ISAQUE E ISMAEL
“ De Isaque sairá a descendência que há de ter o teu nome. Mas também do filho da escrava farei um grande povo por ser do teu sangue.” Gênesis, 21:13.
De Abraão, um homem velho e sem potência
E Sara, mulher estéril, pois tinha muita idade,
O Senhor, que é gestor de toda possibilidade,
Fez nascer Isaque, por sua divina providência.
A esse Isaque Deus deu grande saber e glória,
E a Ismael, o meio-irmão, nascido da egípcia,
O Senhor dotou com muita coragem e perícia;
Juntos eles fundaram nações de bela história.
Isaque deu origem ao heróico povo de Israel,
Que logo se tornaria uma nação de potência;
E os árabes valentes são os filhos de Ismael.
Quem lê entenda, pois aqui existe sabedoria:
Israel é o espírito da terra– é forte na ciência.
Ismael é o coração – tem a fé como seu guia.
Abraão, o fundador de nações
Diz o texto bíblico: “Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai,e vai para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. (Gênesis 12:1-2).
Depois, á vista das vicissitudes enfrentadas por Abrão na terra da promessa, Deus promete dar a ele para sempre toda a terra que ele pudesse medir com os olhos, bem como multiplicar a sua descendência como o “pó da terra”. Eis aí, nessa promessa feita ao agora Abraão, o cerne da reivindicação israelita sobre as terras palestinas, e o principal móvel da disputa milenar que ainda se trava naquela região.
Israel, segundo as crônicas bíblicas, teria um “direito divino” sobre essas terras, o que tornaria a sua luta uma verdadeira “guerra santa”, idéia essa que também é combatida pelos seus inimigos palestinos, para quem “eliminar para sempre Israel do concerto das nações”, é a vontade inalienável de Alá.
Assim, a saga de Abraão, como exposta na Bíblia, revela bem o intuito ideológico que os cronistas bíblicos quiseram lhe dar.
“Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as nações da terra”, informou o cronista bíblico que Deus teria dito a Abraão. Está aí, bem delineado, o propósito em fazer de Israel um modelo social e político para todos os povos da terra, propósito esse que os autores da Bíblia nunca pretenderam esconder, e que seria o enredo de praticamente de todos os livros dessa epopéia histórica, os quais mantém uma extraordinária coerência temática entre si.
Esse tema é a supremacia racial de Israel, a superioridade da sua cultura, a veracidade da sua crença, acima das superstições dos povos idólatras da região. E por conseguinte o direito que os israelitas tem de reivindicar a terra de Canaã para si, pois esta lhe foi dada pelo próprio Deus.
Nessa consistência temática e continuidade histórica estão as raízes desse direito. E essa é a grande força desse livro, que até hoje continua sendo o maior monumento literário já produzido pela humanidade e o que mais influiu no pensamento humano até os dias de hoje.
Historiadores como Israel Finkelstein, Neil Archer Silbermam (A Bíblia Não Tinha Razão, Ed. Girafa, 2003) e outros, argumentam que a religião monoteísta de Israel não nasceu antes da separação que o unificado reino de Israel sofreu em conseqüência da rebelião de Jereboão, que após a morte de Salomão provocou a separação de Israel em dois reinos inimigos.
A própria Bíblia diz que o rei Salomão não era tão fiel assim á crença do seu povo no Deus único que teria feito aliança com a família de Abraão e renovado com Moisés. E que teria sido a infidelidade e a idolatria dos israelitas do norte que teria atraído a ira do Senhor contra eles, fazendo com que os assírios dominassem o reino do norte e dispersassem pelo mundo as dez tribos de Israel que habitavam naquela parte do país.
O monoteísmo dos israelitas só teria se consolidado século VII, no reinado do rei Josias, e seria durante sua gestão como rei de Judá que os cronistas da sua corte teriam terminado a compilação das histórias bíblicas, criando uma literatura épica e ideológica, com claras intenções de forjar para Israel uma origem nobre e um direito hereditário sobre as terras e as tradições do povo de Israel. Essa tese seria comprovada pelo fato de que boa parte do ambiente, dos costumes e das tradições que os cronistas bíblicos situam como existentes nos tempos dos patriarcas serem de tempos posteriores.
