São Bernardo - Graciliano Ramos

Resumo da obra:

Paulo Honório, sem conhecer pai nem mãe, tinha como referência da infância um cego que lhe batia e uma velha, D. Margarida, que vendia doce.

Segundo o narrador, até os dezoito anos, trabalhou na enxada ganhando cinco tostões por dia, e seu primeiro ato digno de referência, foi ter beliscado uma moça chamada Germana, que no final, “enxeriu-se” com João Fagundes. Por ciúme, ele esfaqueou João Fagundes, e o delegado da freguesia o prendeu por quase quatro anos, e na cadeia, através da bíblia, aprendeu um pouco de leitura com Joaquim Sapateiro.

Ao sair da cadeia, tirou o título de eleitor e só pensava em ganhar dinheiro. Tomou emprestado de um agita e chefe político, cem mil réis, a juro de cinco por cento ao mês, e cobrando juro de três e meio por cento, pagou a dívida e obteve duzentos mil réis. Daí em diante, não parou mais, e se preocupou apenas com aritmética, para que nunca fosse passado para trás.

Pelo sertão, Paulo Honório negociou muitas coisas, como redes, gado, imagens, rosários, miudezas, ganhando e perdendo, assinando “letras” e realizando transações comerciais conturbadas, até de armas engatilhadas.

Passou fome, sede, dormiu na areia dos rios secos. Foi enganado em uma venda de gado para um político, Dr. Sampaio, que mandou que Paulo fosse tocaiado e açoitado. Paulo contratou uns jagunços e sequestrou o Dr. Sampaio e exigiu trinta e seis contos e trezentos, que após ser pago pela família, fez Paulo sumir da região com Casimiro Lopes, jagunço que ele considerava, e foi morar em Viçosa, Alagoas, onde se encontra a Fazenda São Bernardo.

Na intenção de conseguir a propriedade São Bernardo, trabalhou para Salustiano Padilha, antigo dono, que morreu em seguida. Salustiano tinha um filho, Luís Padilha, a quem Paulo enganou, por se tratar de uma pessoa que bebia e jogava, e acabou por comprar dele a Fazenda São Bernardo a preço de banana.

A partir daí, envolvido com política, reconstruiu a casa, plantou algodão, mamona, construiu a serraria, o descaroçador, investiu em pomicultura e avicultura, adquiriu um rebanho bovino, e trabalhou muito, visando apenas o lucro e a ascensão.

Seu Mendonça, dono da fazenda Bom Sucesso que ficava ao lado de São Bernardo, já havia avançado suas cercas para dentro de São Bernardo, alegando que as terras estavam medidas erroneamente. Não tardou para que Paulo Honório se fizesse de seu amigo, e após um tempo, estranhamente o velho Mendonça foi morto em uma tocaia, deixando duas filhas sozinhas.

Seus inimigos políticos eram do partido contrário, “os Fidélis”, e também o diretor do Jornal de oposição, o Costa Brito, com quem teve muitos problemas.

Seus amigos mais próximos eram:

Padilha, que perdera a Fazenda para Paulo, por causa das dívidas. Acabou por ficar em São Bernardo, à frente da escola que fora aberta por Paulo; Seu Ribeiro, senhor de idade, que saiu de Viçosa e veio trabalhar em São Bernardo; Padre Silvestre, comunista envolvido em política; João Nogueira, advogado dos negócios de Paulo; Azevedo Gondim, redator e diretor do Jornal O Cruzeiro.

Na casa de outro amigo, o Juiz Dr. Magalhães, Paulo conheceu D. Glória e sua sobrinha Madalena. Sua intenção inicial era enamorar-se por Marcela, filha do Juiz, mas ao ver Madalena, uma professora pequena, loira, olhos claros, independente e de opinião própria, muito educada, seus olhos se voltaram para ela, e com a simples intenção de fazer um herdeiro para São Bernardo, convenceu-a a casar-se com ele, e tomar a frente na escola da Fazenda.

Seus empregados, considerados por Paulo como pessoas de pouco valor eram o Mestre Caetano, Marciano e Rosa, Maria das Dores, e outros que trabalhavam na fazenda, porém, considerados de menor valor ainda. Casimiro Lopes era admirado por Paulo Honório, como sendo um companheiro fiel, juntamente com o cachorro Tubarão, que viviam em volta da casa, dando segurança.

As atitudes de Madalena, solidária com os empregados, comprando-lhe roupas, dando-lhes presentes, cuidando dos doentes, fez Paulo suspeitar da sua fidelidade, e ele, após o nascimento do seu filho Enzo, começou a considerá-la comunista, subversiva e adúltera. Desconfiou dela com João Nogueira, com Ribeiro, e até com o Padre Silvestre.

Tornou-se amargo e se voltou contra ela, contra D. Glória, e viveu uma perturbação mental tão grande causada pelo ciúme, pela brutalidade, pelo egoísmo e pela avareza, que culminou com o provável suicídio de Madalena. Isto não fica muito claro, porque Paulo, ao chegar da Igreja onde supostamente esteve a interrogá-la sobre uma carta incompleta que encontrou, achando que se tratava de uma carta para o amante, encontrou-a caída no quarto e morta, em sua própria casa. Na verdade, era uma carta suicida, em que ela pedia para não maltratar Marciano, a quem ele já havia espancado algumas vezes, os empregados, e também a velha Margarida, a quem Paulo tinha mandado encontrar, e atualmente vivia em um casebre de palha, no fundo da fazenda.

