Resenha do livro Tão breve quanto o agora de Alvaro Posselt
ANTES DO DEPOIS DE AGORA
Autor: José Marins
Aceito a cantada que vem no título Tão breve quanto o agora e vou direto aos tercetos de Alvaro Posselt. Quando chego a este, percebo melhor o que estou lendo:
Eu juro de pé junto
Com o calor na capela
suava até o defunto
O autor, professor de Língua Portuguesa e revisor, é aluno de Millôr Fernandes. Alvaro não corrigiu o dito popular “eu juro de pé junto” para “eu juro de pés juntos”, como também não o fez Millôr em 1968, quando escreveu “Podes crer”, sem corrigir a gíria, anotou-lhe a graça:
Podes crer:
Com um dia de doença
Já aprendo a morrer.
Foi Millôr quem popularizou esse tipo de terceto com rimas a serviço de pequenos trocadilhos, dando sonoridade a breves jogos de palavras. Como neste exemplo:
Pretende um som belo
O homem que coça
A barriga do violoncelo?
Alvaro, por sua vez, refaz em seu estilo esse terceto, em uma interessante releitura:
Meu violão me intriga
Morre de tanto rir
quando lhe coço a barriga.
Tanto Millôr quanto Alvaro só desejam coçar a linguagem que leva à menor brevidade possível de um chiste. Se este pode ter um texto maior, como o de uma piada, nos tercetos do livro a duração é a prometida no título: o átimo do agora.
Então, me acorre à lembrança o melhor estudo que eu já li sobre chiste: o de Freud. O doutor do inconsciente esteve interessado na técnica do chiste, encontrou neles mais do que o jogo de palavras: o gracejo. Fico tentado a dizer que os tercetos alvarianos são trocadilhos, repetindo a frase de Freud: “ Vale a pena prestar atenção ao tipo de chistes, qualificados como ‘trocadilhos’.” O que importa aqui é a conclusão a que chega o mestre da Psicanálise: “Quando um gracejo possui substância e valor, torna-se um chiste. Um pensamento que merece nosso interesse mesmo se expresso na forma mais despretensiosa reveste-se agora de uma forma que nos proporciona prazer por seus próprios meios.”
Alvaro sabe que seus tercetos precisam de um parceiro indispensável, escreve para ele: o leitor. O objetivo sempre é alcançar esse outro e compartilhar com ele a sacada verbal, mas sem o compromisso de lhe dar uma estrutura acabada. Ao contrário, é justamente a quebra de estrutura um dos componentes de seus textos. Quando menos se espera, a ressignificação das palavras nos coloca novas possibilidades de leitura.
Se em 1905 Freud estudou o chiste porque via nele uma relação com o inconsciente e o tratou, sobretudo, como engendramentos do conteúdo, em 1930 André Jolles retomaria o estudo do mesmo como resultante da forma, incluindo-o em uma das “formas simples” da linguagem literária.
Será que o autor de Tão breve quanto o agora está pensando nessa relação conteúdo-forma quando escreve? Por exemplo:
Meu encontro já era
A lua desta noite
não ficou à minha espera
Penso que não. Não está visando a forma: um terceto, que às vezes tem métrica, noutras não, ou traz a rima ou subverte a grafia, mantém a sonoridade (flash / mexe; desânimo / heterônimo), mas sempre tem algo a revelar (conhecer Paris? / Deus me Louvre). Todavia, se no terceto acima temos um termo de estação (kigo), um elemento do haikai clássico, o terceto alvariano toma o kigo como foco de um gracejo. Talvez seja esse o terceto que mais se aproxime do haikai, uma vez que o hai (de hai-kai) significa humorístico, engraçado. Fica evidente que o poeta está utilizando o termo de estação não para dizer que “a lua desta noite” está presente, cheia e esplendorosa, deixando ativo no poema o significado desse kigo de outono: a principal lua do ano. Nesse haikai alvariano o autor busca o foco noutro significado: a lua como musa inspiradora, a lua dos poetas (haicaístas), e a lua de outono, fugidia, não escapa ao humor do poeta.
Esses tercetos convidam à brincadeira, é um jogo que se estabelece entre os textos e o leitor, pretextos para leituras. Algumas vezes remetem à exploração de conteúdos (Na minha feijoada / só a orelha do Van Gogh), ou a significados de palavras trocadas (riso / siso; Até a cabra / fica de bode), também é diversão retirá-las do sentido usual: Ninguém me liga / nem desliga / Ando meio stand by. Ou por aproximação metonímica: Só dorme com o machado / Livro de cabeceira. É, portanto, a linguagem, o material de trabalho alvariano.
Será que os tercetos de Posselt vingarão? Certamente, eles se inscrevem na boa tradição paranaense dos textos breves de humor de Eno Teodoro Wanke, Sérgio Rubens Sossella, Gabriel Kalinoski e A. A. de Assis.
Tenho uma queixa: os sessenta tercetos só deram-me a brevidade de um aperitivo, e me arrisco a imitá-lo:
Cobrarei, juro,
de pés juntos, quero
mais desse apuro.