Isso mostra que esses cronistas “criaram” uma história para Israel com claros propósitos ideológicos e políticos. O único problema é que, ao fazer de Abraão o "pai de multidões", eles abriram também a possibilidade de que os demais povos, descendentes desse patriarca viessem reivindicar parte da sua herança. Destarte, praticamente todos os povos do Oriente Médio poderiam, hoje, se dizer descendentes de Abraão. E as religiões que da sua se originaram confirmam esse fato, pois todas têm sua origem no monoteísmo hebraico.
Árabes e Judeus
Ao contrário do que se pensa não há uma animosidade histórica entre árabes de judeus, embora a ideologia expressa nas crenças religiosas dos dois povos tenha concorrido para criar um ambiente de hostilidade entre eles. Na verdade , o conflito histórico existente na Palestina é entre os povos cananeus, hoje representado pelos palestinos, e Israel. A confusão, nesse caso, se estabelece pelo fato de os palestinos falarem a língua árabe e professarem a religião muçulmana, o que os aproxima dos povos árabes.
Na verdade, ao longo da história, judeus e árabes conviveram com mais facilidade do que judeus e cristãos e cristãos e muçulmanos. Essa realidade foi mais visível na época das cruzadas, por exemplo, quando os cristãos ganharam a inimizade tanto de árabes quanto de judeus, pois eles apareciam como invasores numa terra estranha, massacrando indistintamente tanto uns quanto outros.
A questão ideológica
Na verdade, tantos judeus quanto árabes procuram dar á história de Abraão e seus dois filhos claros contornos ideológicos. No direito consuetudinário das tribos orientais é sempre do filho primogênito o direito de sucessão. Abraão não tinha um filho de sua esposa Sarai, por isso usou o expediente comum de tomar uma serva para gerar esse filho. Para os judeus, aceitar que seu povo tivesse origem no filho de uma escrava não era uma coisa que agradasse muito. Daí o estratagema imaginado pelos cronistas bíblicos, de fazer Sarai, de forma milagrosa, gerar um filho de Abrão, para que Israel não tivesse uma descendência espúria por parte de mãe.
Então Deus fez nascer Isaque, por divina providência. E isso subverteu a tradição legal, pois esse “truque” divino, que se assemelha á uma chicana jurídica, tirou dos árabes o seu legítimo direito á herança de Abraão.
Assim, a animosidade entre árabes e judeus teria começado já naqueles tempos, face ao conflito instaurado nas tendas do patriarca Abraão entre suas duas mulheres e seus respectivos filhos, cada um, por seu lado reivindicando a herança do velho patriarca. Assim, se há uma explicação bíblica explícita para esta animosidade, ela remonta aos tempos de Abraão.
Sarai, a esposa legal de Abraão venceu a disputa e a concubina de Abraão, Agar, junto com seu filho Ismael, foram expulsos do acampamento hebreu. Para que o episódio não fosse contabilizado como uma grosseira injustiça, os cronistas bíblicos compensaram o deserdado Ismael com a geração dos povos do deserto, os ismaelitas,(como os judeus chamavam os árabes). Assim, embora árabes e judeus fossem primos irmãos, esse episódio teria criado um profundo poço de descontentamento e animosidade entre os dois povos.
Essa animosidade se tornou ainda mais profunda quando os árabes adotaram a religião de Maomé, o Islã. Embora sustentando que o Islã é uma continuação do Judaísmo e que o Alcorão é um complemento da Toráh, e Maomé uma espécie de reencarnação de Moisés, o livro sagrado dos muçulmanos é um tanto ambíguo quanto á relação entre árabes e judeus. Ao mesmo tempo que instrui os muçulmanos a tratar os judeus como irmãos, também ordena que os judeus que não se converterem ao Islã sejam tratados como inimigos.
