DOIS LIVROS, UM COMENTÁRIO.

 

O que tem em comum o romance Quando a Vez é do Mar, de Carlos Lúcio Gontijo * e as poesias (indrisos) A Dor e as Borboletas, da poeta Ana Lago de Luz**, além das confluências do amor é a água. Salgada ou doce; do lago ou das lágrimas. Em Carlos Lúcio o mar está contido no título do romance. Em Ana a água brota do nome da autora, que além de Lago tem Luz.  Outros temas, como pequenos rios, lagos, braços de mar estão presentes: o tempo; a fé; tolerância e a intolerância entre seres diferentes; a preservação do meio ambiente. Ambos cantam e celebram a vida, mesmo quando a vez é do pranto.

     Em Quando a vez é do Mar, o autor, sem perder a poesia, fala humanamente das mazelas do dia a dia: a manipulação midiática, a hipocrisia, orgulho e preconceito, pedofilia, heterossexualidade e homossexualidade; caridade (que não é a mesma coisa que filantropia, como afirma um protagonista), sempre com olhar compassivo, humano nesse mar de diversidade, rumo à transcendência.

“(...) Vou morrer nas águas do mar pescador (...) Vou ver uma lua no céu, outra no mar” (...) Coberta pelo céu, banhada de mar (...) Da tua ilha, finalmente, meu mar (...) Achamos que eram risos do mar!”, (...) Não deixei tristeza cair lágrimas...” São alguns fragmentos que recolhi em A Dor e as Borboletas, que poderiam estar nas vozes dos protagonistas de Quando a vez é do Mar, onde a prosa interage com a poesia. Já no primeiro capítulo o autor nos apresenta a Arca de Noé: “São muitos os altares e normas morais/Os mares em que navegamos são pedagiados (...) Subutilizada a razão nos torna menos que bicho (...) Enquanto o mundo gira feito arca de Noé!”. Narra, o humanista Carlos Lúcio: “Enfim, o ensinamento bíblico não é verbo para ser repetido de boca pra fora (é fácil dizer está na Bíblia), mas literalmente praticado no dia a dia” na voz de Vinícia. E “mesmo em dias nublados, o sol se faz nascente no horizonte, sugerindo-nos que toda a sua luminosidade vem de seu compromisso com a luz” (CLG) “Desta que não mais me cabe/Você escolheu outros mares...”, aqui é Ana Lago Luz em Da Proteção, mas poderia ser Benito ou seu pai, Bartimeu, personagens do romance.

Li A Dor e as Borboletas e Quando a Vez é do Mar ao mesmo tempo. A poesia de Ana Lago, como quase toda poesia é para ser lida devagar. Poesia exige esforço de síntese, exige saborear cada frase. O mesmo pode se dizer de Quando a vez é do Mar em que cada capítulo inicia-se com um poema, ou uma sentença filosófica: Mais vale guardar o gosto de um beijo dado que imaginar o sabor de um beijo que não foi provado. Trocando em miúdos: a vida é de quem caminha e não de quem sonha com a caminhada. Não há palavra colocada inutilmente nesse esplêndido romance, repleto de generosidade.

Carlos Lúcio Gontijo caminha de mãos dadas com Ana Lago de Luz, poesia e prosa na mesma direção:

Tanto tempo presa, transformação,

     Hibernação lacrada, censura.

     Pronta para voos infinitos

 

      Liberdade ao mundo!

      Conta a tua história.

        Ouvidos atentos...

 

No momento exato que acaba o pré – conceito!

   O peso das horas, dos anos, liberta-se!

 

“(...) a gente demora muito a descobrir que as borboletas não vêm ao nosso encontro pelo jardim que semeamos, pois na realidade se sentem mais atraídas pelas cores sonhadas pelo mar de nossas mãos”. – Versejou Patrícia, sob o olhar de lágrimas de Benito em Quando a vez é do Mar.

Dois livros que me ajudaram a compreender os labirintos da alma humana. Generosidade e amor ao próximo, para nos libertarmos dos grilhões do individualismo tão presente em nosso cotidiano. Ser não é Ter.

J Estanislau Filho 

Onde encontrar as publicações e os autores

www.jestanislaufilho.prosaeverso.net

 

 

* www.carlosluciogontijo.com.br

** www.analuz.prosaeverso.net