Resenha do Livro: COUTO, Souza Edilece. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador (1860-1940). Salvador: EDUFBA, 2010. 227 p.

Edilece Souza Couto possui graduação em Estudos Sociais - História pela Universidade Estadual de Santa Cruz (1994), Mestrado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998) e doutorado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2004). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Medieval e História Religiosa. Pesquisa principalmente os seguintes temas: festas religiosas, devoções, catolicismo e religiosidade.

O livro Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador (1860-1940) - que foi apresentado originalmente como tese de doutorado - está organizado em cinco capítulos onde a autora expõe seu tema para estudo: análise das festas em homenagem as três santas católicas: Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador, procurando problematizar as transformações ocorridas nestas festas entre 1860 e 1940.

No primeiro capítulo, a autora fez uma contextualização de Salvador destacando os aspectos físicos, econômicos e culturais da cidade no período colonial e as tentativas de modernização que se iniciam no período republicano. Descrevendo o cenário onde as três festas mencionadas acontecem: Cidade Baixa, Pelourinho, Baixa dos Sapateiros e Rio Vermelho.

No segundo capítulo, a autora analisa o papel da Igreja Católica no Brasil destacando a importância das irmandades como divulgadoras das festas e devoções em homenagem aos santos. Estas associações eram os principais atuantes do catolicismo popular, ela analisou os conceitos de religião oficial e religiosidade popular, refletindo sobre os conflitos entre o clero e os leigos. Por isso, ela identifica as principais mudanças ocorridas na vivência religiosa dos católicos no século XIX traçando considerações sobre a romanização que permeou o catolicismo brasileiro.

Este catolicismo buscava uma renovação onde o clero comandava, este era a principal meta dos reformadores. Contudo, para este liturgia oficial prevalecer era necessário promover uma mudança significativa na própria moral dos sacerdotes da igreja, e em seguida, por tentar transformar os costumes religiosos dos leigos. A autora nos mostra as tentativas dessa reforma interna da igreja que consistia na formação dos próprios padres em seminários e em atividades das novas ordens religiosas que chegaram ao Brasil com propósito de promover transformações na religiosidade popular, trocando os festejos tradicionais por novas devoções.

No terceiro capítulo, a autora preocupa-se em caracterizar o culto a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’ Ana. Identificando assim, semelhanças e diferenças entre a Virgem Maria e sua Mãe Sant’Ana, e como os baianos às relacionavam com as diferentes figuras da devoção popular. Por acompanhar a evolução das três festas, destacando as origens, os principais organizadores e participantes se pode perceber as ligações que estas festas tinham com as irmandades e as categorias profissionais.

No quarto capítulo, ela se dedica ao culto aos Orixás, pois estas três festas Católicas que são pesquisadas, são repletas de elementos do Candomblé, já que Santa Bárbara, a nossa senhora da Conceição e Sant’ Ana foram sincretizadas como Iansã, Iemanjá e Nanã (respectivamente) pelo Candomblé. Com isso, a autora distingue o culto a esses três Orixás compreendendo a inclusão de elementos do culto afro-brasileiro nas homenagens aos santos, por isso foi exposto como se dão os rituais e as festas realizadas em terreiros.

Por fim, no quinto capítulo, Couto, analisa as festas religiosas populares de Salvador sob dois aspectos relacionados à carnavalização e as formas de controle e tolerância da Igreja Católica. Dando ênfase às manifestações profanas - fogos de artificio, banquetes, leilões, jogos, sambas de roda, capoeira, bandos de mascarados e anunciadores - com os elementos da carnavalização das festas Católicas - concurso de beleza, banhos de mar com fantasias, desfile de carros alegórico, batalhas de confete e lança perfumes. Enquanto o povo brincava nos festejos, os três agentes reformadores - o clero, as autoridades civis e a elite - tentavam reformar as homenagens aos santos para enquadra-las a ortodoxia, por combater seus excessos e “purificá-las” de outras crenças religiosas.

Fazendo um diálogo com a Nova História que se diferencia da tradicional, ela esta preocupada em analisar as estruturas que podem vir de baixo e de outros ângulos possíveis, aceitando assim, quaisquer espécies de documentos, preocupando-se com os movimentos sociais e suas tendências. Justamente pensando nisso, a autora usou a História Cultural (que entrou em uso no final da década de 1980 como fruto da Nova História), pois, esta é uma espécie de resposta ao desafio que a expansão do domínio cultural contempla.

Para analisar as três festas citadas, falando de suas singularidades e semelhanças, a autora usa os métodos decorrentes da História Cultural, que estão ligadas a reorientação da postura do historiador a partir dos conceitos de representação, imaginário, narrativa, ficção e sensibilidades. Renovando assim as correntes da história e dos campos de pesquisa, multiplicando seus abjetos, bem como as fontes. O que era considerável imutável passou a ser encarado como uma construção social sujeita a variações, tanto no tempo como no espaço, por meio da análise dessas estruturas culturais, os historiadores desta geração estão preocupados com as opiniões das pessoas comuns e sua experiência ocasionada na mudança social.

A autora consegue identificar neste período escolhido (de 1860-1940) mudanças políticas, arquitetônicas e socioeconômicas na historia de Salvador, as elites deste período promoviam estas mudanças, pois queriam se “livrar” do passado colonial com suas características escravistas e de cultura açucareira, era preciso trazer o “progresso, a modernização e a civilização para o povo baiano”.

Pensando nisso, o objetivo da pesquisa era perceber como o clero reformador combatia as aparências que caracterizavam o culto católico, suas procissões e as festas que eram repletas de elementos carnavalescos. Além de querer “limpar” as homenagens aos santos eliminando as peculiaridades de outras crenças, tais como a dos cultos africanos. Devido a isso, a autora chega às seguintes conclusões:

“ 1)Após o período estudado (1860-1940), as festas de Santa Bárbara e da Conceição da Praia, mesmo quando modificadas, permaneceram. A romanização do catolicismo não foi capaz de extinguir ou substituir os dois cultos tradicionais;

2) A festa de Sant’Ana deixou de ser realizada não apenas pela influência do clero, mas também pelas mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas em Salvador e no arrabalde do Rio Vermelho;

3) A homenagem a Sant’Ana foi substituída pela festa de Iemanjá;

4)A continuidade das festas religiosas populares se deve, em grande parte, à força do pluralismo religioso praticado pelos baianos, sobretudo os adeptos do candomblé. “

Com as leituras sobre estas três festas (Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana) a autora pôde entender que seria impossível não explorar os elementos do culto afro-brasileiro nas festas católicas, pois é visto a todo momento, a junção do catolicismo com o candomblé. Essa troca cultural esteve presente desde o período colonial e permaneceu até o final do século XIX. A conclusão da autora foi de perceber a “africanização dos costumes” católicos no final dos oitocentos e as primeiras décadas do século XX, sendo que este tempo de festas é tido como ”afro-católico”.

Referências

BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. 3 ed. São Paulo: Ed. da UNESP, 1991. 154 p

COUTO, Souza Edilece. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador (1860-1940). Salvador: EDUFBA, 2010. 227 p.

Resenha de livro: SILVA, Rogério Forastieri da. História da historiografia. Capítulos para uma história das histórias da historiografia. SP/Bauru: Edusc, 2001, 336p. Por Diogo da Silva Roiz. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.21, p. 227 – 229,mar. 2006.