GERMINAL (Emile Zola)

“A história dos perdedores”

“Na planície rasa, sob a noite sem estrelas, de uma escuridão e espessura de tinta, um homem caminhava sozinho pela estrada real que vai de Marchiennes a Montsou, dez quilômetros retos de calçamento cortando os campos de beterraba. (...) p. 9 (...) Agora, em pleno céu, o sol de abril brilhava em toda a sua glória, aquecendo a terra que germinava. Do flanco nutriz brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas verdes, os campos estremeciam como brotar da relva. (...)” p. 535 Parece emblemático que o romance Germinal, considerado a obra-prima do escritor francês Émile Zola (1840-1902), inicie suas tortuosas (e torturantes) linhas na descrição da chegada do jovem Etienne sob frio intenso e noite densa, enquanto que o fim da obra indique um campo florido, um sol benfazejo enquanto uma inebriante esperança acompanha os passos do mesmo Etienne em direção a Paris.

A obra, publicada em 1881, detalha as condições paupérrimas em que viviam (vivem) os mineiros franceses, oxalá do mundo todo. E traz em seu fim uma luz sinuosa e oscilante, carregando as tintas num possível triunfalismo do socialismo, que um século depois a vida real nos apresentaria como um grande blefe. Pergunta que não se cala: erro de quem? De Marx, que o preconizou; de Lênin, que o instaurou na prática; ou de Stalin, que o transformou em arma burocrática e fratricida?

Como Germinal é anterior a 1917, está livre do panfletarismo político que poderiam vaticinar sobre ele. E, também pelo fato de ter sido belamente escrito, vamos nos concentrar no enredo, rico e complexo para leitura sob qualquer aspecto técnico ou intelectual. Apesar dos múltiplos atores que a obra enuncia, são os Maheu que dominam o eixo principal, justamente porque representam a típica família que serve à afirmação de um capitalismo cada vez mais selvagem, que se afirmava com mais virulência na segunda parte de uma revolução industrial que chacoalhava o mundo, em expansão inconsequente, intermitente e inexata. Quer dizer, em avanço constante.

Os Maheu são mineiros, e assim (sobre)vivem no círculo que se perpetua: o avô, o pai, a mulher, os filhos (as filhas também!), todos já nascem com uma sina a cumprir, que perdurará enquanto for possível: escavar as artérias dentro da terra, sob calor e frio inclementes, extraindo o minério que alimentará os mesmos senhores, as mesmas famílias (e seus netos, pais e avôs). A jornada, iniciada por volta dos 9 ou 10 anos, avança vida afora, prosseguindo por trinta, quarenta, até cinqüenta anos (se sobreviverem), até que os reumatismos, as nevralgias, a tuberculose ou a pneumonia os consumam, um a um, a todos, numa herança maldita e inquebrantável.

Etienne, por circunstâncias improváveis, acaba por se tornar o líder que os conduz a uma greve geral que, em sua demora e consequente desmoronamento interior, acaba por levar os fracos à bancarrota (alguns à morte!); a incipiente e insípida classe média à pobreza; e a classe alta, paradoxalmente, à condições melhores ainda. Não há, assim, em todo Germinal, nenhuma esperança empírica. O porvir virá iluminado pela abstração do protagonista, não pelo fato.

Zola, amigo de Cézanne e defensor de Dreyfus, acaba por nos conduzir a uma situação que depois inauguraria o século XX, com a descrição detalhada da ambigüidade social revestindo o tecido político com tintas de cores confusas, e difusas. Germinal é, por conseqüência, um livro com as marcas de um tempo, mas de um tempo que se repete, indefinidamente, pelo menos até que uma nova ordem econômica seja instaurada.

Zola, Emile. Germinal. SP: Grua. 1ª ed. 1979, 535 p.