Livro de Poemas HUMANOIDES de Rodrigo Tomé, de Jaguariaiva, Pr, Região de Itararé
Humanóides: A Atrevida Poética de Rodrigo Tomé
“Daqueles que resistem nós somos as vozes/
Em seu caos, somos a chama/
Somos livres e nossa palavra é livre/
Mas não esquece quem semeia os prantos/
E traem a nossa fé…
Kelmti Horra, Minha Palavra é Livre
Ensel Mathlouthi
-Escrevo porque duvido e contesto e não engulo saltos altos de estouvadas estéticas pseudo-humanas. Parafraseando Caetano Veloso, “desperto ninguém é normal”. Sim, humanóides, nosotros, alienados de alguma forma, sempre sobrevivemos melhor. Será o impossível? Mondo cane. Caos organizado pra consumo besta; jecas totais. Essas coisas, entreartes, que nos alimentam de alguma maneira, por algum motivo-mistério-disparate, e seguimos então diante, quebrando regras, cuspindo nos ventiladores. Ah, camaradas, quando “descubro” um legítimo poeta novo, ardente, meu olhar treinado - de trincheiras antigas, disparidades letrais que sejam e soem - capta o sujeito atiçado, e alguma coisa em mim descontem a carranca literal para me ilustrar do arroubo letral do new gauche emergente. Ainda há vida inteligente surgindo e tocando antros de todos os nojos possíveis. Vida mesmo? Palavrão... Murros em pontas de facas enferrujadas...
Quando, então, por algum privilégio ou solicitude de ocasião, recebo algum projeto de livro de poesia para palpitar cismando a respeito, e o cara é bom, muito bom, sinto o brilho, capto, e me emociono também. Já passei por isso. Já estive do outro lado do gume neutro, do lume neutro. Sim, beirando meus sessenta anos de lavourar, é bom saber, caros irmãos, que quando chegar a minha hora no apagar-se a chama, direta ou indiretamente, nalgum não-lugar muito além de mim, um louco-sarado como eu me fui a destrinchar palavrórios pela vida inteira, em nome dos ins/pirados, há de me continuar pelaí, se insurgindo, se indignando, se lascando em versos – como eu não perdi ainda a indignação por tudo que reina e viça o horror – e continuará em nome da irmandade lítero-cultural da margilária s/a, botando o bloco na rua, soltando os versos contra os vermes entintados em protocolos decrépitos, pois, afinal, berrar é humano.
Pois o jovem Rodrigo Tomé, da cidade de Jaguariaiva, Paraná, nas trilhas vermelhas adjacentes de Itararé, minha aldeia-mãe, entalhando suas lidas e prismas, ainda que jovem de tudo, tem tudo isso: é um tremendo poeta. Escreve muito bem e a sua poética contesta, instiga, provoca, evoca o desbunde e mantém acesa a chama dos loucos que somam, que fazem a diferença, que são a diferença. Ah os humanóides com seus retalhos de sentir, e outros manés com suas vidinhas efêmeras, contraditórias, entre infovias que não levam a nada se não levam o ser a descobrir-se a si mesmo, e, por isso mesmo, tipinhos que aceitam sem contestar o open-doping da mídia corrupta e decrépita, numa sociedade hipócrita e barateada, assim engordada e engodada por ridículos, insensíveis, consumistas jecas nodais.
Rodrigo Tomé desafia o pântano da hipocrisia social, condição desumana de servir e de ser servo em época de neoescravismo terceirizado do trabalho sujo. E existem os rotos. Destila seus olhos criacionais, suas feituras literais, e urra os horrores desses tempos insanos. Silêncios sem documentos? Sentimentos e contestações. Merleau-Ponty disse: “Um artista, um filósofo devem não apenar criar e exprimir, mas ainda despertar as experiências que a enraizarão nas outras consciências” Rodrigo Tomé conhece muito bem do oficio. Treino, talento, trabalho, purgação. O olhar diferenciado é dom que se exercita para apurar. Faz sua poesia brilhar contundências, ilustrar situações e conflitos, e, ainda assim e por isso mesmo, lixando feridas desses tempos tenebrosos. Vai longe assim, com sua poética contraditória, insurgente, contestatória, atrevida com qualidade de ver-sentir-refletir-(pensar). Arde a bendita chama da criação no seu fazer poético irônico-ferino, verdadeiro e condizente com poesia pura. Ler Rodrigo Tomé é contentar-se de sua lavra.
