Dom Camurro - Machado de Assis

Dom Casmurro

Personagens:

Bentinho - Filho único, educado para ser padre, passivo, sem amigos, sem altivez.

Capitu – Fagueira, esperta, determinada.

José Luis – Figura intrigante. Agregado, pois estava de passagem pela fazenda e o pai de Bentinho pediu para que ficasse. Amigo e da família, além de ter ascendência sobre

D.ª Glória. Parecia um homem bom e solícito, mas também sua condição de agregado lhe fizesse assim.

Escobar – Amigo de Bentinho, bonito, inteligente, sagaz.

Sancha – Amiga de Capitu, tranquila, passiva.

D.ª Glória – Mãe de Bentinho, viúva, firme, soberana.

Tio Cosme – Aparece pouco e opina menos ainda. Outro agregado na casa de D.ª Glória, apesar de ser seu irmão.

Prima Justina – Parecia uma senhora boa, mas escondia certa inveja, pois era agregada também e vivia de favores. Guardava certa amargura.

Pádua – Pai de Capitu.

Resumo

Bentinho, como era conhecido, já nascera para ser cumpridor de uma promessa que sua mãe fez. D.ª Gloria, senhora muito educada, que havia perdido seu primeiro filho e para que não perdesse o próximo, fez a promessa de que o filho iria estudar no seminário e seguiria a carreira de padre. Bentinho era filho único, não tinha amigos e vivia na companhia de Capitolina (Capitu), que era da mesma idade. José Dias, agregado desde muito tempo, viu Bentinho crescer e perder o pai. José Dias praticamente se tornou um membro da família e tinha total liberdade com D.ª Glória, pois ela o respeitava muito. José Dias era homem comunicativo e colocava sempre seus discursos no superlativo. Bentinho ouvia sempre a palavra SEMINÁRIO, pagaria a promessa de outrem. Porém o que viria a acontecer mudaria (ou não) essa vontade que sua mãe tinha de lhe fazer padre. Bentinho, como já houvera dito, não tinha amigos e cresceu ao lado de Capitu. Esta, muito esperta e fagueira, soube que Bentinho tinha que cumprir a promessa que a sua mãe fez, mas não queria que seu amigo partisse. Certo dia, os dois brincavam na casa de Capitu, quando Bentinho tomou a iniciativa de beijá-la. Aquele beijo foi o início e o fim de tudo. Bentinho estava entregue a Capitu e essa também parecia corresponder. Capitu para não ver seu amado partir e se tornar inacessível, pois padre não ama carnalmente, pediu que Bentinho procurasse José Luís e falasse que não queria cumprir tal promessa. José Luis entendeu o pedido do rapaz, mas não concordava muito com a aproximação dele com Capitu. Falava que ela tinha olhos de cigana oblíqua e dissimulada, será? Mesmo sendo influente com a mãe de Bentinho, José Luis não conseguiu dissuadí-la. Capitu vendo o amado partir, pediu que fizesse uma promessa, nova promessa por sinal. Os dois haveriam de se casar, não importa o tempo que esperassem. Bentinho sentiu-se acarinhado e teve a certeza do amor de Capitu. Todos faziam gosto que Bentinho se tornasse padre: tio Cosme, prima Justina e até o pai de Capitu, Pádua, por quem José Dias não tinha simpatia. Capitu e o próprio Bentinho eram os únicos avessos a tal situação, mas nada mais a fazer e Bentinho parte para o seminário. Voltaria aos fins de semana e nas férias. A passagem de Bentinho no seminário parece reascender mais a sua expectativa de sair desse clausulo, pois antes de ir, José Dias lhe deu esperanças de que ele dentro de um ou dois anos sairia e iria com ele à Europa. É no seminário que Bentinho encontra seu amigo por toda a vida, Escobar. Escobar é jovem, forte, determinado e também não quer ser padre, deseja vir a ser comerciante. Capitu continuava onde estava, mas arranjara uma amiga, talvez para suprir a falta de Bentinho. Bentinho visitava sua mãe sempre e José Luis lhe contara segredos de Capitu. Disse que ela vivia a espreitar pela janela a moçada e que seu comportamento não era dos melhores. Bentinho sugestionado, acredita. Fala com Capitu e ela nega-lhe tal fato. Certa vez sua mãe ficara doente e Bentinho teve que visitá-la, para surpresa dele Escobar estava lá e elogiou muito D.