Que hei de fazer se de repente a manhã voltar?
Que hei de fazer?
— Dormir, talvez chorar
”.

(Manoel de Barros)


Escritos em verbal de ave - Manoel de Barros
publicado na net por Tiago Pinheiro

A primeira coisa que salta aos olhos no novo livro de poesia de Manoel de Barros (1916-) é o seu formato. Escritos em verbal de aveé formado por uma encadernação e uma grande folha, dobrada em seis partes. Assim, a pequena história em versos que abre as primeiras partes da obra envolve o conteúdo desse grande plano poético, no qual estão espalhadas pequenas trincas, semelhantes aos haikais. O livro de Manoel de Barros cumpre sua promessa: é uma obra ornitológica, em que vamos ciscando versos nesse chão de onde brota a poesia.

Como é costumeiro em sua obra, a poesia aqui é uma volta à infância das palavras. Trata-se de buscar, pelo personagem Bernardo, que já aparece em livros anteriores, um desentranhamento da liberdade perdida, das pessoas e das palavras, quando o sentido foi imposto (aos dois):

Significa
reduz novos sonhos
para as palavras

Por isso, Bernardo é, ao mesmo tempo, inventor e naturalista, alguém que aprendeu a criar coisas impossíveis, “desobjetos”, tais como o “guindaste para levantar vento” ou “o ferro para engomar gelo”, observando seus mestres na natureza: o caracol, a rã e, é claro, a ave. A presença constante deles nos versos da grande página “central” (apesar de só haver duas) reforça essa sensação de que estamos diante de uma poesia ao mesmo tempo contemplativa e criativa, “poemas concebidos sem pecados” (para lembrar o título de seu primeiro livro, de 1937), entre um cristianismo arcaico e um zen budismo diante dos cenários do Mato Grosso, de onde se origina o poeta.

São os sentidos – principalmente a visão e o tato – que fornecem uma porta de entrada de volta a relação com as palavras, assim com a natureza. Para Manoel de Barros, existe sim uma natureza das palavras, no sentido biológico mesmo desse termo. É preciso aprender a manifestá-la, a tocá-las, da mesma maneira como as lesmas “lambem as pedras” ou como o vento “semeia borboletas”.

Visões descobrem
descaminhos
para as palavras

Triste dizer que esse livro também é um funeral. A sabedoria de Bernardo é fugaz como o próprio universo de suas invenções: mal a vislumbramos e ela já some. Só não podemos esquecê-la ou mesmo deixar de reacendê-la, de cantá-la a cada manhã como fazem os pássaros e assumir novamente sua morte ao fim do dia, com cáustico sol num último momento de brilho, em que sentido tudo desaparecer: “De tarde o deserto já estava em nós”.

É para esse enorme chão poético que todos nós voltamos.

 Título: Escritos em verbal de ave

Autor: Manoel de Barros

Paginação especial

Preço: de R$  20,00 à 34,00 - preços diferenciados em várias editoras.