FANNY HILL SEGUNDO PETER WAGNER

Embora pouco conhecido Fanny Hill ou Memórias de uma Mulher de Prazer do inglês John Cleland é um dos grandes clássicos da literatura do sec. XVIII e uma das mais singulares peças da literatura erótica De todos os tempos.

Peter Wagner na rigorosa e precisa introdução que faz a obra nos chama atenção para as interseções entre literatura erótica e o pensamento revolucionário no contexto do sec. das Luzes de modo muito competente ao observar que

“Até o começo dos anos 60 deste século (sec.XX), os especialistas em literatura achavam os aspectos sexuais de Memórias de mau gosto e haviam decidido ignorar a história da ficção licenciosa e da pornografia do século XVIII era preferível a ter que lidar com o problema desconfortável, ainda que significativo, da sexualidade humana conforme retratada na literatura. Dada a importância da pornografia literária como veículo de pensamento revolucionário na era do Iluminismo, parece difícil acreditar que os historiadores literários tenham sacrificado a precisão tanto histórica quanto literária em benefício do senso de adequação do século XX, ignorando a imensa quantidade de erótica agressiva, anticlerical e antiaristocratica que propagou ideias de revolução moral, filosófica e politica. Memórias de uma Mulher de Prazer é revolucionário em sua mensagem aberta a favor do prazer do sexo e da sexualidade, mensagem que ia de encontro ao que os romancistas tais como Defoe e Richardson haviam contado aos seus leitores. Tal como outras obras licenciosas de ficção do século XVIII, Memórias não é nem inútil nem desprezível, quando visto em relação ao avanço da ciência, ao ensinamento dos philosophes e às forças por trás da Revolução Francesa. O romance de John Cleland é único, no sentido de que combina elementos tanto da literatura francesa quanto da literatura inglesa numa paródia secularizada da confissão cristã: também combina duas formas literárias, a biografia devassa e o diálogo devasso, mesclando-as naquilo que se tornou o principal romance da ficção erótica inglesa.”

Peter Wagner. Apresentação; in John Cleland; Fanny Hill: Memórias de uma Mulher de Prazer/ tradução de Eduardo Francisco Alves; SP: Estação Liberdade, 1997; p.23

É por sua amoralidade latente, fino senso de humor e ironia, que Memórias se revela uma divertida experiência literária cuja narrativa parece brincar com a moral e pensamento burguês oitocentista, revelando certos aspectos marginais do Iluminismo a partir de uma verdadeira filosofia erótica que o faz merecer o epiteto de “épico cômico do orgasmo” que lhe foi dedicado pelo critico literário George Steiner.

Como conclui Wagner,

“Seja como romance, paródia ou ficção licenciosa, Memórias de uma Mulher de Prazer é um autêntico produto de sua época. Foi-lhe injustamente recusado um lugar na história do romance inglês; mas a sua rejeição da moral sexual puritana, a sua afirmação de uma sexualidade e uma sensualidade naturais, e a sua mensagem não-repressiva do prazer erótico controlado pela razão caracterizam-no como uma voz do Iluminismo moderado. Como tal, mas também devido ao seu valor histórico e literário, inerente e inegável, Memórias, de Cleland, merece um lugar adequado, em companhia de outros importantes romances da primeira metade do século XVIII.”

Idem p. 38

Pessoalmente, mas do que um valor histórico ou simplesmente literário, vejo nesta rara narrativa erótica algo de surpreendentemente contemporâneo. Talvez por sua desconstrução dos tabus sexuais e amoralidade desconcertante para a moral puritana de ontem e, por mais improvável que pareça, ainda dos dias de hoje.