Carta ao pai (e a nós)
Max Brod hesitou por um tempo até publicar a carta de Franz Kafka ao seu querido pai. E fez bem: o texto de Kafka é tudo, menos uma obra literária. Não que, diante disso, Brod deveria tê-lo destinado ao fogo, como era o desejo do autor a respeito de todos os seus escritos. A carta é reveladora de aspectos fundamentais da vida de Kafka e, consequentemente, da sua atividade literária. Também aparenta fornecer bom material para análises psiquiatras. E acaba por ai nosso interesse.
De resto, sobram culpa, autopiedade, autocomiseração, mágoa, rancor e mais uma porção de sentimentos que, como bem lembra o Machado, prejudicam qualquer estilo, além de tornar a leitura bastante penosa. Ao ler, queremos ficar ao lado do Kafka, naturalmente. E não há dúvidas que o cenário que pinta da sua infância lhe dá razão ao acusar o pai. Curiosamente, acabamos não nos identificando com o autor, mas apenas espantados com os seus problemas - parece incrível que tenha escrito o que quer que seja.
Seja lá quais forem as motivações do autor ao decidir escrever para o velho Hermann Kafka, a impressão que fica é que, no fundo, não era preciso desperdiçar tanta tinta. E talvez ele mesmo achasse que tenha exagerado, já que, afinal, sequer mandou a carta. E nós, um século depois, temos a chance de ler esse texto que nem ao destinatário chegou. Talvez devesse ter chegado. E talvez não precisássemos ver de forma tão escancarada o universo que é pintado em suas obras literárias.
Imagino que, ao invés de ler a "Carta ao Pai", eu provavelmente me sairia melhor se lesse "Cartas a Sua Mãe", do Saint-Exupéry (a mãe dele, não a sua).