“Cain disse ao seu irmão Abel: saiamos fora. E quando estavam no campo, investiu Cain contra seu irmão Abel e o matou. “ Gênesis, 4; 5,6
 
Aconteceu que a terra foi separada do céu,
E entre os homens também ocorreu assim,

Pois o pastoreio foi entregue ao bom Abel,
E a agricultura foi para o rude e mau Cain,



Mas neste mundo tudo é feito por parelhas,
E eles deviam, um ao outro complementar.
O bom Abel, alma meiga, foi criar ovelhas,
Cain, de cerviz dura, foi logo ao solo arar.



E desde os dias mais antigos sobre a terra,
Essa disputa insana nunca mais se acabou.

Agricultura com o pastoreio não combina.


Foi por isso que os irmãos foram à guerra,
E o agricultor Cain, ao pastor Abel matou,
Hoje todos carregamos sua marca assassina.

 
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É de aceitação geral entre os estudiosos do assunto, que a Bíblia, quando trata da origem do homem e da sua civilização se inspirou nas lendas sumerianas que falam dessa matéria. Nessas lendas, um deus chamado ENKI teria ensinado a pecuária aos homens e outro deus, ENLIL, a agricultura. É possível que nessa tradição suméria esteja a origem da lenda de Cain e Abel. A Bíblia informa que eles eram respectivamente agricultor e pastor, e que ambos procuravam agradar a Deus oferecendo as primícias dos frutos do seu trabalho, como era comum entre os povos antigos. Assim Cain ofertou as primícias da sua safra agrícola e Abel o melhor do seu rebanho de ovelhas. Deus se agradou da oferta de Abel e desprezou a de Cain.(1)
Segundo a variante suméria, o conflito entre os agricultores e pastores acabou degenerando em lutas sangrentas que ameaçava dizimar a população inteira daquelas terras. Para sanear esse conflito, Enlil (o deus da Bíblia, um dos nefilins que teria aportado na terra, vindo do planeta Nibiru, segundo os autores que acreditam na origem extra-terrestre da cilviliação humana), teria ordenado aos pastores (ou seja, Abel e não Cain) que deixasse as terras da Mesopotâmea e fosse procurar pastagens para seus animais em outro lugar (a Palestina). Essa seria a origem da imigração de Abraão, a que a Bíblia se refere. E para que os pastores (os descendentes de Abraão) não fossem molestados, Enlil teria colocado neles uma marca, que os distinguiria de outros povos. Essa “marca” é a circuncisão, ou seja, o corte do prepúcio a que todos os israelitas machos eram ( e ainda são) sujeitos desde o nascimento. Por isso a enigmática frase de Lamec em Gênesis 4:23, que até hoje nunca foi interpretada a contento: “Ouvi minha voz, mulheres de Lamec: escutai minhas palavras: eu matei um homem por minha ferida e um adolescente por minha contusão. Cain será vingado sete vezes, mas Lamec setenta vezes sete.”  
Assim, na verdade, não foi Cain o exilado e sim o contrário. E não foi Cain que Deus (Enlil) marcou, mas sim Abel. Aliás, ele não foi expulso, mas convidado, ele e seu clã, a deixar as terras da Mesopotâmea e procurar um lugar distante para viver e criar os seus animais.
Essa história pode ter sido apropriada pelos cronistas bíblicos, que eram, em sua maioria, rabinos judeus, os quais compilaram essas tradições antigas e as adaptaram para as suas finalidades. Nessa transposição, os cananeus, descendentes de Cain, povos gregários e já fixos no Vale do Jordão em razão de uma próspera economia agrícola e industrial (como a própria Bíblia informa em várias passagens), se tornaram assassinos amaldiçoados, alguns deles, inclusive frutos de incesto, como no caso dos amonitas e moabitas, descendentes do incesto praticado pelas filhas de Lot com o próprio pai.
Assim, não é por acaso que encontraremos na literatura antiga, especialmente nas cartas de El Amarna, no Egito, referências ao povo de Israel, chamando-o de povo Gabiru. Essa palavra pode ser uma corruptela de Nibiru, o planeta de onde os antecessores de Abel, o pastor (ou Abraão), provieram., segundo as teses já referidas.
Assim, toda a saga de Israel, descrita na Bíblia, antes e depois do exílio no Egito, nada mais reflete que as lutas dos descendentes de Abraão (corruptela do nome Abel, ou o contrário), para sobreviver e desenvolver sua própria civilização em meio a um ambiente hostil, que volta e meia, tentava exterminá-los. Aliás, poderíamos interpretar a enigmática profecia de Lamec contando quantas vezes os hebreus/judeus foram castigados; 1) a sua expulsão da Mesopotâmea 2) a sua escravidão no Egito 3) a destruição do reino de Israel pelos Assírios,4) O cativeiro na Babilônia, 5) a sua conquista pelos romanos 6) A diáspora 7) o holocausto promovido pelos nazistas. Exatamente sete. Mas Lamec, os descendentes de Abel, e não de Cain (os israelitas) seriam vingados setenta vezes sete, o que quer dizer vezes sem conta.Para entender essa parte da profecia é só pensar no que acontece hoje no Oriente Médio com a eterna guerra entre Israel e os palestinos.
A tese segundo a qual a famosa “marca de Cain” é, na verdade, a circuncisão, é uma inspiração nossa. Essa especulação encontra uma justificava no próprio Zhoar, o livro da Cabala judaica, onde se diz que a  “marca de Cain” era grafada com a palavra hebraica vav. Ora, em hebraico, o sinal gráfico “vav” serve como uma conjunção que corresponde ao “e” em português. A palavra a “vav” significa “gancho”, e  na sua forma escrita ela tem mesmo o formato de um. Simbolicamente, “vav” é o "gancho" que conecta o “yud” (mente)  com “chaf”, que representa o corpo. Assim, vav, a “marca de Cain”, segundo o Zhoar, seria um ícone distintivo do povo que faria a ligação entre a mente de Deus(o céu) e o corpo dele(a terra).  E essa é a teoria que fundamenta a pretensão de Israel como povo escolhido por Deus para ser o seu lídimo representante na terra, “um modelo para todas as nações”, como se diz na Bíblia.  Por isso Deus diz a Abraão: “ Eis o meu pacto, que haveis de guardar entre mim e ti e a tua posteridade depois de ti: todos os homens entre vós serão circuncidados” (...)  Este meu pacto será marcado na vossa carne como sinal de aliança eterna”. (Gênesis , 17;10,13.
Segundo a Bíblia essa operação no pênis teria sido instituída nos tempos de Abraão como marca distintiva da aliança que Deus fez com o povo de Israel.(Gênesis, 17:9). Sabe-se, entretanto, que esse ritual já era praticado muito antes dos tempos que se supõe Abraão tenha vivido, e em alguns casos até como medida de controle populacional, pois acreditava-se que tal operação concorria para diminuir a potência sexual masculina. Assim, era comum a tribo vencedora aplicar esse ritual em relação à população masculina da tribo vencida, costume esse que se observa ainda hoje entre algumas tribos africanas e do oriente, que o aplicam inclusive nas mulheres (excisão).[2] 
Zecharias Sitchin, autor de uma polêmica tese sobre a origem da civilização( que segundo ele teria vindo de um planeta chamado Nibiru), sugere que a chamada “marca de Cain”, na verdade, consistiu numa alteração cromossômica feita em Cain (ou a tribo que representaria esse nome) para que os seus descendentes não tivessem pêlos faciais. Banido, Cain teria vagado com sua família e seguidores por longas distâncias e Sitchin sugere que eles teriam chegado até a América Central e se fixado lá. Sua descendência, ignorada pela história, teria sido a base genética dos ameríndios, que têm com característica principal a ausência de pêlos faciais.
Data vênia ao historiador e escritor azerbaijano, a nossa hipótese (de que a marca de Cain é a circuncisão e ela não tem nada de demoníaca, maldição ou qualquer outra conotação que implique em estigma), nos parece bem mais lógica.[3]
A bem da verdade, todas as hipóteses merecem ser examinadas. Até porque as nossas crenças religiosas são, na maioria, fundamentadas em superstições ou fatos interpretados com finalidades francamente ideológicas. Afinal, não são poucas as teorias, algumas francamente odiosas, como as dos mórmons Joseph Smith e Brigham Young, que sugerem que a "marca de Cain" é a cor negra. Essa estapafúrdia idéia serviu, inclusive, para justificar essa que foi uma das maiores manchas morais que a humanidade já ostentou, ou seja, a escravidão e o tráfico negreiro, .[4] 
                                                                                         
