toda esperança
toda esperança,
que,
por ventura,
tenhamos agora,
seja eterna.
 
toda graça, de que se rir ou de que se levantar as mãos
em bênção, seja eterna, —
irrefutàvelmente,
toda inteira
eterna.
 
mas mais do que isso:
a canção,
seja eterna. eternamente eterna.
 
o sorriso na criança
e a
tristura,

quando boa, seja eterna.
 
e que
haja ela dentro de mim. que haja-me
a grandeza
da eternidade, sem lisonjas; (...)
 
seja eterna a
bendição da chuva. seja eterna a feição
do sol, —
mesmo que por um instante apenas
seja irrelutantemente deveras
eterna
 
que a verdade não seja posta como à mesa a irrefeição;
seja
fome, seja eterna.
 

 
     Comentário do Jô:

bendição (termo antigo, em desuso) – bênção. Cf. bendiçoar e bendito.

irrefeição – neologismo do André. A rigor, esse "irrefeição" só tumultua: o verso já continha elementos de beleza suficientes sem ele, ou melhor: com "refeição". Senão vejamos (modificando):
"que a verdade não seja posta como à mesa [é posta] a refeição; seja fome, seja eterna."

por ventura - aí cabem tanto por ventura como porventura. Esse por ventura do André ficou ótimo: “por felicidade”, “por sorte”. 
     Caso, todavia, ele empregasse porventura, também ficaria correto: porventura = por acaso, por casualidade, talvez.

tristura – tristeza (ausência de alegria, aflição, abatimento).


 
                               *** *** ***
  
                     
          poema comum
é tudo desnecessàriamente
imenso
e sutil
 
ah, vida curta,
ah, tempo
tão passageiro demais!
 
queria eu prosseguir como este dia banal,
lìvidamente
tolo
e ignorante de que a vida é outra
coisa. 



     Comentário do Jô:
     
O embelezamento do texto passa por esse "tão" e esse "demais", bem oportunos. Seu emprego aponta para uma figura de linguagem: a reiteração.
"Quando se repete uma ideia, quer por meio de um sinônimo ou expressão sinônima, quer por meio de uma palavra cujo significado esteja associado ao da primeira palavra ou expressão." (Afrânio Garcia/UERJ) 


     Vejam que não se trata de uma redundância, essa sim um defeito, como doutrina José de Nicola:
“A redundância consiste na repetição desnecessária de um termo ou de uma ideia:
     subir para cima
     entrar para dentro
     decisão unânime de todos
     monopólio exclusivo.”


                             *** *** ***
                
          poema tardio
minha dor — se o poeta
— é não ter
dedicado na capa
o teu nome, ó dia, que jamais
saberei. 



     Comentário do Jô:
     
A expressão "se o poeta" não faz nenhum sentido ou falta no contexto. Voto pela sua exclusão. 

 
                             *** *** ***
     
               amor
assim, te ver do meu lado
é como ter ganho o dia,
não pela companhia, poderia ‘eu’ não estar.
mas a tua presença já não falta;
a tua ausência me existe;
o teu modo de eu estar irritado ou contente é teu:
já não sou eu senão com te ser,
assim,
duplicadamente,
como os olhos que não se distinguem
ao ver.
acho que é teu sorriso, —
ou seja o modo como te imagino por dentro,
na minha menção de te olhar
a todo momento,
— ou talvez seja o nosso dia-a-dia, na estrada,
em direção ao sol. (mas as mãos dadas. apertadas. e ternas.
bravas, rebeldes. mas as mãos sinceras,
dadas, em direção ao sol).
onde estaremos um dia é incerto.
mas espero que seja única a cruz —
no teu ombro e no meu.  
 
como um círculo de imagens, um cinema,
para frente e de volta
e girando,
flashes e insights
sem quaisquer filosofias tolas,
este poema é como se fosse um instante, como se fosse a vida,
não é um poema,
é visão;
(seria quem sabe uma declaração,
mas não se declara o que já é vida plena).

é como se fosse o tato das mãos, a lembrança equânime dos sentidos,
a memória metafísica inconsciente da minha volição;

é a pena terrena,
surrealismo embora sem asas,
devaneio,
loucura ou ambição.
é aquela inexpressável alegria,
estranha,
de que se inflama o coração quase sem imaginar por quê,
quase uma revolta sem espada ou pendão;
(é entrega abnegada de razão)...
mas, assim, te pensar eternamente ali, — próximo, comigo,
é como, de alguma forma, ter ganho a vida
outra vez  
depois de nascer.