Por outro lado, O Alcorão também é ideológico nesse ponto. Ele sustenta que era Ismael o filho da promessa que Deus fez a Abraão e não Isaque. Assim, lança sobre Israel e sobre a Bíblia a acusação de que os judeus teriam escamoteado o direito dos árabes.
A hostilidade entre judeus é árabes, entretanto, só se tornou violenta depois da Segunda Guerra Mundial, quando as Nações Unidas permitiram que uma leva de israelitas voltasse para a Palestina e lá começassem a fundar o novo estado de Israel, que havia sido abolido definitivamente pelos romanos em 135 da era cristã pelo Imperador Adriano.
Essa nova repatriação dos judeus (a primeira havia acontecido após a queda da Babilônia) provocou violenta reação dos povos que viviam na Palestina, povos estes de cultura árabe. A maioria das nações árabes protestou veementemente contra o fato de o povo de Israel voltar a ocupar porções da terra palestina. Originaram-se nesse fato os conflitos que ainda sacodem a Terra Santa nos dias de hoje. E á medida que Israel amplia seus domínios na região, esse problema mais se acentua.
Uma visão maçônica do episódio
A maçonaria tem raízes muito fortes na tradição de Israel. Na verdade, entendemos que a própria idéia que informa a prática da Maçonaria é uma derivação da idéia que fundamentou a fundação de Israel como nação e o desenvolvimento de sua crença como povo eleito de Deus, nação modelo para todos os povos da terra.*
Em nossa visão, o proto-estado de Israel, antes de se tornar um reino semelhante aos demais estados palestinos (após a instituição do reinado), pode ser considerado como a primeira vivência maçônica institucionalizada. Isso porque a tese que fundamentou o desenvolvimento do estado judeu está centrada numa idéia utópica que poderia ser realizada através da prática de uma fraternidade, ligada pelos laços do sangue e da religião, e pelo compartilhamento de uma forte tradição.
Os laços da Maçonaria com o povo de Israel já eram bem fortes entre os antigos companheiros operativos, que viam em figuras da tradição israelita os seus mestres arcanos. Figuras bíblicas como Ninrode, o suposto construtor da Torre de Babel, Enoque, o patriarca que subiu ao céu sem conhecer a morte, Seth, o filho caçula de Adão, e principalmente o Rei Salomão e seu arquiteto construtor Hiram Abif, já eram figuras importantes na tradição mais antiga da Arte Real.
Essa relação se tornou ainda mais forte na transição da maçonaria operativa para a especulativa quando aos ritos maçônicos foram incorporados diversos motivos históricos inspirados na história de Israel, como a reconstrução de Jerusalém, os temas do Apocalipse, a organização do estado de Israel sobre o Rei Salomão e principalmente o Drama de Hiram, formidável alegoria que dá fecho ao conteúdo iniciático da maçonaria.
Os Ritos maçônicos pouco se reportam à Abraão em seu atos litúrgicos e nas alegorias que os informam. As poucas referências que se fazem ao patriarca fundador desse povo que cunhou a verdadeira maçonaria falam da sua fé, da sua disposição em sacrificar o próprio filho em honra ao seu Deus e da sua disposição em manter a aliança que fizera com Deus.
Algumas lendas cultivadas principalmente no rito do Arco Real se referem á Abraão como verdadeiro mago, conhecedor de segredos arcanos obtidos junto aos hierofantes da Caldeía. Esses segredos, referentes principalmente á geometria e astrologia, teriam sido muito importantes no desenvolvimento da tradição maçônica que se refere á arquitetura cósmica. Seria também, através dos conhecimentos adquiridos por Abrão, enquanto sacerdote na Babilônia, conhecimentos esses repassados por tradição oral aos sábios de Israel, que os cronistas bíblicos compuseram o Gênesis.
