O que é Ideologia- Marilena Chauí

CHAUI, Marilena. O que é Ideologia. 2 ed. São Paulo:Brasiliense,2004.

Resenhado por Bibiana Anjos Rezende

Marilena Chaui é professora de História da Filosofia e de Filosofia Política da Universidade de São Paulo e presidente da Associacão de Estudos Filosóficos do Século XVII. Além disso, é colaboradora em revistas acadêmicas brasileiras e estrangeiras e escreve também para jornais brasileiros de grande circulação. A renomada autora nos presenteia com uma obra magnífica, O que é Ideologia, que expõe de forma precisa a concepção que grandes pensadores como Aristóteles, Augusto Comte, Karl Marx e Emile Durkheim possuíam sobre o tema. Ela explica ainda a origem, os fins, os mecanismos e os efeitos históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais da ideologia. Materialmente, a obra se compõe de cinco capítulos, sendo o quarto o mais fecundo de todos.

Aristóteles é o primeiro dentre os demais filósofos a ser discorridos. Segundo a autora, Aristóteles apresenta a teoria das quatro causas. As causas são responsáveis por todos os aspectos de um ser. As causas são: a material, a formal, a motriz e a final. Estas causas servem para explicar a permanência ou a mudança. Elas obedecem a uma ordem hierárquica, indo da causa inferior à causa superior. As inferiores: as causas eficiente e a material referem-se ao fabricar humano ou natural; já as causas: formal e finalidade referem-se a finalidade da existência de alguma coisa. Enfim, a ideologia subjacente que perdurou durante séculos foi a seguinte: a causa motriz ou eficiente correspondia ao escravo ou o servo e a formal e a finalidade correspondia ao senhor, ou seja a dialética do opressor e do oprimido.

Posteriormente, Marilena aborda a visão de Augusto Comte, o qual que ampliou o conceito de ideologia. De acordo com a concepção positivista, a humanidade passa por três fases sucessivas: a fase fetichista ou teológica, na qual os homens explicam a realidade através de ações divinas; a fase metafísica, na qual os homens explicam a realidade por meio de princípios gerais e abstratos; e a fase positiva ou científica, na qual os homens observam efetivamente a realidade, analisam os fatos, encontram as leis gerais e necessárias e elaboram uma ciência que serve de fundamento positivo ou científico para a ação individual e para a ação política.

Ainda ressaltando Comte, cabe destacar que para o pai do Positivismo, o lema “ordem e progresso” é fundamental, uma vez que, só há progresso onde houver “ordem”, e só há “ordem” onde a prática estiver subordinada à teoria, isto é, ao conhecimento científico da realidade. Portanto, quem possui o saber possui o poder.

Dentre os referidos filósofos, Karl Marx merece uma maior diligência na ressalva, haja vista que a autora Marilena Chaui dedica a maior parte de sua obra para citá-lo. Marx foi veemente influenciado pela dialética Hegeliana, a qual possui como expoente o espírito subjetivo que é o de cada indivíduo, e o espírito objetivo que é a manifestação da idéia na história: sua expressão máxima é constituída pelo estado, que realiza a razão universal humana, síntese do espírito subjetivo e do objetivo no espírito absoluto. Este alcança o máximo do conhecimento de si mesmo, de maneira cada vez mais perfeita, na arte, na religião e na filosofia. Assim, a dialética se converte na manifestação da mudança contínua da realidade e do vir-a-ser do espírito absoluto.

Para Marx o materialismo dialético não se traduz apenas no âmbito das idéias ou dos conceitos, mas é um instrumento que permite a compreensão adequada dos fenômenos históricos, sociais e econômicos reais. Ele entende a contradição como mola do processo histórico, tensão que o propulsiona e o faz progredir, em constante mudança e transição. As condições históricas e sociais reais colocadas por Hegel, para Marx chama-se luta de classes. A matéria para ele é a matéria social, isto é, as relações sociais entendidas como relações de produção, ou seja, como o modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições materiais de existência e o modo como pensam e interpretam essas relações.

O núcleo do pensamento de Marx encontra-se na idéia de que o trabalho alienado é aquele no qual o produtor não se pode reconhecer no produto de seu trabalho porque as condições desse trabalho, suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador, mas do proprietário das condições do trabalho. O fato de o produtor não se reconhecer no seu próprio produto, não o ver como resultado de seu trabalho, faz com que o produto surja como um poder separado do produtor e como um poder que o domina e ameaça.

Como efeito, o trabalhador passa a ser uma coisa denominada forca de trabalho, que recebe uma outra coisa chamado salário. O produto trabalho passa a ser uma coisa chamada mercadoria, que possui uma outra coisa, isto é, um preço. O proprietário das condições de trabalho e dos produtos do trabalho passa a ser uma coisa chamada capital, que possui uma outra coisa, a capacidade de ter lucros. Desaparecem os seres humanos, ou melhor, eles existem sob a forma de coisas.

O Estado é para Marx a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade, a classe dos proprietários ganham a aparência de interesses de toda a sociedade. Ele é a preservação dos interesses particulares da classe que domina a sociedade. Ele exprime na esfera da política as relações de exploração que existem na esfera econômica. O Estado é, segundo Marx a expressão política da sociedade civil enquanto dividida em classes. Enfim, ele aparece como um poder desligado dos homens, como um poder cuja origem e finalidade permanecem secretos e que dirige os homens.

Em se tratando da relação entre alienação e ideologia Marilena Chaui cita Marx e Engels, os quais asseveram que a ideologia não é um processo subjetivo consciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos. A partir, do momento em que a relação do indivíduo com sua classe é a da submissão a condições de vida e de trabalho pré-fixadas, essa submissão faz com que cada indivíduo não possa se reconhecer como fazedor de sua própria classe. Os indivíduos não podem perceber que a realidade da classe decorre da atividade de seus membros. Pelo contrário, a classe aparece como uma coisa em si e por si da qual o indivíduo se converte numa parte, quer queira, quer não. A classe começa, então, a ser representada pelos indivíduos como algo natural, como um fato bruto que os domina, como uma coisa que vivem.

Tendo atingido plenamente o seu objetivo, Marilena Chaui conclui que a ideologia é uma forma de legitimar a dominação da classe dominante, pois os escravos, os servos, os negros, os camponeses, os trabalhadores vencidos, aparecem na história sob a ótica dos vencedores. A grandeza dos dominantes depende sempre da exploração e dominação dos pequenos. Assim, a ideologia pode manter a sua hegemonia de que não são sujeitos da história, mas apenas seus pacientes. Por isso é necessário, segundo a autora uma prática política diferenciada, ou uma crítica da ideologia em que as lacunas e os silêncios do pensamento e discurso ideológicos digam o que está implícito a fim de desfazer a exploração econômica, a desigualdade social, a dominação política e a exclusão cultural.

A obra é sólida na abordagem do tema proposto e no tratamento dado ás questões concernentes ao papel da ideologia que vem funcionando como elemento articulador dos poderosos e dominadores ao longo dos séculos. Apresentando um enfoque consistente e esclarecedor que delineia o percurso das ideologias subjacentes desde os tempos mais remotos até a atualidade, apresenta um amplo panorama que articula o fundo sócio-histórico, os principais pensadores, vinculando-os também, constantemente, a nossa realidade. Ela revela o implícito e permite que os alunos e estudiosos do tema se aprofundem ainda mais nas questões pertinentes ao tema.

Ana Bibi
Enviado por Ana Bibi em 13/02/2013
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