Frio? Pfff...!!!!
Milhares de livros são lançados no mercado todos os anos. Alguns poucos se tornam best sellers. Menor ainda os que se tornam clássicos. E ainda mais raro aqueles que conseguem se tornar ambos. Pois em matéria de raridade, À Sangue Frio pode ser considerado uma turmalina paraíba; não só um livro que foi sucesso de venda e crítica, não só um clássico desde seu lançamento, mas a “inauguração” de um novo modo de se fazer jornalismo com um velho modo de se fazer literatura; romance não-ficcional; a grande reportagem da notícia sem valor; a última cartada do ego crescente de um escritor decadente; À Sangue Frio é todas essas coisas, e talvez ainda menos.
Qual a importância do assassinato de toda uma família de classe média numa cidadezinha sem importância chamada Holcomb no meio de um nada chamado Kansas? Qual a importância jornalística de uma chacina brutal, em que 4 pessoas são amarradas dentro da própria casa e mortas à tiros de espingarda – numa cidadezinha sem importância chamada Holcomb no meio de um nada chamado Kansas – ? Qual é o sensacionalismo – pois é isso que vende jornais e mantém a imprensa podre, mas viva – que pode existir no fato de uma família, que era querida por todos da comunidade, ser feita prisioneira e abatida como porcos por dois viajantes que nunca ouvira falar delas na vida, numa comunidade em que já não aconteciam crimes havia mais de uma década – numa cidadezinha sem importância chamada Holcomb no meio de um nada chamado Kansas – ?
Aparentemente, para a imprensa do grande centro urbanocaótico de Nova York, o suficiente para uma nota de 100 caracteres escondida na página 6 do Times. Mas a nota encontrou Capote, e fedeu à oportunidade, e então lá estava ele, mais um urubu para rodear os corpos; urubu-rei.
E antes do Natal de 1959, Holcomb recebia a ilustre visita do urubu-rei Truman Capote, escritor já conhecido pelo livro Breakfast at Tiffany's, de mala, caderneta, ego e cuia, pronto para fuçar a sujeira e vender aquele crime hediondo, mas que, como bem escrito, não poderiam culpá-lo. E, enquanto escarafunchava as raízes podres da notícia, os culpados foram presos, a tensão tomou conta da cidade e o sorriso o rosto de seu célebre visitante: o trabalho poderia ter um fim.
À Sangue Frio não apenas narra de modo monótono a quebra que o crime inesperado ocasionou nas chatas vidas sem-cor-nem-vida de um bando de caipiras que se achavam imunes à violência urbana da televisão. Mais do que adentrar na intimidade da família Clutter, Capote foca a maior – e talvez melhor – parte de seu trabalho na intimidade dos criminosos: Richard Hickock e Perry Smith – principalmente o último. Há um enorme flerte de Capote com Smith – não só dentro como fora das páginas – em que o escritor tenta o tempo todo romantizar – tornar herói – uma porra de herói – o criminoso que matou quatro pessoas que nada lhe fizeram por um punhado de dólares – Clint Eastwood – Sergio Lione – NOT! - o pistoleiro aqui tem nome, identidade e morre.
E foi a morte que encontraram nas mãos do Estado do Kansas, um morte por forca – seis anos depois – para vingar toda uma cidade que já não estava nem aí para o crime. A corda range, a vida segue, a caneta escreve a última frase e, depois de apenas seis anos, toda a repercussão do crime foi apenas um romance da vida real que é lido como ficção, uma conta bancária gorda para acompanhar a inscrição do nome na história, e um escritor em depressão que bebeu seus honorários numa despedida em Los Angeles – meio longe de Las Vegas, mas ainda vale o trocadilho da Jaula.
E À Sangue Frio veio a se tornar o livro mais clássico do gênero conhecido como Novo Jornalismo, ou Jornalismo Literário. Entre seus quatro grandes conterrâneos, Capote é quem se tornou o cara. Justo o mais covarde, mais chato e de escrita mais monótona entre os quatro.
Ou talvez tudo isso seja pelo fato de que eu dormi em cima do livro e isso me impede moralmente de falar bem dele, mesmo que na verdade seja bom.
É pra se pensar...