De qualquer modo, vale a pena conhecer o trabalho de Zecharia Sichtin. Se não nos trouxer conhecimentos válidos, será, pelo menos, um bom estimulante para a nossa imaginação.[4] 
 

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(1) Provavelmente porque, sendo os primitivos israelitas um povo pastor, que costumava oferecer ao seu Deus sacrifícios de sangue, através da imolaçao de animais ou até de seres humanos (ver a referência à filha de Jefté e ao sacrificio do filho de Abraão, Isaque), essa tradição foi conservada nessa lenda. O mesmo ocorre com os povos cujas ofertas eram de produtos agricolas, o que originou os chamados festivais em homenagem a Ceres, Ísis e outras deusas patronas da agricultura.
[2] A excisão consiste na amputação do clitóris para que a mulher deixe de ter prazer na relação sexual. A finalidade é também controlar o crescimento da população.
[3] Na verdade, a circuncisão tem uma finalidade profilática, ou seja, trata-se de uma medida destinada a facilitar a higiene genital masculina. 
[4] Mas essas odiosas teorias não são originárias dos fundadores da crença mórmon, que simplesmente as adotaram de outros autores. Elas já haviam sido divulgadas antes por Efren, o Sirio (306-378) e vários doutrinadores cristãos, tanto católicos quanto protestantes, como por exemplo, Anne Catherine Emmerich. Na época da Guerra Civil Americana não foram poucos os pastores protestantes sulistas que pregaram essa monstruosa distinção como justificativa da sua causa escravagista. A propósito é bom informar que modernamente a igreja mórmon já não aceita mais essas teses.
[4] Zecharia Sitchin nasceu em Baku, Azerbaijão, à época, uma da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 11 de julho de 1920. Morreu em  Nova Iorque em  9 de outubro de 2010 . Suas teorias, acerca da origem extraterrestre da civilização humana corrobora teses anteriormente defendidas pelo jornalista sueco Erik Von Daniken, porém agora embasada na leitura científica da literatura suméria antiga. Sitchin foi consultor da NASA em projetos de viagens interplanetárias e acessor do exército americano nas guerras do Golfo Pérsico.