ª Gloria. Todos sentiram enorme encanto pelo rapaz, inclusive Sancha, que viria a ser esposa dele. Bentinho fica surpreso e assim a amizade se fortalece e os laços ficam estreitos. Escobar é prático, e como também não queria ser padre, inventa um plano para que Bentinho não siga tal destino. O plano dá certo, Bentinho sai do seminário, forma-se em bacharel e volta pra onde tudo começou. Escobar também realiza o seu sonho, vira enfim comerciante, e dos bons. Como havia escrito linhas atrás, Escobar casa-se com Sancha e Bentinho finalmente compartilha com Capitu a união. Todos aprovam tal casamento, até mesmo o agregado, José Luis, que não creditava nas boas atitudes de Capitu. D.ª Glória a via como filha, Cosme gostava da donzela e Justina, mesmo sendo amarga, aceitara o enlace. Escobar torna-se pai e Bentinho sente a necessidade de um filho. Reza, pois quando criança tinha o hábito de fazer promessas e nunca pagar, mas dessa vez seria diferente. Escobar, Bentinho, Capitu e Sancha, são grandes amigos, vivem um na casa do outro. Os laços estão cada vez mais estreitos e afinal, foi Escobar quem apresentou alguns clientes a Bentinho. O filho veio e Bentinho era só felicidade, queria que o amigo batizasse, mas Tio Cosme é quem consumou o batismo. Numa forma de compensação deu-lhe o nome do amigo, Ezequiel. Escobar compreendeu tal ato e aceitou, como amigo de sempre. A vida estava normal e o menino crescia, mas com o crescimento do menino vinham as dúvidas. Ezequiel tinha a mania de imitar todos, até mesmo Escobar e isso causava desconforto em Bentinho e na própria Capitu. D.ª Glória não mais falava com a nora e Justina era só desconfiança. José Dias parece ter sublimado as desconfianças de outrora e já não falava que Capitu tinha olhos de cigana oblíquos e dissimulados. A dúvida só aumentava em Bentinho, que certo dia foi ao teatro sem Capitu, pois a mesma estava doente e, não aguentando a saudade ou a dependência, voltou rapidamente. Ao chegar encontra Escobar na porta e se assusta com a surpresa. Escobar pede para entrar e tomar chá, diz que veio visitá-lo e Bentinho explica-lhe que Capitu estava doente. Para uma nova surpresa, a própria diz que já está bem e assim as desconfianças de Bentinho aumentam mais. Ezequiel estava crescendo e Bentinho não aguentava mais tal dúvida, vivia a se perguntar e responder, mas as respostas não lhe agradavam. Ezequiel tem o jeito de andar de Escobar, olhar tal e qual, e isso lhe intrigava. Escobar gostava de nadar, e certo dia, talvez por avançar longe demais no mar, morreu afogado. No enterro Bentinho olhava a viúva e Capitu e comparava a emoção das duas. Para ele, ambas olhavam o defunto como viúvas. Certo dia chegou ao auge do desespero e pensou em suicídio. Comprou veneno e o pôs no café, queria acabar com sua vida e suas dúvidas. Ezequiel aparece na hora e então seu pensamento muda. Não queria mais o suicídio e sim cometer assassinato. Perguntou se o menino já havia tomado café e o mesmo responde que sim, mas ele insistiu para que tomasse um gole daquele que estava envenenado e levou o copo até a boca do menino, este que seria o gole derradeiro. Desistiu e afagando os cabelos de Ezequiel falou-lhe que não era seu pai. O menino sai chorando e Capitu entra de supetão. Pergunta-lhe o que havia acontecido e ele diz que era exatamente o que ela ouviu. Ela diz que ouviu apenas restos de frases e que não entendera. Ele fala de suas desconfianças e Capitu apenas sorri, mas não adiantara nada. Para ela, Bentinho sente ciúmes de tudo e agora até de mortos. Não havia mais como sustentar essa situação e então separam-se. Bentinho agora só, pois a mãe, agregado, prima e tio, haviam morrido, vê a vida de longe. Anos depois, Ezequiel reaparece, agora mais parecido com Escobar do que nunca. Gostava até de números como o tal. Bentinho vê ali o amigo novamente vivo, mas num gesto altruísta resolve pagar os estudos do jovem. Capitu falecera ainda linda, conta-lhe Ezequiel. Ezequiel falecera também e foi enterrado em Jerusalém. Bentinho segue a vida, mas não esquece seu primeiro amor e apesar de ter conhecido muitas mulheres, o fantasma de Capitu ainda o assombra e mais ainda, a dúvida: Ezequiel era meu filho ou de Escobar? A propósito: Casmurro foi dado por um poeta num trem e significa homem calado e metido consigo. O jovem declamava suas poesias e Bentinho cochilara, daí a alcunha de Casmurro.

