MARÍA DUEÑAS - "O tempo entre costuras"


          María Dueñas, Professora da Universidade de Múrcia, nos apresenta esse compêndio bem elaborado sobre espionagem, ação, aventura, e ao final nos afirma que foi, de fato, espiã do Serviço Secreto britânico por quatro anos (até 1945). A personagem se tornou, segundo ela, “uma virtuose do jogo duplo”. É um livro que pede fôlego!... são 478 páginas de deliciosas emoções.
A personagem Sira Quiroga, uma atraente costureira, inovadora e perspicaz, protagoniza esta aventura, que se inicia nos anos 30, numa Madri onde começava uma certa turbulência, a tensão política impregnava todas as esquinas, era a Segunda República Espanhola que se afundava numa triste guerra civil.
          Maria Dueñas descreve cuidadosamente os detalhes, tantas idas e vindas da protagonista, frágil e incansável trabalhadora, que um dia se apaixona perdidamente por um disfarçado bem-sucedido e rico comerciante, e parte com ele para o romântico Marrocos, meses antes da Guerra Civil (1936-1939), e se vê triturada por um mundo de obsessivos interesses e crueldades. Parte para a espionagem, sem escolha, sem saídas.
“Os anarquistas queimavam igrejas, os falangistas sacavam pistolas com pose de valentões”... este é o clima que percorria Madri. Mudanças consideráveis foram se iniciando naqueles anos, tanto lá quanto em toda a Europa. Por sua importância estratégica o Marrocos era alvo constante de grandes disputas.
A personagem se vê em apuros com dívidas e falcatruas que o ex-amor (sumido) lhe deixou de herança! Monta um atelier de costura com o aprendizado que teve com sua humilde mãe, fantasia-se de poderosa mulher, e com a ajuda de novos amigos consegue imprimir requinte e status a sua vida.
          A autora descreve com detalhes a vida no norte da África: -“Saímos da rua Luneta e adentramos o Mellah, o bairro judeu; atravessamos suas ruas estreitas e organizadas enquanto em silêncio eu rememorava os passos sem rumo da noite das armas. [...] Chegamos, a seguir, aos becos mouros do antigo bairro árabe, com sua rede de labirintos na qual eu ainda tinha dificuldade de me orientar. Apesar da altura do salto e da estreiteza tubular da saia, eu tentava caminhar em um trote apressado pelos paralelepípedos. A idade e a tosse, porém, impediam dom Anselmo de manter meu ritmo. A idade, a tosse e sua incessante conversa sobre o colorido e a luminosidade das pinturas de Bertuchi, sobre seus óleos, aquarelas e nanquins, e sobre as atividades do pintor como promotor da escola de artes nativas e a preparatória de Belas-Artes”. Sira foi tomando conhecimento do luxo, do mundo das artes, e passou a conviver com a elite de Marrocos. Alguns personagens como a excêntrica inglesa Rosalinda Fox, Juan Luis Beigbeder, existiram de fato, e como amigos de Sira, a projetaram num mundo de espionagem. Outros também aparecem no torvelinho da trama: Marcus Logan, Manuel da Silva e Alan Hillgarth. Sua estadia em Tetuán, capital do Protetorado espanhol no Marrocos, foi deveras emocionante, cheia de tensão e suspense. Embora o Marrocos fosse colônia da França ferfilhavam as festas da decadente alta sociedade européia. O enredo se desenrola em função de que, nos intervalos entre produções de alta costura, Sira pesponta o código Morse nos moldes fictícios que cairão nas mãos de outros espiões. Numa prosa belíssima combinando personagens fictícios e reais, Maria Dueñas nos envolve nessa incrível trama.
          Tempos depois do atelier no Marrocos virar um point pras socielites, Sira teve de deixá-lo a cargo de sua mãe, e voltar pra Madri, sua terra natal, destroçada pela guerra civil. O ofício de espiã exigia que ela se transferisse sem mais nem menos, para onde o serviço secreto a enviava. Montou outro atelier tão refinado quanto aquele do Marrocos e colocou todo o empenho em seu sucesso.
Os hotéis eram lugares sempre frequentados por Sira e os demais espiões que não se conheciam. A Alemanha, que estava às voltas na segunda guerra, era tema recorrente em suas conversas, embora a Espanha não tenha sido muito atingida. Ainda assim, foi terreno fértil para alguns alemães tentarem obter vantagens sobre ingleses e aliados. Palavras de Sira: “Chovia naquele sábado sobre o Museu do Prado. Enquanto contemplava extasiada, os quadros de Velázquez e Zurbarán, o homem anódino do guarda-volumes recebeu minha pasta e, dentro dela, um envelope com onze mensagens que, como sempre, chegariam sem demora até o adido naval”. Assim era sua vida, passeios à museus, restaurantes caros, hotéis chiques, uma vida fascinante e perigosa.
          Depois de quase ser descoberta pela SS alemã, Sira foi enviada para Lisboa e entre cassinos e gente rica destilava sua ambígua personalidade estonteante: “- Aliás, a baronesa Stohrer, esposa do embaixador, comentava em sua última visita a meu ateliê que Madri se transformou em uma colônia ideal para os alemães” – confabulava com seus amigos na nova capital. Claro, que espiões de outros lados se infiltravam por toda a parte e ela acabou ficando na berlinda: ou fugia ou iriam capturá-la. Assim que soube que seus amigos queridos, incluindo Marcus Logan (sua paixão), estavam na lista de “queimas de arquivo”, preparou uma saída audaciosa rumo à fronteira espanhola.
Foi numa corrida estabanada fugindo de atiradores que tinham descoberto sua verdadeira identidade, que Sira viveu momentos eletrizantes:
- “Uma sensação estranha me invadiu. De pavor misturado com alívio, de fraqueza e raiva ao mesmo tempo. O sabor da traição, talvez. Mas eu sabia que não tinha razões para me sentir traída. Eu havia enganado Manuel escondida atrás de uma atitude banal e sedutora, e ele havia tentado me dar o troco sem sujar as mãos nem perder sua elegância. Deslealdade por deslealdade, assim funcionavam as coisas.”
Ao final, espiões ingleses se encontram pra jantar e brindam à vida, e então, Marcus Logan e sua Sira desaparecem sem deixar rastros, como convém a bons espiões!
(Em março de 1956, a França concedeu a independência ao Marrocos, e logo depois, em abril do mesmo ano o Protetorado Espanhol em Tétuan chegava ao fim).


Original: El tiempo entre costuras, ano 2009 – Editora Planeta do Brasil.
               Tradução Sandra Martha Dolinsky – São Paulo 2010.

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                                                                                               IZABELLA PAVESI