Resenha : A Luta pelo Direito - Rudolf Von Ihering
Rudolf Von Ihering foi jurista e romancista, nascido em Aurich, no ano de 1818. Lecionou em diversas universidades, como a da Basiléia, Suiça e Viena, dando privilegiada atenção para o Direito Romano. Faleceu em 1892, deixando valiosas contribuições com suas obras que pregavam a defesa do direito através da união dos indivíduos, que deveriam lutar verdadeiramente pelo mesmo, de modo a resguardar a sua própria honra.
A obra “A Luta pelo Direito” enquadra-se na escola jurídica denominada jurisprudência dos interesses, que ao tratar do direito, enfocavam sob o olhar da sociologia, caracterizando-o assim como fato social, já que seria produto da sociedade dos homens e não das leis emanadas de um soberano. Dessa forma, fica clara a sua divergência quanto ao pensamento da jurisprudência dos conceitos, que teria um fetiche pela norma, deixando os elementos sociais fora do estudo da ciência jurídica. O autor Ihering, atribui à obra um caráter teleológico, já que acreditava que a luta pelo direito deveria ser motivada por atingir determinados fins e interesses humanos.
O início da obra se dá ao revelar o fim do direito, que na visão do autor seria a paz, com a ressalva de que – apesar de à primeira vista poder revelar-se contraditório, como o próprio Ihering reconhece – o meio para alcançar essa paz, se daria unicamente através da luta. A crítica ao positivismo jurídico é sugerida na analogia da balança jurídica, que possuiria de um lado as leis, o direito puro e acabado e do outro lado, exercendo o mesmo peso, a espada, que seria a asseguradora da justiça dos povos. Ao exteriorizar que, ao lado das leis frequentemente se é atribuída maior atenção, confronta os ideias positivistas, que se limitavam às normas, deixando de lado a questão moral.
Na presente obra, o direito possuiria duas acepções distintas: o direito objetivo e o direito subjetivo. Segundo Eduardo Bittar, o direito objetivo seria o ordenamento jurídico em si, que seria emanado pelo estado legislativo, enquanto o segundo seria representado pelas consequências concretas que esse direito escrito provocaria na vida dos indivíduos. A luta pelo Direito tem enfoque no direito subjetivo, mas não necessariamente subestima a atuação do direito objetivo.
Efetuando uma intercessão entre os ideais defendidos por Rudolf Von Ihering e o autor contemporâneo Luís Roberto Barroso, ambos construíram uma teoria crítica do direito¹ que tinha como base a crítica de um direito criado pela poder dominante, justificando o apego à lei ao fato da mesma legitimar todos os seus interesses, não deixando lacunas para as massas o questionarem.
¹ Termo utilizado no artigo do Barroso sobre o direito constitucional brasileiro.
O autor também realiza uma crítica à escola de Savigny, que acreditava na capacidade do legislador em criar todas as leis necessárias para a sociedade vigente. Como Savigny atribuía ao direito um caráter indolor e o defendia como algo que se alcança espontaneamente, sem necessidade de luta, Ihering afirma ter essa escola uma visão romancista da vida social, e, portanto, seria ineficiente estudar o direito através da mesma. Como contra argumento ele compara o direito à dor do parto, justificando que o homem não poderia abrir mão de um direito que ele deu à luz, o conquistando de maneira tão violenta. Proporcionalmente à dor do parto, ou seja, ao esforço e ao trabalho que o homem teve de se submeter para alcançar seus direitos, ele não deve permitir que o fosse tomado tão facilmente.
Na segunda parte do livro, enfoca principalmente no caráter subjetivo do direito. Relatando como se dava o direito na idade média, atenta para uma questão às vezes deixada em segundo plano quando se estuda o direito: a ofensa à honra. Ou seja, ao lutar pelos seus direitos, o cavaleiro da idade média levava em consideração mais que o valor da coisa, dando especial atenção para a sua honra, seus direitos e a sua própria pessoa. Com as próprias palavras de Ihering “o direito transforma-se de uma questão de interesse numa questão de caráter”.
Ao tratar da honra, também se refere à questão da terra. Por menor que seja o pedaço de terra que lhe é de direito e que lhe foi tomado, deve ser exigida a sua posse, como forma de preservar os seus demais direitos, pois quando se realiza muitas exceções o direito acaba por ser banalizado e a luta já não se faz mais presente. O autor critica quem prefere a paz ao sacrifício que se resulta dessa luta pelo direito. Acredita que ao adotar essa posição, o individuo confronta a própria essência do direito, que deveria ser em primeiro lugar uma resistência contra a injustiça. Entretanto, o direito objetivo permite adotarem-se ambas as posições: luta ou abdicação pelos direitos.
