Pausa para um comentário (algo longe de ser uma resenha)

Anteontem fui buscar o último e quarto livro adquirido por mim e para mim este ano. Seu título: "A vaca e o hipogrifo". Seu autor: um velhinho gaúcho falecido aos 88 anos de idade, em 1994, ano em que eu nem sabia escrever a letra "a" ainda - Mario Quintana.

Em clima do ameno luto pela morte do Niemeyer esta semana, não pude deixar de pensar em como seria se Quintana tivesse morrido hoje. Me perguntei se ele teria continuado sendo o homem com palavras ora poeticamente irônicas, ora poeticamente questionadoras, ora poeticamente alguma-outra-coisa que me encantaram desde meus treze anos de idade, ao ler "Das utopias" em uma agenda alheia.

É difícil responder a essa pergunta quando o que você conhece de um escritor com uma obra vasta (teve seu primeiro livro publicado em 1940 e o último em 1990) são alguns textos soltos e fração de um livro. Mas ele é, de longe, um daqueles caras com quem sonho poderem viver em meu tempo ou vice-versa.

Infelizmente, do total de 298 páginas, se passaram mais ou menos umas 60 contendo poeminhas, minicontos e minicrônicas. Sinto saudades e me queixo por elas terem sido consumidas tão rapidamente, mesmo com a morosidade ensinada por Rubem Alves. E praticadada por Mario, segundo foi relatado na crônica "Pausa" (p. 147) - que eu já conhecia há uns cinco anos, - "quando ele pousa os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de suas próprias coisas, surpreendendo-se a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa" e partir daí entrando num conflito com suas próprias percepções, contrapondo a firmeza da realidade aos devaneios da criatividade.

O mesmo tem acontecido comigo ao ler A vaca e o hipogrifo: a cada página, texto, expressão ou frase capaz de me transportar para um estágio mental labiríntico, o livro é fechado. Um bom exemplo é o textículo Verbete (p. 49):

Autodidata - ignorante por conta própria.

Com uma linha e cinco palavras, Quintana me fez remontar o signficado de um vocábulo, olhando-o por um ângulo oposto ao impregnado nos dicionários formais afora. Eu, que tanto gosto de ler dicionários, quase como um hobby, abri mão da certeza e seriedade deles para dar lugar ao sarcasmo do gaúcho ao ler a página 49 e fechar o livro logo em seguida.

Acho até que ser autodidata vai além da ignorância: é algo ainda não notado por mim neste plano onde vivo. Ninguém é autodidata porque ninguém aprende sozinho. Por mais que não nos falem que 2 + 2 = 4, há sempre algo para nos ensinar; não necessariamente uma pessoa. Vai soar clichê - e quiçá realmente o seja - mas o Mundo todo é vivo, até mesmo dentro de uma lata de tinta de parede. Logo, não existe autodidatismo, salvo no caso do eremita e olhe lá.

Não sei transmitir nitidamente emoções mihas nos meus textos, mas estou muito contentente em relação a A vaca e o hipogrifo. A experiência tem trazido resultados satisfatórios para quem não conseguia acabar um livro há uns três anos. Agora vos peço licença e me despeço à Quintana: "o melhor é repor depressa os óculos no nariz" (a cara no livro, em meu caso).

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Nota:

A edição de A vaca e o hipogrifo à qual me refiro no texto acima é a publicada pela editora Alfaguara, em 2012; 1ª edição, com 298 páginas.

Raisa M
Enviado por Raisa M em 10/12/2012
Código do texto: T4028086
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