                      
     Comentário do Jô:
     Há nos versos abaixo as seguintes figuras de linguagem:
1 - comparação - "como se fosse o tato das mãos"
2 - elipse: "[é como se fosse] a lembrança equânime dos 
                   sentidos"
3 - elipse: 
"[é como se fosse] a memória metafísica inconsciente
                  da minha volição
"


"Volição - sf  - Psicologia.  Processo pelo qual a pessoa adota uma linha de ação; atividade consciente que visa a um determinado fim manifestada por intenção e decisão. 2 Veleidade." (Dic. Michaelis)
 
"Volição - Psic. Capacidade em que se fundamenta a conduta consciente e que permite tomar decisões diante de motivações. Vontade." (Dic. Aulete)

                                     *&*&*


     Poema possuidor de um deslumbre incomum. O escritor não amontoa nem enfileira palavras aleatoriamente, como se brincasse com conchas do mar ou flores do campo; basta examinar melhor a "memória metafísica inconsciente" para perceber o trabalho secreto com as palavras, amalgamando-as, buscando-lhes o sentido maior...
     Outros exemplos de doação lírica, de um amor em mármore esculpido: 

          "onde estaremos um dia é incerto.
          mas espero que seja única a cruz —
          no teu ombro e no meu."

          "[este poema] é a pena terrena,
          surrealismo embora sem asas,
          devaneio,
          loucura ou ambição."

     Observando melhor, percebe-se a intertextualidade com um célebre soneto camoniano:

          Amor é um fogo que arde sem se ver, 
          é ferida que dói, e não se sente; 
          é um contentamento descontente, 
          é dor que desatina sem doer. 
          É um não querer mais que bem querer; 
          é um andar solitário entre a gente; 
          é nunca contentar se de contente; 
          é um cuidar que ganha em se perder. 
          É querer estar preso por vontade; 
          é servir a quem vence, o vencedor; 
          é ter com quem nos mata, lealdade. 
          Mas como causar pode seu favor 
          nos corações humanos amizade, 
          se tão contrário a si é o mesmo Amor?

          Fonte:
bibvirt@futuro.usp.br 



 
                        *** *** ***
                
                         eis

jamais sacrificaremos nossas almas
(ó espírito!) nem daremos a força do construto

antes que nossas mãos
estejam
em frêmito mortas.
 
estas, mesmo
mortos,
nossas gargantas seguirão com seu timbre,
exatamente ele, pela boca de nossas lápides,
pela rachadura de
nossas chãs,

para além de nossas manhãs, mas não deixaremos!
 
cremos na nossa imersão.

jamais sacrificaremo-nos
a nós.


     
Comentário do Jô:
     
mortos - não seria "mortas"?
     (é "mortos" mesmo, conforme e-mail do André)
     nossas chãs - em vez de "nossos chãos", o escritor preferiu "nossas chãs". Legítima escolha léxica.



                             *** *** ***
                
               o futuro
contanto,
fé: um’outra vez no fado,
no destino,
templo clássico de monoteísmo pagão;

conquanto,
não-religião:
fé.
 
o mundo são pedra
e deserto,
e todas as condições permissíveis mediante a pedra e o
deserto.
 
de qualquer forma, ainda transitam pessoas
à pé
pela rua.
 
o que mudou foi o desejo de haver novo dia

de novo; de tudo avançar. 


     Comentário do Jô:
     
Transitar já comunica a noção de "a pé", até porque se acham explícitos "pessoas" e "pela rua".
     E no verso seguinte, aparentemente, "de novo" configura uma redundância, uma expressão desnecessária; mas não. Em "novo dia", novo é adjetivo, e em "de novo" (novamente), locução adverbial de tempo. Prevaleceu a perícia do escritor.


 
                             *** *** ***

                  passagem
quando passares por mim,
se possível parar, nos demos as mãos.
 
se não for possível,
passemos.

 
contanto, um pelo outro,
nós,  
num ato sublime de inteligência e colaboração.


     Comentário do Jô:
     
Sugiro deletar de "contanto" até "colaboração", pois segue atravancando o poema, ao qual não pertence. Aliás, deletar não: conceder-lhe a dignidade de um sentido.

                        *** *** ***
 
                         eu

     como quem tivesse todas boas intenções
 
     tomba sobre mim o fardo dos atos meus 

     diàriamente, constante- 
     mente, 
     inevitàvelmente

     Comentário do Jô:
     

                               *** *** ***
 
                             o céu
     hoje, o céu é de uma contemplação inteira,
     visionário,
     talvez até ao
tumor
e à
     incomunicabilidade;
 

     Comentário do Jô:
     
Urge a extirpação desse "tumor", para restabelecer a saúde plena do texto... 


