Homens e Caranguejos
"Um menino pobre começa a descobrir o mundo e logo se depara com a miséria e a lama do mangue de Recife. As brincadeiras de infância são trocadas pelo árduo trabalho nos manguezais."
Escrito em 1966, Homens e Caranguejos foi o único romance do médico, geógrafo e sociólogo Josué de Castro, conhecido internacionalmente pelas obras: Geografia da Fome e Geopolítica da Fome traduzida em mais de 25 países e no qual concorreu ao Nobel. O autor buscou demonstrar através de sua literatura ficção uma realidade que assola milhares de pessoas no Brasil e no Mundo, e que o marcou profundamente: o flagelo da fome.
Nesse romance que possui um caráter autobiográfico, ele relata que a descoberta do fenômeno da fome veio através dos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis de Recife. Essa foi a sua Sorbonne, ou seja, sua "universidade da vida". A sua ligação e influência com o mangue, iniciou-se ainda na infância. Sua casa ficava próximo a um viveiro de peixes, caranguejos e de siris. Se não nasceu dentro do mangue, logo caiu dentro dele, aos dois anos de idade e foi retirado quase afogado. Em seguida mudou para um bairro, mais próximo de um rio onde era cercado por uma paisagem anárquica, repleta de mocambos e choças de palha e barro, onde a água a todo o momento ameaçava invadir essas moradas.
Dessa forma, nesse livro denuncia, Josué avisa que o leitor tem em mãos um prefacio gordo para um romance magro, ou em outras palavras, assim como na sua terra que tem muita farinha pra pouca carne. Ao longo desse pequeno romance de menos de 200 páginas, estão relacionados diversos temas como: a seca, migração rural, enchente, fome, descaso governamental, falta de políticas pública e revolta da população.
Logo no inicio do romance, os habitantes dos mocambos despertam cedo com os apitos das fábricas. A população acorda para mais um dia de batalha nos manguezais a procura da carne de caranguejo. Neste movimento, o protagonista, João Paulo, é despertado pelo seu pai com pontapés e xingamentos. Na mesa do café é servido um ralo caldo de caranguejo, onde o menino bebe e chupa as patas. O nome do seu pai é Zé Luis. Em um momento, o menino pergunta ao pai: Como a gente vem parar no Mangue? O pai em um tom fatalista afirma que foi o destino. Uma longa história.
O garoto ao sair de casa, vai descobrindo um novo mundo, deparando-se com pessoas no qual a vida gira da terrível angústia da busca pelo que comer. Criaturas anfíbias que em sua mais tenra miséria vivem entre a terra e o mangue a procura de alimentos: formados na lama, gente bicho, parados na beira da água ou na maneira de andar que se assemelham em tudo aos caranguejos. Seres híbridos conhecidos como homens-caranguejos.
Em seguida, João vai à casa do Padre Aristides, presentea-lo com alguns caranguejos a pedido de seu pai. Então, já perto dos seus mocambos encontra vários personagens como: A negra Idalina que tem um neto de nome Carlinho (companheiro de pesca de João Paulo) e um porco que cria para engordar e vender no Natal para poder comprar a roupa da primeira comunhão do filho. Seguindo caminho, encontra Cosme, um paralitico que vivia na sua casinha com um pequeno espelho a olhar todos que vão passando no caminho em frente do seu mocambo. Pensa no Sertão, local onde morava antes. Lembra-se do pátio da fazenda, do mugir do boi e o cotidiano sertanejo. Contudo, um ruído de um avião, faz João Paulo voltar à realidade, percebendo que não esta mais no sertão e sim no mangue, no ciclo do caranguejo.
Ainda no século XVII, os nobres de Olinda pisavam nas pontas dos pés receando os mangues e alagados. O medo do desconhecido é notado até hoje através do desprezo e aversão por essa paisagem (MELLO, 1987 pág. 35). Esse sentimento dos colonizadores deixaram marcas profundas que até hoje se perpetuam pela cidade. O mangue é o lugar da pobreza, prostituição e onde o lixo é jogado. Nesse local, os habitantes são reféns da dor, da invisibilidade e da miséria, passando ao status de excluídos da sociedade.
Assim, Josué e suas ideias tiveram grande importância no cenário nacional e grande projeção internacional entre a década de 30 até 70. Além do engajamento que buscou denunciar a fome e a miséria em todo o mundo, o autor e sua obra Homens e Caranguejo influenciou a deflagração do Movimento Manguebeat que ocorreu no final dos anos 80 e inicio dos anos 90 no cenário cultural pernambucano através de diversas manifestações artísticas.
O fenômeno da fome, transformado em ficção por Josué em sua obra Homens e Caranguejos, nos chama atenção, despertando o interesse de investigá-la, explica lá e compreende-lá, sendo uma temática ainda um tanto relevante nos dias atuais marcados por problemas ambientais, crise econômica e de insegurança alimentar.