Assim, a questão ideológica e racial que são levantadas em relação ao episódio de Abraão e seus dois filhos não importam á Maçonaria. A Maçonaria é uma organização ecumênica que não incentiva debates desse tipo. Para ela tanto o Alcorão quanto a Bíblia são livros inspirados que revelam a vontade de Deus, expressa no pensamento dos profetas que os receberam. Ideologias são doutrinas desenvolvidas por pessoas e grupos que desejam fazer valer seus interesses particulares. Não cabe à Ordem maçônica mundial discutir quem tem razão nessa pendenga. Talvez ambos tenham, talvez ninguém tenha. O mais importante em tudo isso é a idéia inscrita na esperança que informou a criação do estado de Israel, ou seja, a idéia de que a humanidade deve ser um povo só, que se ligue pelos princípios da fraternidade e amor á beleza. Esse, aliás foi o que disse o Cavaleiro De Ransay em seu famoso discurso de 1738.
Excerto do discurso de Ransay.
“Os homens não de distinguem essencialmente pelas diferentes línguas que falam, as roupas que usam, os países que ocupam, ou as dignidades com que são investidos.
O mundo todo não passa de uma república onde cada nação é uma família e cada indivíduo um filho. É para fazer reviver e espalhar estas máximas essenciais, emprestadas da natureza do homem que a nossa Sociedade foi inicialmente estabelecida.
Queremos reunir todos os homens de espírito esclarecido, maneiras gentis e humor agradável, não só pelo amor às belas artes, mas ainda mais pelos grandes princípios de virtude, ciência e religião, onde o interesse da Fraternidade se tornam aqueles de toda a raça humana, onde todas as nações podem recorrer a conhecimentos sólidos, e onde os habitantes de todos os reinos possam aprender a valorizar um ao outro, sem abrir mão de sua pátria.”**
ISAQUE E ISMAEL-VISÃO MÃÇÔNICA DA HISTÓRIA
DO LIVRO " LENDAS DA ARTE REAL" TÍTULO PROVISÓRIO-NO PRELO
“ De Isaque sairá a descendência que há de ter o teu nome. Mas também do filho da escrava farei um grande povo por ser do teu sangue.” Gênesis, 21:13.
De Abraão, um homem velho e sem potência
E Sara, mulher estéril, pois tinha muita idade,
O Senhor, que é gestor de toda possibilidade,
Fez nascer Isaque, por sua divina providência.
A esse Isaque Deus deu grande saber e glória,
E a Ismael, o meio-irmão, nascido da egípcia,
O Senhor dotou com muita coragem e perícia;
Juntos eles fundaram nações de bela história.
Isaque deu origem ao heróico povo de Israel,
Que logo se tornaria uma nação de potência;
E os árabes valentes são os filhos de Ismael.
Quem lê entenda, pois aqui existe sabedoria:
Israel é o espírito da terra– é forte na ciência.
Ismael é o coração – tem a fé como seu guia.
Abraão, o fundador de nações
Diz o texto bíblico: “Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai,e vai para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. (Gênesis 12:1-2).
Depois, á vista das vicissitudes enfrentadas por Abrão na terra da promessa, Deus promete dar a ele para sempre toda a terra que ele pudesse medir com os olhos, bem como multiplicar a sua descendência como o “pó da terra”. Eis aí, nessa promessa feita ao agora Abraão, o cerne da reivindicação israelita sobre as terras palestinas, e o principal móvel da disputa milenar que ainda se trava naquela região.
Israel, segundo as crônicas bíblicas, teria um “direito divino” sobre essas terras, o que tornaria a sua luta uma verdadeira “guerra santa”, idéia essa que também é combatida pelos seus inimigos palestinos, para quem “eliminar para sempre Israel do concerto das nações”, é a vontade inalienável de Alá.
Assim, a saga de Abraão, como exposta na Bíblia, revela bem o intuito ideológico que os cronistas bíblicos quiseram lhe dar.
“Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as nações da terra”, informou o cronista bíblico que Deus teria dito a Abraão. Está aí, bem delineado, o propósito em fazer de Israel um modelo social e político para todos os povos da terra, propósito esse que os autores da Bíblia nunca pretenderam esconder, e que seria o enredo de praticamente de todos os livros dessa epopéia histórica, os quais mantém uma extraordinária coerência temática entre si.
