Resenha de 'A Língua de Eulália'
Assimilação da transformação
A língua de Eulália é uma novela sociolinguísta, escrita pelo professor de linguística da Universidade de Brasília (UnB) Marcos Bagno. O livro trata da linguagem como instrumento de comunicação em transformação, trata de uma língua viva falada pelos brasileiros escolarizados e não escolarizados; trata da sociolinguística e dá uma panorânica do que acontece hoje com a língua portuguesa no Brasil e como essa traz consigo o preconceito e a exclusão social. Os leitores de A Língua de Eulália deleitam-se ao ler e entender com prazer, num tom conversacional, os dois lados da moeda: um, a língua falada; outro, a língua escrita, ou seja, um português descritivo e um prescritivo. Marcos Bagno mostra detalhadamente as diferenças entre um Português Padrão (PP) e um Português Não Padrão (PNP) e como o tradicionalismo, a discriminação e o poder econômico estão relacionados aos mesmos, isso tudo através de conversas gostosas entre Tia Irene (professora universitária), sua sobrinha Vera e suas duas amigas Sylvia e Emília (estudantes universitárias). O autor defende uma multiplicidade na forma do falar e nos lembra de como o português que falamos hoje em dia sofreu alterações importantíssimas desde o latim culto, ao latim vulgar e suas ramificações e nos apresenta a língua portuguesa e suas raízes e todo o seu desenrolar, passando por gírias, ou vulgar (não –padrão da época) até chegarmos a língua que usamos nos dias atuais e suas transformações práticas para que hoje se desse a nossa comunicação eficaz. A língua é viva, portanto ela modifica de região para região, de estado para estado, de colonização para colonização. Sonhar que haja uma língua ideal, igual, imutável, cheia de regras, padrão é ignorar as ramificações da língua. Ao analisarmos a história da nossa língua, podemos perceber que ela sempre esteve e sempre estará em transformação, isso devido às necessidades reais da comunicação do dia a dia. A língua se adapta às necessidades e às sociedades tanto em pólos micros como em macros. Por exemplo, numa sociedade que teve sua colonização italiana a língua será falada com vogais mais abertas e bem acentuadas; assim como numa comunidade que teve sua colonização açoriana a tendência é que se fale um português mais rápido com algumas pronúncias marcando bem o S, com som de X ou o R com som de RR. Se troxermos esse exemplo para um âmbito micro, podemos perceber que a comunicação em determinadas áreas e profissões se dá através de códigos ou palavras-chave, como por exemplo: janela, para identificar um horário vago entre as aulas de professores etc. Então, a língua se molda frenquentemente e as pessoas fazem o uso da mesma de acordo com o que a sociedade na qual estão inseridas, pede. O professor (Bagno) nos apresenta também uma transformação da língua de origem fonética, referente á pronúncia, à facilidade e agilidade da língua, bem como à nossa estrutura palatal. Tia Irene nos expõe através de suas ´aulinhas de férias para as meninas` que algumas palavras vão se modificando na fala pela eficácia na pronúncia e pela assimilação. A assimilação acontece quando duas letras são pronunciadas na mesma parte da boca, por exemplo, a letra M e a letra B, são ambas bilabiais, desse modo fica de fácil percepção, que na língua falada as pessoas tendem a cortar um dos sons e encurtarem o tempo de fala para se chegar a conclusão mais rapidamente transformando-se então o MB em somente M, vejamos um exemplo: na língua escrita – Também = na língua falada - Tamém. Temos outros exemplos com sons pronunciados no palato duro (céu da boca) que se assimilam e modificam como: na língua escrita – frouxo e na língua falada – frôxo, louro – lôro, ou ainda, queijo – quêjo, beijo – bêjo. Outro fato interessante que podemos notar e compararmos com a história da língua quando estamos lendo A língua de Eulália é o de que as transformações que aconteceram do latim culto para o latim vulgar (que era discriminado na época), estão se repetindo agora com umas das ramificações do Latim, que é o português e também acontecem e aconteceram com outras ramificações como o espanhol, o francês e o italiano, vejamos os exemplos e suas transformações: O que em Latim era escrito ECCLESIA, se transformou numa de suas ramificações, o francês em: ÉGLISE; em espanhol em: IGLESIA e em português para nosso susto ou alívio IGREJA; outros exemplos são respectivamente: Latim: PLAGA – Francês:PLAGE – Espanhol: PLAYA e português: PRAIA , e ainda, Latim: SCLAVU – francês: ESCLAVE – espanhol: SCLAVO e português: ESCRAVO. Com essas palavras podemos perceber que as letras L e R são pronunciadas na parte dianteira do palato duro (logo atrás dos dentes frontais), dá-se a assimilação e consequentemente essas palavras se modificam por questões não só de pronúncia, mas também um fenômeno que se repete, da história pros dias atuais, comparando o latim vulgar com o PNP ou suas ramificações temos claro que essa é uma questão de fenômeno que deve ser analisada e pesquisada e não servir de gancho para preconceitos dos que se dizem escolarizados, pois todas essas tranformações da língua ocorrem com todos os falantes e em todas as línguas, escolarizados ou não.
