Introdução
 
A Bíblia sempre foi meu livro favorito. Quando criança eu a lia como se fosse um livro de aventuras. Ao lado de Robinson Crusoé, o Conde de Monte Cristo, Ubirajara, D’Artagnan e os Três Mosqueteiros, o Príncipe Valente e outros heróis dos romances de aventura, eu também elencava Sansão, Gideão, Josué, os irmãos Macabeus, Estevão e Paulo e outros personagens do Velho e do Novo Testamento, como hóspedes constantes da minha imaginação infantil, ávida de modelos heróicos.
Na minha adolescência, e depois na juventude, a Bíblia se tornou para mim uma fonte de inspiração e sustentação de uma auto-estima que eu procurava afirmar. Então ela tomou a feição de um livro de auto- ajuda que eu constantemente consultava em busca de afirmação e emulação da confiança que procurava adquirir. A partir dai os exemplos que me serviam eram os dos homens que pela fé inabalável num sentido de missão afirmaram seus propósitos e conseguiram superar os obstáculos, enfrentando todos os perigos para chegar ao resultado pretendido, sem nunca duvidar de que estavam certos. Heróis formados na fé cristã como Estevão, São Sebastião e o lendário Percival, tornaram-se minhas referências.
Depois, na maturidade, comecei a ver a Bíblia como história e filosofia. Descobri então a fonte fecunda e perene de sabedoria e conhecimento que ela representava. Verifiquei que ela era a própria história da humanidade, com tudo que ela tem de bom e ruim, de vício e virtude, de ascensão e queda do espírito humano, em todas as etapas da sua vida sobre a terra e na sua ingente luta para domar a natureza e nela se afirmar como principal espécime.
Compreendi então o verdadeiro sentido de um livro que eleva o espírito humano até a divindade, e também o reduz à mais ínfima partícula de iniqüidade, fazendo do homem um deus e um demônio ao mesmo tempo.
Vejo hoje a Bíblia como um verdadeiro livro de atas, onde a experiência das primeiras civilizações foi registrada com exatidão e rigor. As imprecisões e as imagens que a muitos parecem absurdas, eu as compreendo como questões semânticas e de estilo literário, já que a Bíblia é um verdadeiro repertório de figuras de linguagem. Arsenal do simbolismo, ela retrata uma humanidade que ainda estava na infância mental e via o mundo como um teatro de prodígios onde tudo acontece miraculosamente, por intervenção de entidades divinas e não por ação de leis naturais. E dessa forma ela revela o inconsciente coletivo da humanidade e tipifica todos seus arquétipos na forma de exemplos de fé e ensinamentos morais.  
 
E não há nada de estranho nisso. Os gregos, que inventaram a lógica e o pensamento científico, também tinham as suas metáforas para prefigurar leis naturais e sociais. Atlas, por exemplo, era o arquétipo representativo da lei da gravidade, força que sustenta o equilíbrio da esfera terrestre. Aquiles, o símbolo da coragem e do destemor que o homem deve ter para enfrentar seus inimigos; Prometeu, o despertar da consciência, Jasão a curiosidade e o espírito de aventura, Zeus a força que controla os raios e as tempestades, Zéfiro, o vento, Vulcano o fogo, etc.
Também em relação aos vícios e virtudes da pessoa humana, os antigos sempre invocavam um arquétipo para representá-los.  Dionísio representava o prazer dos sentidos, Afrodite o clamor do sexo, Apolo a beleza física e assim por diante. Foi assim que Freud utilizou vários mitos gregos para ilustrar seus estudos sobre os conteúdos inconscientes da nossa mente.
Independente do fato de terem existido ou não (isso é o que menos importa), a saga dos personagens bíblicos metaforizam as melhores e as piores experiências da raça humana. Da paixão de Sansão á soberba de Jefté, da conformidade de Jó á impiedade de Josué, da crueldade de Herodes à mansidão de Jesus, tudo nos mostra as variantes do espírito humano na sua eterna procura por um modelo de comportamento capaz de lhe trazer a felicidade almejada. E só nesse sentido podem ser entendidos os caracteres controvertidos das personalidades de Davi e Salomão, por exemplo, capazes das mais excelsas virtudes, mas também fautores de condenáveis ações.
A Bíblia é o livro mais completo que jamais foi escrito em todos os tempos. Justifica-se que ele seja considerado realmente inspirado, não como uma indiscutível mensagem divina comunicada a uns poucos escolhidos, mas sim como um verdadeiro glossário de comportamentos á disposição do ser humano para que ele possa fazer a melhor escolha.
Dela se pode extrair uma imensa variedade de leituras. Pobre daquele que a ler de um único jeito. Seu resultado será uma visão unilateral que o conduzirá, inevitavelmente, a um fundamentalismo que fará dele não um verdadeiro ser religioso, mas um fanático intolerante e perigoso.
 
O fanatismo não é o resultado de crenças equivocadas nem de uma falha de percepção. É fruto da falta de perspectiva que algumas pessoas impõem a si mesmas, através da recusa em olhar o mundo por diferentes ângulos de vista.
É que a interpretação da vontade de Deus não está em livro algum, mas sim na cabeça de quem os lê. Por isso, agora, já numa fase da vida em que as influências me são postas mais por escolha própria do que por herança cultural, consigo ver a Bíblia também como um imenso poema, de uma beleza fundamental e necessária. Percebo que em cada uma de suas metáforas, perícopes e enunciados, os filósofos e poetas que nela tiveram seus pensamentos registrados produziram verdadeiras obras primas que merecem ser contados entre os arroubos mais sutis da inspiração poética.
E foi porque a vejo hoje como o mais belo livro de poemas jamais escrito, que selecionei algumas de suas histórias e ensinamentos e fiz esta coletânea de sonetos. Neles pus a minha visão particular e a estrutura da minha pobre arte. Se da primeira vier a merecer críticas, isso não me trará nenhum constrangimento. Mas da segunda peço antecipadamente perdão porque gostaria de ser mais competente na magnífica arte de Petrarca, Shakespeare, Camões, Olavo Bilac, Vinícius de Moraes e outros grandes poetas que deram grandiosidade à poesia, cultivando esta forma clássica de construção poética, que é o soneto.
Talvez eu tenha me metido numa empreitada superior à minha capacidade. Mas seja como for, me pagarei por qualquer leitor que se dignar a dar uma olhada, ainda que rápida e desdenhosa a estes meus sonetos. Aprendi muito e encontrei imenso prazer em coletar essas histórias e ensinamentos. E ao tentar resumir tudo nestes cento e vinte conjuntos de quatorze versos rimados.  É esse prazer e essa sabedoria que só a Bíblia contém que eu desejo compartilhar com os leitores nesta minha Bíblia Sonetada.
 
O SAL E A LUZ- A BIBLIA SONETADA


Introdução ao livro O Sal e a Luz, A Bíblia Sonetada. Lançamento programado para o mês de novembro 2012, pela Ed. Scortecci. 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 24/10/2012
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