CONTOS DE FADAS E PSICANÁLISE

Os contos funcionam como espécie de "rito de passagem" antecipado. Isto é, não só auxiliam a criança a lidar com o presente, mas ainda a preparam para o que está por vir, a futura separação de seu mundo familiar e a entrada no universo dos adultos.

Os contos operam com a divisão estabelecida por Freud, entre o princípio do prazer (excesso de gula, de avareza ou desperdício, de curiosidade) e o princípio de realidade (aprender a protelar o prazer, a discriminar os afetos e condutas, a moderar os impulsos).

Em chapeuzinho vermelho e o lobo mau, Há duas figuras masculinas antagônicas: o sedutor animalesco e perverso, que usa a boca (tanto para seduzir como para comer) e o salvador humano e bom, que usa o fuzil (tanto para caçar quanto para salvar).

Há três figuras femininas: a mãe (ausente) que previne a filha dos perigos da floresta; a vovó (velha e doente) que nada pode fazer, e a menina (incauta) que se surpreende com o tamanho dos órgãos do lobo e, fascinada, cai em sua goela.

A sexualidade do lobo aparece não só como animalesca e destrutiva, mas também "infantilizada" ou oral, visto que pretende digerir a menina (o que poderia sugerir, de nossa parte, uma pequena reflexão sobre a gíria sexual brasileira no uso do verbo comer).

A expressão, muito usada antigamente, "esperar pelo príncipe encantado" ou "pela princesa encantada" não queria dizer apenas a espera por alguém muito bom e belo, mas também a necessidade de aguardar os que estão enfeitiçados porque ainda não chegou a hora do desencantamento.

Gata Borralheira vai ao baile (primeiros jogos amorosos, como a dança dos insetos), mas não pode ficar até o fim (a relação sexual) sob pena de perder os encantamentos antes da hora. Deve retornar à casa, deixando o príncipe doente (de desejo), e com o par de sapatinhos momentaneamente desfeito, ficando com um deles, que conserva escondido sob as roupas.

(Seria interessante observar a necrofilia do belo príncipe, pois pretende levar a morta em sua companhia)

Lutar contra padrastos, madrastas e seus filhos é mais fácil do que lutar com pai, mãe e irmãos.

Na maioria dos contos, o pai é indiretamente responsável pela maldição ou pelas desventuras da filha.

medo que a criança tem da rejeição (ser morta pelos pais)

Em certo sentido, pode-se dizer que não o prazer e sim o pavor sentido por algumas crianças é que poderia ser considerado como uma espécie de aviso ou de alerta de uma sexualidade com sofrimentos e dificuldades

Essa literatura, pretensamente realista, substitui a criança sabida, inventiva, crédula e astuta, amedrontada e valente, pela criança tonta e "bem-intencionada".

Será Freud o primeiro a captar que Eros e Psique não são dois entes separados perpetuamente buscando um ao outro, mas que são um só e mesmo ser: Eros (o desejo) habita Psique (a alma).

o laço que enlaça em terno e fundo abraço, é a sexualidade humana, perpetuamente reprimida.

(Resenha do livro: Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida, Marilena Chauí, Ed. Brasiliense, 1984, pág. 32-54)

FSantana
Enviado por FSantana em 21/09/2012
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