Esse tema é a supremacia racial de Israel, a superioridade da sua cultura, a veracidade da sua crença, acima das superstições dos povos idólatras da região. E por conseguinte o direito que os israelitas tem de reivindicar a terra de Canaã para si, pois esta lhe foi dada pelo próprio Deus.
Nessa consistência temática e continuidade histórica estão as raízes desse direito. E essa é a grande força desse livro, que até hoje continua sendo o maior monumento literário já produzido pela humanidade e o que mais influiu no pensamento humano até os dias de hoje.
Historiadores como Israel Finkelstein, Neil Archer Silbermam (A Bíblia Não Tinha Razão, Ed. Girafa, 2003) e outros, argumentam que a religião monoteísta de Israel não nasceu antes da separação que o unificado reino de Israel sofreu em conseqüência da rebelião de Jereboão, que após a morte de Salomão provocou a separação de Israel em dois reinos inimigos.
A própria Bíblia diz que o rei Salomão não era tão fiel assim á crença do seu povo no Deus único que teria feito aliança com a família de Abraão e renovado com Moisés. E que teria sido a infidelidade e a idolatria dos israelitas do norte que teria atraído a ira do Senhor contra eles, fazendo com que os assírios dominassem o reino do norte e dispersassem pelo mundo as dez tribos de Israel que habitavam naquela parte do país.
O monoteísmo dos israelitas só teria se consolidado século VII, no reinado do rei Josias, e seria durante sua gestão como rei de Judá que os cronistas da sua corte teriam terminado a compilação das histórias bíblicas, criando uma literatura épica e ideológica, com claras intenções de forjar para Israel uma origem nobre e um direito hereditário sobre as terras e as tradições do povo de Israel. Essa tese seria comprovada pelo fato de que boa parte do ambiente, dos costumes e das tradições que os cronistas bíblicos situam como existentes nos tempos dos patriarcas serem de tempos posteriores.
Isso mostra que esses cronistas “criaram” uma história para Israel com claros propósitos ideológicos e políticos. O único problema é que, ao fazer de Abraão o "pai de multidões", eles abriram também a possibilidade de que os demais povos, descendentes desse patriarca viessem reivindicar parte da sua herança. Destarte, praticamente todos os povos do Oriente Médio poderiam, hoje, se dizer descendentes de Abraão. E as religiões que da sua se originaram confirmam esse fato, pois todas têm sua origem no monoteísmo hebraico.
Árabes e Judeus
Ao contrário do que se pensa não há uma animosidade histórica entre árabes de judeus, embora a ideologia expressa nas crenças religiosas dos dois povos tenha concorrido para criar um ambiente de hostilidade entre eles. Na verdade , o conflito histórico existente na Palestina é entre os povos cananeus, hoje representado pelos palestinos, e Israel. A confusão, nesse caso, se estabelece pelo fato de os palestinos falarem a língua árabe e professarem a religião muçulmana, o que os aproxima dos povos árabes.
Na verdade, ao longo da história, judeus e árabes conviveram com mais facilidade do que judeus e cristãos e cristãos e muçulmanos. Essa realidade foi mais visível na época das cruzadas, por exemplo, quando os cristãos ganharam a inimizade tanto de árabes quanto de judeus, pois eles apareciam como invasores numa terra estranha, massacrando indistintamente tanto uns quanto outros.
A questão ideológica
Na verdade, tantos judeus quanto árabes procuram dar á história de Abraão e seus dois filhos claros contornos ideológicos. No direito consuetudinário das tribos orientais é sempre do filho primogênito o direito de sucessão. Abraão não tinha um filho de sua esposa Sarai, por isso usou o expediente comum de tomar uma serva para gerar esse filho. Para os judeus, aceitar que seu povo tivesse origem no filho de uma escrava não era uma coisa que agradasse muito. Daí o estratagema imaginado pelos cronistas bíblicos, de fazer Sarai, de forma milagrosa, gerar um filho de Abrão, para que Israel não tivesse uma descendência espúria por parte de mãe.
