões daquilo que nos sucede. Pois Artur da Távola parou, saiu dessa correria, adotou um outro ritmo e resolveu simplesmente pensar. Fazendo isso, ofereceu a nós algumas das reflexões mais interessantes que o gênero da crônica já abrigou, esmiuçando motivações em nossas relações sociais, amorosas, políticas, espirituais. Muitas delas nos agridem com a força de uma nova verdade – coisas que nos custam admitir, e que não saberíamos como negar sem sermos cínicos.
As conclusões a que essas reflexões levam, no entanto, apontam para o relativismo – essencial para se chegar à verdade, e ao mesmo tempo sua maior negação. Artur da Távola não entende, por exemplo, como uma pessoa pode torcer a vida inteira pelo mesmo time de futebol, pois acha que ela desperdiça emoções e alegrias que poderia ter nas vitórias de outros times. É um homem incapaz de reformar o jardim, porque sempre acreditará na razão das lesmas, das vespas, dos matinhos e das ervas não estéticas. Vendo a impossibilidade de se chegar a uma verdade absoluta, o relativista passa a aceitar todas – e, por ser assim, se afasta da verdade possível. Parcelas do conhecimento só seriam acessíveis através da intuição, da fé ou da revelação – aparentemente individuais.
Artur da Távola também gosta de brincar com as palavras, ir ao fundo nas suas etimologias, misturá-las e criar significados outros. E faz isso enquanto discute sentimentos, relacionamentos, carências, expectativas, mudanças, políticas, tragédias, sonhos, esperanças. Artur da Távola estava realmente muitos anos à frente do seu tempo, mesmo que dele discordemos aqui e ali – certamente ele levaria em conta as nossas razões, e seria uma das pessoas mais agradáveis para se discutir algum assunto. Uma resenha sobre algum livro seu deve fatalmente ir além do gosto e das opiniões de quem a faz: é preciso reconhecer a importância daquilo que foi escrito por ele.
E esta resenha em especial foi feita após a leitura de “Cada um no seu lugar”, mas imagino que poderia se referir também a “Alguém que já não fui”, e aos demais que ainda não li. Imagino que todos eles tenham as mesmas revelações e que evoquem a mesma paz. Um bom sujeito, o Artur da Távola. É realmente uma pena que sua cultura esteja impedindo uma popularidade como a de Clarice Lispector ou Caio Fernando Abreu nas redes sociais.