"CAIXA PRETA" / "OCIDENTE" (Nilson Galvão)
Dois livros de um mesmo poeta, o baiano Nilson Galvão, editados pela coleção Cartas Bahianas, do selo P55 Edições, revelam-se leituras complementares, diferentes, surpreendentes e... profundamente poéticas! Se ambos foram escritos sob os fluidos da sublimação, os códices adotados pelo autor, todavia, revelam sutilezas bem peculiares para cada uma das obras.
O livro “Caixa Preta”, de 2009, é um invólucro de alguém que estréia sem subterfúgios, com a narrativa e a poética de quem quer falar, e tem o que falar. Principiando com um inusitado “Poema de uma linha só”: “Leveza, nessa vida, é a linha de partida.”, o poeta diz logo de cara a que veio: buscar o espanto criativo, solapar a base estabelecida, duvidar, questionar e liricar. Pois não se é bom poeta sem a prerrogativa da intenção poética. E nisso Nilson Galvão dá mostras de vivacidade muito sagaz e original.
Outro exemplo sucinto é “Todo intervalo, toda pausa, algo em tudo denuncia / o vão. Onde não somos e no entanto ousamos / caber. E é inútil saber [...]”, em “O vão das coisas”. Mais adiante, agora em duas linhas, temos outra lírica rica em “A palavra coisa”: A palavra coisa, que estranha: / feito objeto sem forma.
Mais alguns passos e o poema “Crendo, crendo”, bem mais longo, revela todo o imã por onde se orienta a bússola do poema. Extraio um pequeno excerto só para aguçar a vontade do leitor: “Todos deveriam deixar de saber / um dia. Nossas idéias esquecidas / numa caixa de guardados / sem uso, nossos corações em dúvida.[...]”
O livro todo se mantém coeso com a proposta poética do também jornalista Nilson Galvão. Essa coerência está em todo o seu pomar poético, já que o ritmo, a imaginação, o ineditismo e a singularidade do artista permeiam toda a caixa preta, até a última página.
“Ocidente”, seu segundo livro pela mesma editora, é de safra colhida neste ano. Nele, percebe-se que, se sobrava maturidade ao poeta estreante, agora somam-se outros atributos: suntuosidade, estilo, mais conhecimento e – claro! – inspiração ainda mais solar. Nilson desengaveta aqui seus sortilégios estelares, verdadeiras pepitas de jóia rara, como em “Sal e pimenta”: “[...] E penduramos a dor como no / açougue: sangrando, sangrando, até ficar / exangue e pronta para ser levada por aí, / alimento nas intempéries. [...]”
Em outro momento feliz do livro, “Guia de viagens”, o curto poema diz com perspicácia: “A fé conduziu / Dante. / O ácido, Huxley. / Vai-se, de um jeito / ou de outro, ao inferno / e ao céu.” Os versos redondos fecham-se com argúcia e – agora sem as dúvidas do iniciante – instauram um “e” na última linha, que bem poderia suscitar um desgosto crente. Bastava para isso um “ou”, mas o poeta preferiu a ousadia e destreza de suas certezas.
Ganham todos, aquele que escreve, o que lê, quem reflete, e quem, como eu, ceticiza.
Mais sobre o autor: http://nilsonpedro.wordpress.com/