Então Deus fez nascer Isaque, por divina providência. E isso subverteu a tradição legal, pois esse “truque” divino, que se assemelha á uma chicana jurídica, tirou dos árabes o seu legítimo direito á herança de Abraão.
Assim, a animosidade entre árabes e judeus teria começado já naqueles tempos, face ao conflito instaurado nas tendas do patriarca Abraão entre suas duas mulheres e seus respectivos filhos, cada um, por seu lado reivindicando a herança do velho patriarca. Assim, se há uma explicação bíblica explícita para esta animosidade, ela remonta aos tempos de Abraão.
Sarai, a esposa legal de Abraão venceu a disputa e a concubina de Abraão, Agar, junto com seu filho Ismael, foram expulsos do acampamento hebreu. Para que o episódio não fosse contabilizado como uma grosseira injustiça, os cronistas bíblicos compensaram o deserdado Ismael com a geração dos povos do deserto, os ismaelitas,(como os judeus chamavam os árabes). Assim, embora árabes e judeus fossem primos irmãos, esse episódio teria criado um profundo poço de descontentamento e animosidade entre os dois povos.
Essa animosidade se tornou ainda mais profunda quando os árabes adotaram a religião de Maomé, o Islã. Embora sustentando que o Islã é uma continuação do Judaísmo e que o Alcorão é um complemento da Toráh, e Maomé uma espécie de reencarnação de Moisés, o livro sagrado dos muçulmanos é um tanto ambíguo quanto á relação entre árabes e judeus. Ao mesmo tempo que instrui os muçulmanos a tratar os judeus como irmãos, também ordena que os judeus que não se converterem ao Islã sejam tratados como inimigos.
Por outro lado, O Alcorão também é ideológico nesse ponto. Ele sustenta que era Ismael o filho da promessa que Deus fez a Abraão e não Isaque. Assim, lança sobre Israel e sobre a Bíblia a acusação de que os judeus teriam escamoteado o direito dos árabes.
A hostilidade entre judeus é árabes, entretanto, só se tornou violenta depois da Segunda Guerra Mundial, quando as Nações Unidas permitiram que uma leva de israelitas voltasse para a Palestina e lá começassem a fundar o novo estado de Israel, que havia sido abolido definitivamente pelos romanos em 135 da era cristã pelo Imperador Adriano.
Essa nova repatriação dos judeus (a primeira havia acontecido após a queda da Babilônia) provocou violenta reação dos povos que viviam na Palestina, povos estes de cultura árabe. A maioria das nações árabes protestou veementemente contra o fato de o povo de Israel voltar a ocupar porções da terra palestina. Originaram-se nesse fato os conflitos que ainda sacodem a Terra Santa nos dias de hoje. E á medida que Israel amplia seus domínios na região, esse problema mais se acentua.
Uma visão maçônica do episódio
A maçonaria tem raízes muito fortes na tradição de Israel. Na verdade, entendemos que a própria idéia que informa a prática da Maçonaria é uma derivação da idéia que fundamentou a fundação de Israel como nação e o desenvolvimento de sua crença como povo eleito de Deus, nação modelo para todos os povos da terra.*
Em nossa visão, o proto-estado de Israel, antes de se tornar um reino semelhante aos demais estados palestinos (após a instituição do reinado), pode ser considerado como a primeira vivência maçônica institucionalizada. Isso porque a tese que fundamentou o desenvolvimento do estado judeu está centrada numa idéia utópica que poderia ser realizada através da prática de uma fraternidade, ligada pelos laços do sangue e da religião, e pelo compartilhamento de uma forte tradição.