O narrador finalmente se volta para o presente, após ter passado pelas reminiscências do seu enredo, agora sem esperança, com um filho que não conseguia amar. Seus amigos, que se debandaram por conta da Revolução de Outubro e que trouxe graves crises econômicas, não vinham mais lhe visitar. Agora só restava a saudade, o arrependimento por tudo que aconteceu, no entanto, segundo Paulo, se tivesse que voltar atrás, teria acontecido tudo igual, já que o homem Paulo Honório é hoje, o resultado do que plantou em todos estes anos. Contava com 50 anos, e não conseguia transpor para o papel sua idealizada biografia.

Temática:

Trata-se de mais uma obra regionalista de denúncia de miséria e violência do Nordeste e da realidade brasileira, como em os Sertões, de Euclides da Cunha, e Vidas Secas, do próprio autor. A obra incorpora este universo com originalidade, seguindo o próprio estilo de sua narrativa. É também um romance de denúncia social, em que paira a dúvida e o ciúme, com as características de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Paulo Honório e Madalena = Bentinho e Capitu. Paulo Honório, referindo-se ao filho, Enzo: “Não havia sinais meus e também os de outro homem”. Também traz a temática da “coisificação” das pessoas, influenciada pela nova ordem socioeconômica desta época, para os valores materiais.

É, no entanto, ao contrário da obra Realista, uma obra modernista, que expressa, inclusive, algumas concepções do Determinismo, quando o próprio narrador afirma que, se pudesse voltar ao passado, tudo teria acontecido exatamente como aconteceu, atribuindo ao meio, o seu modo de ser bruto, egoísta, e por considerar quase todos à sua volta, pessoas de menor valor humano. Há em São Bernardo uma relação entre o homem e o meio, da tendência naturalista: “A culpa foi minha, ou antes a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.”

Remete ao advento da modernidade, e à Revolução de 30, contrapondo o novo e o velho regime. A modernidade trouxe muitas perdas a São Bernardo, em função da fuga de muitos do campo, mas Paulo Honório, perdido em seu desânimo, não se coloca nem contra nem a favor da Revolução.

Traz desta fase, a ideia de um romance mais amadurecido, com interesse pela vida cotidiana, com uma linguagem mais direta, simples e brasileira, enfocando a realidade: as secas, a migração, a miséria e a ignorância, com sondagem do mundo interior, em perspectiva psicológica.

Baleia é uma personagem canina, que acompanha os retirantes em “Vidas Secas”, mostrando-lhes o caminho a seguirem, como a desbravar um mar sertanejo. Representa a figura feminina que cuida da prole, protegendo-os dos desafios do “mar”. O autor, na mesma temática da seca, traz Tubarão, um cão fiel de Paulo Honório, que cuida da fazenda São Bernardo, e representa o poder dos tubarões, que são predadores. Os dois personagens caninos trazem este paradoxo: são seres da terra, com nomes de espécies marítimas, das águas, contrários ao ambiente de secas do Nordeste. Ao contrário de Tubarão, que tem o que comer, na Fazenda São Bernardo, Baleia acaba morrendo, e representa o destino de todos que passam fome e miséria.

Características de São Bernardo: Foco narrativo, tempo e espaço.

O Foco narrativo é o do narrador-personagem protagonista, que narra os fatos como os percebe ou lembra, como em Grande Sertão: Vereda de Guimarães Rosa e Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

É uma narrativa que traz em tom de confissão, o retrato de Paulo Honório, um fazendeiro inculto e embrutecido, amargo, solitário, que aos 50 anos e com a vida estagnada, resolve escrever sua autobiografia na fazenda São Bernardo, que dá nome à obra e é o próprio espaço da narrativa no presente. Quando se remete ao passado, em suas lembranças, o narrador-personagem vai modificando os espaços, de acordo com sua trajetória até aquele momento.

A narrativa não traz um retrato favorável de si, mas tenta repassar e entender a própria vida do narrador, em sua busca pelo sentido de uma existência frustrada, vazia, após o suicídio de sua jovem esposa.

O narrador-personagem, inculto, traz perspectivas pouco verossímeis, porque como tinha uma consciência limitada e angustiada, que buscava compreender os seus erros em vão, não corresponde à escrita culta de Graciliano Ramos. A incoerência ocorre por se tratar de um romance bem escrito, produzido por um semi-analfabeto.

São Bernardo é uma obra com narrativa em 1ª pessoa, em que o narrador é o protagonista. A História em si e os fatos narrados ocorrem no passado, mas a enunciação, o ato de narrar acontece no presente, após os fatos ocorridos, em que Paulo Honório tenta escrever sua autobiografia, assombrado, desiludido, amargurado com o rumo que deu à sua própria vida. Neste momento, o narrador se distancia brevemente do personagem, para começar a narrar os fatos. E também, em alguns momentos, em meio à perturbação psicológica do narrador, o tempo passado e presente se misturam.

Sobre o autor:

Graciliano Ramos de Oliveira nasceu em Quebrangulo, Alagoas, 27 de outubro de 1892 e morreu em 20 de março de 1952, no Rio de Janeiro. Foi um romancista, cronista, contista, jornalista, político e memorialista brasileiro do século XX.

Sua obra mais conhecida é “Vidas Secas”, de 1938. Publicou “Angústia”, em 1936, considerada por alguns críticos, sua maior obra, “Caetés”, em 1933, “Infância”, em 1945, dentre outras. Viveu no Nordeste por muitos anos, onde exerceu cargos políticos, trabalhou em jornais e foi professor, e mudou-se mais tarde para o Rio de Janeiro. São Bernardo, publicada em 1934, pertence ao Movimento Modernista, segunda fase.

Antonio Marques de O Santos
Enviado por Antonio Marques de O Santos em 21/02/2013
Reeditado em 28/11/2013
Código do texto: T4151509
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.