Na terceira parte do livro, Rudolf Von Ihering considera que a defesa do direito faz parte da autoconservação moral de todos os homens, já a ausência da defesa provocaria um verdadeiro suicídio moral. Sendo assim, sem o direito o homem seria reduzido a condições animalescas e irracionais. Quando ocorre uma situação de subtração de uma propriedade, o respectivo proprietário deve lutar pela sua posse, não somente pelo aspecto físico, mas principalmente porque desse modo ele está lutando pela manutenção de sua condição humana, de sua própria pessoa. Através do exemplo da perda de propriedade, o autor faz uma observação afirmando que não defende a luta sangrenta pelo direito a qualquer custo. Quando ocorre a ocupação de uma propriedade por motivos de sobrevivência por parte do invasor, não se deve possuir a mesma reação que se teve no roubo de má fé. Pelo contrário, deve-se ser feito uma ponderação de interesses entre ambos os lados, de modo que nenhum dos dois saia prejudicado, já que não houve de modo algum a ofensa à honra.
Outra questão tratada na obra é sobre a grande variedade dos sentimentos de justiça, que variam de acordo com a profissão ou classe social. A reação que se tem quando esse sentimento de justiça é corrompido torna-se mais violenta quando se atinge as suas condições peculiares de vida. Exemplificando: quando um camponês perde suas terras, quando um oficial do exercito tem a sua honra ofendida ou até mesmo o crédito para o comerciante. Os indivíduos que possuírem uma honra a zelar, só teriam duas opções segundo o autor, ou lutar pela sua honra ou mudar de profissão.
O critério necessário para se alcançar a justiça seriam fazer-se da energia, coragem e determinação. Verifica o autor que essa energia não é a mesma para todos os indivíduos, variando de acordo com a forma que a própria pessoa se vê como individuo, constituindo uma questão de caráter. Primeiramente só é retratado o direito do individuo para consigo mesmo, posteriormente Ihering analisa a defesa do direito em relação a um numero maior de indivíduos, em relação à sociedade no geral.
A pátria, a comunidade ou os diversos grupos sociais, devem se unir para lutar pelos direitos que possuem em comum e quem abandona a sua pátria, comunidade ou grupo, além de estar abandonando a sua condição de existência, acaba por fortalecer o inimigo, que tornar-se-á cada vez mais agressivo. Mais importante que não praticar injustiças, seria não tolerar injustiças. Esse sentimento de ofensa coletivo é muito mais nobre que o egoísta, que se limita à esfera individual, representa a mais bela luta pela justiça.
Durante a quarta parte do livro o autor declara que “ninguém se atreverá a espoliar dos seus valores supremos um povo em cujo seio se generalizou o hábito de cada um defender denodadamente o seu direito, mesmo nas menores coisas”. Ou seja, para a manutenção de uma nação é necessário que esteja vivo esse sentimento de justiça, caso contrário qualquer outra nação estrangeira poderá facilmente exercer seu poder e domínio sobre os mesmos. Essa força moral de um povo é muito importante para a sua coesão. Uma nação que desrespeite os seus cidadãos será facilmente dominada por outras, já que os seus povos já estão acostumados com a subtração de seus direitos e não sabem mais o que é lutar por eles arduamente. Resguardar esses valores morais significa preservar a própria sobrevivência do Estado em si.
Concluindo Ihering efetua uma indagação em relação à efetividade do direito atual: seria ele realmente defendido pelos indivíduos em prol de se alcançar a paz ou estaria ele sendo facilmente subvertido? O próprio autor responde a indagação negativamente, no sentido de que esse sentimento de justiça tão defendido durante o correr da obra encontra-se soterrado por outros valores menos importantes. Seria principalmente o materialismo que motivaria os homens a lutarem pelos seus direitos e não o sentimento de ofensa a sua honra. Defende o autor que, na época vigente, do direito só se era exigido seu caráter pecuniário, pouco importando se o violador do direito haveria agido de má fé ou de boa fé, ou até mesmo por pura ignorância, já que poderia nem conhecer a letra da lei.
A luta pelo Direito de Rudolf Von Ihering apesar de ter sido criada em uma conferência proferida para a Sociedade Jurídica de Viena em 1872, ainda possui notável caráter contemporâneo. Por ser uma obra simplista, mas com alto teor ético, pode ser facilmente lida, mesmo por indivíduos que não dominem o saber jurídico. O seu caráter contemporâneo é justamente a ética e justiça tão presentes na obra, sendo o engajamento social muito difundido como forma de alcançar-se um bem maior, a paz social