Os laços da Maçonaria com o povo de Israel já eram bem fortes entre os antigos companheiros operativos, que viam em figuras da tradição israelita os seus mestres arcanos. Figuras bíblicas como Ninrode, o suposto construtor da Torre de Babel, Enoque, o patriarca que subiu ao céu sem conhecer a morte, Seth, o filho caçula de Adão, e principalmente o Rei Salomão e seu arquiteto construtor Hiram Abif, já eram figuras importantes na tradição mais antiga da Arte Real.
Essa relação se tornou ainda mais forte na transição da maçonaria operativa para a especulativa quando aos ritos maçônicos foram incorporados diversos motivos históricos inspirados na história de Israel, como a reconstrução de Jerusalém, os temas do Apocalipse, a organização do estado de Israel sobre o Rei Salomão e principalmente o Drama de Hiram, formidável alegoria que dá fecho ao conteúdo iniciático da maçonaria.
Os Ritos maçônicos pouco se reportam à Abraão em seu atos litúrgicos e nas alegorias que os informam. As poucas referências que se fazem ao patriarca fundador desse povo que cunhou a verdadeira maçonaria falam da sua fé, da sua disposição em sacrificar o próprio filho em honra ao seu Deus e da sua disposição em manter a aliança que fizera com Deus.
Algumas lendas cultivadas principalmente no rito do Arco Real se referem á Abraão como verdadeiro mago, conhecedor de segredos arcanos obtidos junto aos hierofantes da Caldeía. Esses segredos, referentes principalmente á geometria e astrologia, teriam sido muito importantes no desenvolvimento da tradição maçônica que se refere á arquitetura cósmica. Seria também, através dos conhecimentos adquiridos por Abrão, enquanto sacerdote na Babilônia, conhecimentos esses repassados por tradição oral aos sábios de Israel, que os cronistas bíblicos compuseram o Gênesis.
Assim, a questão ideológica e racial que são levantadas em relação ao episódio de Abraão e seus dois filhos não importam á Maçonaria. A Maçonaria é uma organização ecumênica que não incentiva debates desse tipo. Para ela tanto o Alcorão quanto a Bíblia são livros inspirados que revelam a vontade de Deus, expressa no pensamento dos profetas que os receberam. Ideologias são doutrinas desenvolvidas por pessoas e grupos que desejam fazer valer seus interesses particulares. Não cabe à Ordem maçônica mundial discutir quem tem razão nessa pendenga. Talvez ambos tenham, talvez ninguém tenha. O mais importante em tudo isso é a idéia inscrita na esperança que informou a criação do estado de Israel, ou seja, a idéia de que a humanidade deve ser um povo só, que se ligue pelos princípios da fraternidade e amor á beleza. Esse, aliás foi o que disse o Cavaleiro De Ransay em seu famoso discurso de 1738.
Excerto do discurso de Ransay.
“Os homens não de distinguem essencialmente pelas diferentes línguas que falam, as roupas que usam, os países que ocupam, ou as dignidades com que são investidos.
O mundo todo não passa de uma república onde cada nação é uma família e cada indivíduo um filho. É para fazer reviver e espalhar estas máximas essenciais, emprestadas da natureza do homem que a nossa Sociedade foi inicialmente estabelecida.
Queremos reunir todos os homens de espírito esclarecido, maneiras gentis e humor agradável, não só pelo amor às belas artes, mas ainda mais pelos grandes princípios de virtude, ciência e religião, onde o interesse da Fraternidade se tornam aqueles de toda a raça humana, onde todas as nações podem recorrer a conhecimentos sólidos, e onde os habitantes de todos os reinos possam aprender a valorizar um ao outro, sem abrir mão de sua pátria.”**
* Desenvolvemos essa tese em nosso livro O Tesouro Arcano, a ser publicado brevemente pela Editora Madras.
**Excertoublicado por Jean Palou- Maçonaria Simbólica e Iniciática- Ed.Pensamento, 1986.
ISAQUE E ISMAEL-VISÃO MÃÇÔNICA DA HISTÓRIA
DO LIVRO " LENDAS DA ARTE REAL" TÍTULO PROVISÓRIO-NO PRELO