Do acordo com Bagno (2010) há uma estigmatização de algumas variantes da língua. As pessoas com maior prestígio social não são vistas como iletradas ou não-cultas quando fazem o uso da assimilação para se expressar, em contrapartida, pessoas com menor prestígio social, menor poder aquisitivo, ou mesmo com menor escolaridade são ridicularizadas pelos escolarizados nas mais diversas situações quando usam a assimilação ou se comunicam através dos saberes transmitidos pelas suas comunidades. Isso porque a escola brasileira não trata de diferenças e variantes da língua e trata somente de um PP1, onde o qual é transmitido de que todas as formas que divergem a esse PP estão incorretas. Os estudantes do nosso português ensinado nas escolas não entendem então o que é esse fenômeno da transformação da língua e quem faz parte dele diretamente todavia, a partir do não esclarecimento, o preconceito é cultuado e tido até mesmo como diversão. O que não sabem os escolarizados, é que existem variantes e variações da língua portuguesa assim como em todas as línguas, e que essa forma variacional falada hoje e tida como ´incorreta` pode vir a se transformar em uma ramificação da língua portuguesa num futuro próximo. Temos, como acadêmicos, incluir a todos e prezar por uma comunicação de qualidade sabendo que gramáticos conservadores e poder econômico não obtêm os direitos sobre as mudanças tão imensas, significativas e históricas de qualquer língua. Pois ela segue seu próprio curso. O que é preciso ter em mente, depois de ter o devido esclarecimento sobre o que é esse fenômeno, é que questões políticas, sociais e econômicas estão sim relacionadas com muitas das novas formas de falas e de futuras mudanças nos processos de educação do nosso país, mas que se deve combater quaisquer tipos de discriminação provindos da língua e de regionalismos ou variantes. Os ignorantes desses outros PNPs precisam reconhecê-los como línguas de muito potencial e muita eficácia e que esses são de uso correto nas comunidades nas quais são faladas. Não precisamos todos falarmos igualmente, o mundo não é homogêneo, porém, precisamos reconhecer e aceitar diferenças e aproximarmo-nos do desconhecido para que possamos estar esclarecidos para melhor acompanharmos nosso momento histórico.
Com a novela sociolinguística A língua de Eulália podemos dar início a essa descoberta e começarmos a combater um preconceito e como cita o narrador “um problema sem a menor graça”. Os fatos históricos acontecem com ou sem nosso discernimento cabal ou consentimento, cabe a cada um de nós participarmos e entendermos o que vivemos e o momento em que vivemos ou simplesmente, alheios, vivermos.
Referências: Bagno, Marcos , A língua de Eulália - Novela sociolinguística, São Paulo, Contexto, 2010.
Site ultimosegundo.ig.com.br/educacao/mec+defende+uso+de+livro+didatico+com+linguagem+popular/n1596949085987.html
Periódico Fórum linguístico – UFSC