                             *** *** ***
                
               Indagações
 
     Comentário do Jô:
     O poema expõe, revela a faceta altruísta do autor. Sem qualquer autopromoção do tipo “vejam como sou bonzinho...”


                               *** *** ***
 
                         deus
são graças, bendições.
 
apenas o momento em que te desligaste do afazer,

em que te abandonaste...
 
diariamente
 
quero caminhar lento mas chegar certo. tomara que eu
errando
eu
acerte.
 
e nesse meu desconexo ponto-final de poema
eu te peço também ser eu
bendição,
graça, chuva para chover
e levar.



     Comentário do Jô:
     
"o afazer" - André se aventurou de novo, já que a grafia consensual nas gramáticas é "os afazeres". Aventura saudável.
Cf. Substantivos só usados no plural 



                           *** *** ***
                
          poema de ano novo

 
     Comentário do Jô:
     Texto mágico, cândido, sândalo só. S
edução delirante.
     

 
                      *** *** ***
                
               memória sobre a morte
eu espero que quando eu
morrer
ninguém procure razão,
 
quando
eu
morrer,
ainda e acima de tudo, que não se invente um andré
que
eu não fui, não o que eu
não vivera intensamente em
vida
 
melhor que deixem que eu flua naturalmente,
quietamente,
como
murcha e revive uma flor.
 
eu
estarei aqui ou acolá, qualquer lugar em que alguém me
lembrar.
mas
eu
já estou morto.
 
quando
eu
morrer
deixa-me
eu ir como eu bem vivi.


     Comentário do Jô:
     
Quantos "eus"! Como atrapalham!
     E o verso "como murcha e revive uma flor" deveria assumir a lógica das flores: "revive e murcha".



                             *** *** ***
               
                              convite
(sim, talvez eu
tenha querido demais deste dia
e por isso
eu
tenha também paralisado a possibilidade do amanhã.)
 
quando o sol nunca mais se pôr
nem nascer,

deixaremo-nos mais leves também à impenitência do tempo.
 
 
     Comentário do Jô:
     Essa impenitência parece-me a crueldade cósmica, a impassividade, a indiferença das horas perante nossos anseios por mais vida. Tempo imperial.

 
                             *** *** ***

      apêndice: o mais último poema
lê-me assim,
canção. quase que assim completamente,
como soasse o batuque às vezes e
a lira
por detrás da minha escrita,
da minha mão aflita contra o teclado frio,
em favor das publicações ligeiras da web
de poucos leitores e
parca valia,
lê-me não a mão corrida mas a brandura, leme; até aquilo que eu não soube ser.
aqui se deitam as minhas palavras para a febre de novo.
para a febre.
não serei gentil ao te fazer chorar. por favor, não o sintas como gentileza!
o quero abrupto e tumular, desesperador como à vontade imarcescível, como à raiva.
não desmembrarei minha voz da tua.
render-te-ei minha oferta
como a final. afinal: atenta! do nosso tempo, neste momento, este é o mais último poema!
 
a flor que te nasce na boca,
o ramo de espinho,
a dor que te crepita dos sonhos, noturnamente o suor, a dor, o amor;
tudo isso não é senão
uma última inter-
jeição,
canção. a flor que te brota na boca, feijão,
não é senão
tu,
agora,
pela última vez


 
          
     Comentário do Jô:
     Esse "mais" do título concedeu ao texto uma ênfase inusitada, positiva, válida. Um acréscimo peremptório, carregado de legítima certeza...


                            *** *** ***

            
telúreo canto (livro de esperanças)
                                     (clique)


              Fontes de consulta:
          Dicionário Aulete Digital. 
Lexicon Editora 
          Digital. SP, 2010.  

 
          
Dicionário de Português | Michaelis - UOL.
          Editora Melhoramentos Ltda., SP, 2009.


         Gramática da Língua Portuguesa, de Ulisses
         Infante & Pasquale Cipro Neto. 
2ª ed. Editora
         Scipione, SP, 2006.

         
Língua, Literatura & Redação (vol 1), de 
         José de Nicola. Páginas 266 a 269. 13ª edição.
         Editora Scipione, SP, 1999.

        telúreo canto (livro de esperanças), de
         André Boniatti. 78 páginas. Edição do Autor.
         Santa Catarina, 2012.

                                *** *** ***


           telúreo canto (Parte I e II):
         De 27/01 até hoje, fiz mais de 200 alterações.
        Total de horas empregadas: 37.
        Encerrando as leituras.
          
                                   Cabo Frio, 08 fev 2013.


Enviado por Jô do Recanto das Letras em 27/01/2013
Reeditado em 16/02/2013
Código do texto: T4108755
Classificação de conteúdo: seguro