WYLER, Lia. Língua, poetas e bachareis: Uma crônica da tradução no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 2003.
Línguas, poetas e bachareis: Uma história da tradução no Brasil, de Lia Wyler é um estudo que tem como ponto de partida os enfoques na tradução, quer oral ou escrita; a tradução na Corte; do romance-folhetim e no teatro; a tradução-indústria, e a tradução na década de 70.
Para a estudiosa o entendimento do desenvolvimento da tradução no Brasil aponta para resultados sobre o processo e o ofício de traduzir ao longo dos anos da civilização brasileira até a década de 70.
Para atingir o objetivo a que se propôs, Wyler pesquisou fontes relevantes, entre as quais: Amorim; Baranov; Carneiro; Diegues Jr; Eco; Fernandes; Holanda; Kingsolver; Lacombe; Magaldi; Nunes; Paes; Rocha; Salvador; Taunay; Venuti; Xavier.
A tradução oral no Brasil, segundo a autora “tem sido desde sempre descontínua. Essa característica pode ser observada nas línguas fonte e alvo, na condição social do tradutor, na sua cooptação pelas instituições, na formação de associações de tradutores, nas políticas editorais, nas teorias e publicações sobre tradução” (p. 29).
Quanto ao contexto geral da tradução no Brasil, prevaleceu até as proximidades da segunda metade do século XX a tradução escrita essencialmente acadêmica e uma atividade realizada apenas por prazer intelectual das elites intelectualizadas.
A tradução na Corte “refletia a ideologia do Século das Luzes, responsável pela priorização do ensino das ciências na Universidade de Coimbra, pelas expedições científicas do Império Português, a concessão de bolsas de estudos em grandes centros europeus, a divulgação das ideias dos enciclopedistas e a fundação da Academia Real de Ciências em Lisboa”. (p. 73)
O romance-folhetim e teatro serviram como fios condutores do romance popular europeu “à nossa novela televisiva e assegurou, juntamente com o teatro, o desenvolvimento da tradução no século XIX”. (p. 91)
A tradução-indústria teve seu marco inicial no século XIX, quando ganhou significativa ênfase “no teatro e nos jornais, contornando os muitos fatores que convergiam para entravar a produção de livros nacionais e traduzidos”. (p. 107).
A década de 70 tem relação com o momento histórico em que “Wilson Martins afirmou que durante a Era Vargas o grande ‘volume de traduções dava consistência à vida literária e, além da receptividade psicológica aos livros brasileiros, asseguraria a consolidação da indústria editorial’, o que “poderia ter estabelecido que o grande volume de traduções daria consistência à vida industrial do país e, além da receptividade psicológica aos livros brasileiros, asseguraria a consolidação do ofício de traduzir desvinculado do de poetar”. (p. 133).
A importante obra de Lia Wyler compõe um nítido perfil da história da tradução no Brasil, a exemplo do que disse sobre a tradução oral, quando “um número expressivo de intelectuais se reuniu em torno de Paulo Rónai e Raimundo Magalhães Júnior e fundou, em 1974, a Associação Brasileira de Tradutores _ Abrates. Durante mais de uma década a Abrates desempenhou um papel muito ativo aglutinando tradutores e intérpretes em congressos e assembleias para discutir as especificidades da profissão e suas reivindicações”. (p. 47 e 48).
Importante marco para o funcionamento da Abrates foi a publicação do Decreto n. 82.990, de 5 de janeiro de 1979. Esse documento inclui finalmente, o ofício da tradução no grupo de nível superior do serviço público, os profissionais que receberam denominações como “língua, cabo, sertanista, assistente de confessor e de médico e visitador de navios”. (p. 48).
Acerca da tradução escrita, Wyler, considerou que, “se somarmos a produção dos tradutores em destaque e dos que trabalharam na oficina do Arco do Cego, (...) poderemos argumentar que houve uma mudança quantitativa e qualitativa na produção dos tradutores, prenunciadora do surgimento de um tipo de tradução a que chamam ‘técnica’ até os dias de hoje”. (p. 68).
Para concluir a reflexão sobre a tradução na Corte, a estudiosa acrescenta que a remuneração dos profissionais era vergonhosa e que “como atividade, no entanto, a tradução prosperou, e particularmente em duas áreas chegou a se desenvolver de maneira notável: a do romance-folhetim e a do teatro”. (p. 88-89).
Em se tratando especificamente do romance-folhetim e do teatro, admitiu: “Pode-se dizer que o empenho rumo à construção de uma dramaturgia nacional, foi-se esgotando e hoje constata-se, folheando os jornais e revistas de fim de semana, que o número de peças adaptadas de originais estrangeiros é superior ao de inspiração nacional, o que confirma a avaliação de Magaldi de que ‘toda a história do teatro brasileiro até agora se resumiu em um jogo dialético de pequenos surtos de afirmação nacionalista e grandes hiatos de imitação dos padrões europeus” (p. 104).
A tradução-indústria sob o comando da Globo, de Porto Alegre, continuou a lançar coleções “fortemente respaldada por excelentes traduções técnicas, literárias e de obras de referência, como o inigualável Dicionário Inglês-Português de Leonel Vallandro e Lino Vallandro, até ser comprada em 1986 pela Rio Gráfica Editora, empresa do grupo Info-Globo Comunicações Ltda., do Rio de Janeiro” (p. 130).
Quanto à década de 70, Wyler pondera que o problema da tradução “é tanto mais espinhoso porque não se restringe apenas à formação e condições de trabalho do tradutor, ou à teoria da tradução que causaria menor dano à nossa cultura, amplia-se para abranger a formação daqueles que têm a função de julgar a competência dos candidatos a executar serviços de tradução”. (p. 150).
O que se tem a considerar após a leitura do trabalho de Lia Wyler é quanto à imprescindibilidade dessa obra sobre a historiografia da tradução no Brasil, cujos aspectos se acham perfilados e conduzidos didaticamente. Dessa forma, o estudo alcança seus objetivos e consegue despertar o interesse daqueles que investigam a tradução no país.
Lya presta uma contribuição para os apreciadores do ofício de traduzir, para aqueles que a este ofício se dedicam entre as dificuldades que o campo tem oferecido ao longo da história, até a década de 70, mas que são basicamente as mesmas tendo em vista que só muito recentemente a Universidade se posiciona e alguns cursos de Letras, no Brasil, já dispõem da especialização, tanto em interpretação da oralidade quanto em tradução de textos escritos.