EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: Uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006
A obra referenciada se dedica a estudar a literatura e busca tornar inteligível aos leitores o conceito da moderna teoria literária. Acrescenta o autor, literalmente, no Prefácio, que a sua pretensão é a de “oferecer àqueles que têm pouco ou nenhum conhecimento do assunto uma descrição razoavelmente abrangente da moderna teoria literária”.
A hipótese que o estudioso levanta é a de que não existe uma “teoria literária” no sentido de um corpo teórico que se origine da literatura, ou seja, exclusivamente aplicável a ela.
O autor utilizou uma vastíssima e diversificada bibliografia. Entre as fontes, se encontram autores a exemplo de Lee, Ann Jefferson; Derrida; Mathew; Saussure; Foucault; Freud; Lucáks; etc. A obra ainda apresenta um Posfácio e índice remissivo, além de inúmeras notas explicativas.
O conceito de literatura esboçado por Eagleton começa por considerar que “Muitas têm sido as tentativas de definir literatura. É possível, por exemplo, defini-la como a escrita ‘imaginativa’, no sentido de ficção _ escrita que não é literalmente verídica. Mas se refletirmos, ainda que brevemente, sobre aquilo que comumente se considera literatura, veremos que tal definição não procede. (...). A distinção entre ‘fato’ e ‘ficção’, portanto, não parece nos ser muito útil, e uma das razões para isso é que a própria distinção é muitas vezes questionável. (...). Além disso, se a literatura incluiu muito da escrita ‘factual’, também exclui uma boa margem de ficção. (...). O fato de a literatura ser a escrita ‘criativa’ ou ‘imaginativa’ implicaria serem a história, a filosofia e as ciências naturais não-criativas e destituídas de imaginação?” (p. 2-3).
Como se pode constatar, Eagleton argumenta de forma lógica e irrecorrível, mesmo porque o componente imaginação é intrínseco à condição humana e uma chancela para a criatividade, a originalidade.
Quer a obra seja prioritariamente característica das belas letras ou da linguagem técnica, em algum patamar a imaginação tem seu lugar garantido. As grandes descobertas da humanidade, a exemplo do cinema, do telefone, do avião e tantas outras têm uma ligação indiscutível com o imaginário. Ou não teria o homem sonhado voar como os pássaros ao pensar o avião? Ousamos dizer que, a técnica prevalece na concretização de uma aeronave, mas a alma desse engenho da mente humana está relacionada ao sonho de Ícaro, à poesia contida em seu desejo de voar como as aves.
Eagleton conclui sua Teoria da Literatura asseverando que “Se não é possível ver a literatura como uma categoria ‘objetiva’, descritiva, também não é possível dizer que a literatura é apenas aquilo que, caprichosamente, queremos chamar de literatura. Isso porque não há nada de caprichoso nesses tipos de juízo de valor: eles têm suas raízes em estruturas mais profundas de crenças (...). Portanto, o que descobrimos até agora não é apenas que a literatura não existe da mesma maneira que os insetos, e que os juízos de valor que a constituem são historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Eles se referem, em última análise, não apenas ao gosto particular mas aos pressupostos pelos quais certos grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre os outros”.
O autor não exagerou em sua assertiva, pois, evidente é a tentativa social de condução e manipulação não apenas do gosto literário, mas também de toda e qualquer arte. Há sempre os que ditam o que é a boa literatura, a boa música, o bom cinema, a boa arquitetura, e assim por diante.
Sobre a ascensão da literatura na Inglaterra, Eagleton faz uma severa observação às posições do crítico William Empson, taxando-o de “impenitente adversário das principais doutrinas dessa corrente” _ (*refere-se à Nova Crítica).
Continua Eagleton, de forma muito lúcida e contundente, tecendo uma crítica que faz todo o sentido e demonstra sua agudeza de observador ao acrescentar: “O que faz Empson parecer um crítico novo é seu estilo de análise exaustiva, a surpreendente engenhosidade despreocupada que mostra até mesmo as nuanças mais sutis do significado literário. Mas tudo isso é posto a serviço de um racionalismo liberal antiquado, profundamente conflitante com o esoterismo simbolista de um Eliot ou de um Brooks (...)”.
Em sua argumentação, Eagleton se refere ao coloquialismo da prosa de Empson e à sua “poética liberal, social e democrática, atraente, com todas as suas estonteantes idiossincrasias, para as simpatias e expectativas semelhantes de um leitor comum, e não para as técnicas tecnocráticas do crítico profissional” (p. 79-80).