O pior vicio é ser fútil. O ópio do tédio. O ódio do inócuo. As inquietudes, das incompletudes contra a licitude-formol, que fazem o artista, o arteiro, o sensível de mão cheia e de olhar crítico. Nossas feridas trazem rejeitos ancestrais adquiridos, não podem permitir repugnâncias continuadas. Somos o arroto do escárnio à corja social, podres poderes e falsetas de palácios e cofres? Ô raça!
“Até bem pouco tempo atrás poderíamos mudar o mundo. Quem roubou nossa coragem? Tudo é dor... E toda dor, vem do desejo de não sentirmos dor.” disse Renato Russo. Pagou seu preço, Morreu de ser gente “mais maior de grande”, botando os sentimentos pra fora, gritos letrais-musicais, no seu faroeste caboclo interior... Um dia sentiu que nunca mais haveria amanhã. Assim amou e foi amado. Ah esses nossos tempos...
Vivemos a orgia do absurdo e o teatro insano da vidamorte. Ratos e sombras espalham o lixo descartado por aí. O rivotril ou comital, o fim de semana em Cancun ou Miami Esgoto, o esgoto humano sistemizado. Já pensou? Pois é, caras pálidas: Rodrigo retrata muito bem em cantagonias de seu tempo tenebroso. A vida cuspida na sarjeta ainda tem quem retrata os disparates dela. A realidade suja nunca é o bastante, o tapete das etiquetas e grifes esconde o preço, a pressa, o estresse, a prece. Silêncio, rogai por nós. Equalizamos o instintal no fazer poético que expressa a nossa sensibilidade ferida com tudo isso? Periga ver. Periga ler.
Que droga é escrever essa vida louca, como cantou Cazuza e também pagou seu preço por ser libertário? Não é fácil. Mas também não podemos concordar com os fósseis, o rigor-formal dos costumes rastaquaras. Alguém não se sujeita correr atrás e incendeia situações, clarifica o escombro. Rodrigo Tomé é assim. Escreve como se tingisse a vida infame de seus versos, levantando vilezas do meio e sacudindo o tapete que esconde inverdades sob o chão das ilicitudes que geram lucros e loucos que não sabem o que são.
Estrofes, perguntamentos, raciocínios lógicos além da ilógica do viver, sobreviver. Tem aquela alma sofrida e visionária de poeta, pronta para botar fogo no circo das “metamorfoses ambulantes que têm aquela velha opinião formada sobre tudo”, e grita mentiranças, fere-a as de versos, toca vaidades de nojuras sociais.
“E tudo pulsa e se desgasta e morre” – (Entre os Ossos)
Frases bem sacadas. Poesia entre. Poética da contundência. Salga os versos. Trinca as linhas. Experimenta e se expõe, avança e acerta. Nutre janelas de imagens, pedaços de prismas, com sua dialética trincheira. Brinca de palavrear para não parecer louco? Ah a matéria de que são feito os pesadelos... O corpo da poesia, universo de contrastes, numa aguda consciência de seu meio e de seu tempo veiculado por sua poética diferenciada. A deterioração, a crítica, a ironia, na sua percepção aguçada, A criação é o individuo consciente mudando de lugar, mudando de si, remando contra a maré, questionando situações saturadas? A sociedade é uma mentira que a nossa verdade não quer. E a vida? Escrevendo respiramos o caos. O medo que a todos mata a intuição, no poema aguça mais e depura, regurgita. Chorumes? Vivemos dentro da arte para ferir de vida pura e verdadeira, carregando esse mal incurado que carregamos dentro de nós?
De alguma maneira já nascemos condenados a ser sensíveis? Ai de nós. Que preço duro a pagar. Que cruz é a arte, a poesia íntima que destrincha o vinho-verbo? Escrever leva a dor adiante, a dor do olhar sensível adiante, para fora de nós, nos livrando de nós mesmos, do peso desse ver/pensar/sentir. Esparrama o horror de. Faz sentido na lógica ilógica dessa torpe vidamorte?
Pois é isso: Rodrigo Tomé ainda tenta salgar a carne viva da poesia.
Vai doer mais em você do que nele?.
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Silas Correa Leite, Poeta, Ficcionista, Ensaísta
Pós-graduado em Literatura na Comunicação, Prêmio Lygia Fagundes Telles Para Professor Escritor, autor de Porta-Lapsos, Poemas, e Campo de Trigo Com Corvos, Contos.
Site: WWW.portas-lapsos.sip.net
E-mail: poesilas@terra.com.br