Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis
Resumo da obra:
O narrador é Brás Cubas, um defunto autor, que conta suas memórias do além-túmulo. A tônica do livro é a ironia, que já começa na dedicatória em forma de epitáfio: “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.
Começa com a narrativa de sua morte, aos 64 anos, vítima de uma pneumonia, que começou pela sua ideia fixa em criar o emplasto Brás Cubas que lhe traria a glória que nunca tivera e o eternizaria.
Poucas pessoas no enterro, e uma delas era Virgília, a quem se refere vagamente, prometendo contar sua participação nos capítulos posteriores.
São capítulos curtos, com interpelações e citações, portanto, com pouca ação e muitas surpresas. As digressões ou interrupções do fluxo narrativo, que tendem a levar para assuntos desvinculados do tema inicial, mas ainda mantendo alguma analogia que só pode ser percebida pela atenção do leitor, seguem um tempo não linear, não cronológico, que reconstroem a memória.
Ele retoma a ordem cronológica dos acontecimentos, quando relata a infância e a primeira paixão da adolescência, aos 17 anos, pela cortesã Marcela, a quem, de tanto presentear, causa a irritação de seu pai que lhe manda para estudar em Coimbra, Portugal.
Na volta, namora Eugênia, a coxa, filha de uma amiga pobre da família, enquanto seu pai procura arranjar um casamento de interesse, comum na sociedade da época. O interesse era por Virgília, a filha de um político, o Conselheiro Dutra, que talvez ajudasse Brás a ingressar na política, mas ela se casa com um político, Lobo Neves, e torna-se amante de Brás. Eles se encontram na casa habitada por dona Plácida, logo após a morte do pai de Brás. Virgília engravida de Brás, mas perde o filho.
Há um litígio entre Brás e sua irmã Sabina pela herança de seu pai, no tempo em que ele reencontra Quincas Borba, amigo de infância que lhe apresenta uma doutrina filosófica chamada de Humanitismo.
Virgília viaja para o Norte com seu marido, e terminando então o romance, Brás namora a sobrinha do cunhado Cotrim, Eulália, mas a garota morre aos 19 anos antes do casamento.
Brás tornou-se deputado, mas fracassou na tentativa de ser ministro de Estado. Período em que fundou um jornal de oposição. Procurado por Virgília, já idosa, ampara dona Plácida à beira da morte.
O período de perdas e decepções compreende os episódios da morte de Marcela, de Quincas Borba, já tomado pela loucura e de Lobo Neves. E Eugênia é reencontrada em um cortiço. A ironia está no fato do autor colocar a defesa de uma doutrina de valorização da vida justamente no encargo de um mendigo que morre completamente louco, Quincas Borba. Convém, então, a Brás, que o humanitismo venha justificar sua existência vazia, dando-lhe um sentido, mas com a morte de Quincas Borba, ele retorna à vacuidade de sua existência, e a perseguição inútil da felicidade.
Vive seu primeiro momento de introspecção e reflexão sobre a questão da morte com a morte de sua mãe; retoma a ideia da passagem do tempo quando reencontra com Marcela, e cria a teoria das edições da vida: “pois sabei que, naquele tempo, estava eu na quarta edição, revista e emendada, mas ainda inçada de descuidos e barbarismos (...).
Ele busca na fase madura as compensações pela vida sem realizações e sem filhos, ainda tentando perpetuar seu nome.
Características de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Por se tratar de um defunto autor, dotado de cinismo, sem rostos apenas máscaras, cria-se um distanciamento necessário para oferecer um retrato da sociedade. O leitor sempre se desconfia do enredo, e não se envolve.
A teoria do mendigo é uma caricatura que Machado faz do positivismo e do evolucionismo, que eram teorias em voga na época que atribuíam sentido de evolução mesmo às fatalidades da vida.
É uma obra do realismo psicológico, em uma sociedade escravocrata do século XIX, com uma abordagem profunda da individualidade e do caráter dos personagens.
Brás Cubas, arrogante e entediado, tem sonhos de glória, e morre por causa de uma pneumonia. Trata-se de um paradoxo, pois sua morte advém de uma ideia útil e grandiosa, o emplasto anti-hipocondríaco, que lhe daria a fama tão desejada.
O sarcasmo da obra é bem explícito no capítulo do delírio, logo após a visita da ex-amante Virgília e do filho dela. Capítulo com visão pessimista que norteia a obra. Na confusão dos séculos, e na luta pela sobrevivência, o egoísmo vence. A existência é algo que se resume em devorar e ser devorado, resultando no “nada”, que concebe a melancolia, que a pena da galhofa transforma em ironia. É um estatuto de miséria e fracasso: “rabugens de pessimismo”.
Morre aos 64 anos, e decide contar sua vida em detalhes, sem muita sistematização, já que está excitado ainda pela experiência da morte. A narrativa segue a lógica do pensamento, e essas reflexões do personagem, e como elas se encadeiam, dão caráter inovador à obra.
O narrador é o personagem central, mas com uma perspectiva deslocada, porque ele é um defunto que narra a própria vida do fim para o começo, com franqueza: “Falo sem temer mais nada”. O personagem esférico, ou seja, de grande densidade psicológica, conta as próprias mudanças.
Traços da personalidade de Brás Cubas:
Hipócrita, sem objetivos e muito contraditório; Alguém disposto a desmascarar a hipocrisia e a vaidade dos outros e de si mesmo; Franqueza sustentada pela condição de morto; Imparcial, irreverente, agressivo, narcisista, sarcástico e provocador, egocêntrico; Burguês da segunda metade do século XIX, que reflete o homem que não conquista realizações efetivas; Criança abastada e protegida, adulto leviano que busca tirar vantagens das situações, como quando descreve a formação universitária: “Não digo que a Universidade (...) – embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e política para as despesas da conversação; estudante medíocre.
Nesta obra, Machado de Assis inova a temática, a estrutura e a linguagem:
Temática: A complexidade do indivíduo, à luz do realismo; o desmascaramento da corrupção através de um jogo de influências; personagens submetidos às leis do interesse: dinheiro, posição social, um cargo político; Renúncia às relações de amizade, aos vínculos familiares de amor e respeito; a vitória da aparência sobre a essência.
Estrutura: Sequência determinada pelas reflexões do personagem e não pela cronologia dos fatos.
Linguagem: Uso da metalinguagem, ou seja, o leitor é convidado a refletir sobre a estrutura e perceber dois níveis de leitura: a que revela diretamente o personagem e a que o faz objeto de crítica do autor. Procura adequar a forma ao conteúdo, pois desconfia da possibilidade de articulação perfeita entre o texto e a realidade. Questionamento da forma tradicional de expressão, que segundo Machado, não levava ao leitor os sentimentos dos personagens; ironias, digressões.