Considerações

O livro é escrito em primeira pessoa e talvez deixe margem para várias interpretações. È como se ouvíssemos uma única versão e analisássemos o fato de uma ótica só. Bentinho escrevera na realidade um diário, onde conta sua história e suas agonias. Percebe-se que sempre fora sem altivez e que fazia tudo que lhe pediam. Não tinha amigos na infância e nem um referencial de herói , pois o pai morrera cedo. Vivia sonhando com Capitu, mas era tímido e covarde, não expunha seus sentimentos. Não queria ir para o seminário, mas não lutava contra. Capitu era forte, expansiva e cheia de ideias. Desde criança já mostrara sua determinação, pois foi a mesma quem sugeriu a promessa de se casarem e foi a própria quem procurava saídas para não deixá-lo ir para o seminário. Bentinho nunca teve firmeza e nem era viril, era passivo e submisso, sem vontades. Talvez por ser filho único, ser criado sem pai e não convivido com amigos homens da mesma idade, isso lhe deixou um tanto quanto passivo. No seminário tentou até escrever um soneto, mas não acabara. Aliás, deixava tudo para depois. Casou-se sem conhecer outras mulheres, sem perceber a vida em volta e sem ter sofrido sequer alguma desilusão. Ficou amigo do primeiro que lhe apertou a mão e este é quem decidiu a sua vida, pois foi Escobar quem teve a ideia de lhe tirar do seminário, sem contar com a ajuda profissional do próprio. Bentinho, o nome no diminutivo já demonstra sua inferioridade. Complexado talvez, fraco e covarde com certeza. Duvidou da esposa e pela própria narrativa há provas de que houve traição (a meu ver). José Dias sempre desconfiara da jovem Capitu (Tudo bem, desconfiança não é certeza). Capitu desde criança era ardilosa, inventava e mentia com naturalidade. Ela era muito grande para aceitar um diminutivo. D.ª Glória foi a primeira a desconfiar da traição e se afastou logo da jovem (coração de mãe não se engana!).

Evidências: Escobar visitara Bentinho, no dia em que o próprio foi ao teatro a mando de Capitu, pois a mesma disse-lhe que estava doente e quando Bentinho retornou, pois estava com saudade, já não a encontrara mais na cama (coincidência demais, não acham?). Sem contar na semelhança física de Ezequiel com Escobar. A genética está aí para provar. Bentinho contentava-se em olhar o mar e Capitu viajava em pensamentos; sei que pensar não é trair, mas planeja. Capitu não negara a traição e quando indagada por Bentinho respondeu apenas: Sente ciúmes até de defunto?! O jovem Ezequiel cresceu e cada vez mais parecia com Escobar: gestos, comportamento e até mesmo herdou o gosto pelos números.

Precisaríamos que Capitu escrevesse o seu relato, pois assim teríamos a segunda versão, mas há indícios de que Bentinho tinha razão em suas desconfianças. Capitu era muito para ele que sempre foi pouco, e mulher gosta de se orgulhar do seu homem e não de ser uma nova mãe.

Frase: A insônia, musa de olhos arregalados!

Soneto inacabado de Bentinho, que pretensiosamente o terminei.

FLOR DO CÉU

(Mário Paternostro / Machado de Assis)

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!

Que nasceste no chão do meu coração

E assim brotaste em mim nova ilusão

Primavera dos meus febris sentimentos

A vida nada mais é que uma aventura

E assim deixaste cair pétalas no caminho

Mas até tu, oh flor! Tens teus espinhos

E sentes a pugna inefável contra o vento

Mas flor do céu, cândida e pura deveras

Sei que não precisas nascer na primavera

Pois pela vida o seu odor se espalha

Abres o botão que ainda há quem te oferte

E mesmo sendo o mundo essa terra agreste

Perde-se a vida, ganha-se a batalha!