Quanto á Fenomenologia, Hermenêutica e Teoria da Recepção, Eagleton leva em conta que “alguns estudiosos e críticos de literatura podem se preocupar com a possibilidade de um texto literário não ter um único significado ‘correto’, mas provavelmente não serão muitos a ter essa preocupação. É mais certo que se deixem seduzir pela ideia de que os significados de um texto não estão encerrados nele, (...) mas sim que o leitor tem um papel ativo nesse processo. Nem se preocupariam com a ideia de que o leitor não chega ao texto virgem, por assim dizer, imaculadamente livre de envolvimentos sociais e literários anteriores, como um espírito totalmente desinteressado ou como uma folha em branco, para a qual o texto transferirá todas as suas próprias inscrições. De um modo geral, admite-se que nenhuma leitura hoje é inocente, ou feita sem pressupostos. Poucas pessoas, porém, levarão às últimas consequências as implicações dessa culpa do leitor” (p. 134-135).
Por certo a culpa não caberia ao leitor e sequer ao autor/criador. Cada um faz parte de um contexto específico e os microcontextos se aglomeram até que se forme o macrocontexto. Saliente-se que a formação dos contextos têm uma imensa mobilidade e esta mobilidade é infinita. A literatura não existe de per si e é produto da imaginação do homem em sua busca eterna pela comunicação com o seu semelhante. Alongar este pensamento por certo nos levaria por longos caminhos da filosofia e pelo mundo das ideias de Platão. Então se diria que a literatura e a ciência têm origem nesse mundo.
No caso do Estruturalismo e da Semiótica, Eagleton chegou à conclusão de que “com o pós-estruturalismo, trouxemos a história da moderna teoria literária até a atualidade. Dentro do pós-estruturalismo como um método, existem conflitos e diferenças reais cuja história futura não pode ser prevista. Há formas de pós-estruturalismo que representam um alheamento hedonista em relação à história, um culto da ambiguidade ou do anarquismo irresponsável; outras formas existem, como ocorrem com as pesquisas extraordinariamente ricas do historiador francês Michel Foucault, que embora possuindo sérios problemas, indicam uma direção mais positiva” (p. 226).
Quanto à questão da Psicanálise, Eagleton afirma que “uma das razões pelas quais precisamos investigar a dinâmica do prazer e do desprazer é a necessidade de sabermos qual volume de repressão e de adiamento da satisfação uma sociedade pode tolerar; como o desejo pode ser desviado de finalidades que consideramos dignas para outras que o menosprezam e degradam; como homem e mulheres concordam por vezes em tolerar a opressão e a indignidade, e em que pontos essa submissão pode falhar” (p. 290-291).
Na conclusão mais abrangente, no capítulo Crítica política, Eagleton admite que, “se hoje a literatura tem importância, isto se deve basicamente ao fato de nela se ver, como ocorre a muitos críticos convencionais, um dos poucos espaços remanescentes nos quais, em um mundo dividido e fragmentado, ainda é possível incorporar um senso de valor universal; e nos quais, em um mundo sordidamente material, ainda se pode vislumbrar um raro lampejo de transcendência. Daí procedem, sem dúvida, as paixões intensas, até mesmo virulentas e de outro modo inexplicáveis, que tendem a ser desencadeadas por uma atividade tão minoritária e tão acadêmica quanto a teoria literária” (p. 365).
Se os críticos da teoria literária são intensos, apaixonados e virulentos, as ideias de Eagleton não deixam por menos, pois, as suas afirmações são fortes e determinadas, além de muito razoáveis.
Em busca de conceituar a literatura, o autor consegue passar ao leitor o quão desconfortável se sente diante de tantos quereres, de tantas opiniões e de tantos argumentos que, em sua visão, mais atrapalham do que constroem um conceito mais delineado e preciso do que é a literatura.
A crítica literária é acusada de academicista e apegada ao passado. O pensamento do autor procura se desvencilhar de padrões e com isto parece enfrentar um sofrimento e uma angústia maiores por não alcançar o devido distanciamento e isenção, tendo em vista que ele, o estudioso, tem a consciência de que a sua argumentação não é pura, não é virgem e nem isenta, colocada que se encontra também em um contexto intelectual que o subjuga. Mesmo assim, a sua luta pelo sentido de abertura de uma visão mais abrangente da literatura consegue convencer o leitor a se desapegar de padrões e estereótipos ensinados e veiculados secularmente. Afinal, a ideia que fica mais nítida é a de uma luta por um processo de libertação do olhar sobre a literatura e da sua vocação democrática.