A idéia
A Maçonaria é uma Irmandade, cuja origem repousa na idéia de que existe uma ordem social perfeita que pode ser realizada pela união dos homens de boa vontade. Essa união promove o aprimoramento dos espíritos nela congregados, dando como resultado uma egrégora que resulta da sinergia obtida pela reunião dos Irmãos, e é sustentada pelas qualidades pessoais que cada um deles trás para o grupo, contribuindo, de um lado para o crescimento coletivo, e de outro para o enriquecimento ontológico de cada um dos indivíduos dele participante.
Destarte, como idéia, a Maçonaria é contemporânea das primeiras civilizações. Desde os tempos mais antigos, os povos que alcançaram os mais altos estágios civilizatórios, mantém a tradição de preservar sua cultura, seus conhecimentos e seus sistemas de vida através de “grupos” específicos de indivíduos que comungam de interesses mútuos. Esses grupos se reúnem por cooptação, procurando reunir, da forma mais nivelada possível, os “iguais” dentro de uma sociedade, fundamentados na crença de que aqueles que estão mais envolvidos com determinado sistema é que tem maior interesse em preservar os seus valores.
É neste amplo espectro, que funde religião, política, mitologia e história, que iremos encontrar as antigas manifestações culturais conhecidas como “Mistérios”, que vários autores maçons costumam invocar como sendo as estruturas mais antigas da Maçonaria. Aqui caminhamos nas sombras e só podemos fazer conjecturas baseadas em analogias entre os ritos praticados por aqueles povos e os símbolos comuns compartilhados por eles e pela Maçonaria moderna, mas é certo que existe uma ligação e uma relação de antecedente e conseqüente entre essas manifestações espirituais dos antigos povos e a Arte Real hoje praticada.
Com o tempo essa idéia evoluiu para uma prática social que resultou na formação dos grupos diversos dentro das sociedades. Assim, a idéia, que em princípio tinha uma conotação religiosa e servia ao próprio sistema de governo praticado nesses antigos tempos, fragmentou-se e passou a ser usada por grupos particulares na defesa de seus próprios interesses corporativos. Assim nasceram as associações de classe, as corporações obreiras, os partidos políticos, os clubes sociais, mas agora já despregados da idéia original, que hospedava um misto de religiosidade e política de estado. O objetivo passou a ser a defesa das próprias conquistas do grupo, a sua preservação como sistema corporativo e o desenvolvimento e o compartilhamento de valores culturais e sociais, a partir de uma ótica muito particular.
Situam-se nesse espectro as antigas Corporações de Obreiros, tipo “Collegia Fabrorum” dos romanos, as Corporações de Ofício da Idade Média (guildas) e as chamadas Lojas operativas dos pedreiros medievais, famosos construtores de igrejas e edifícios públicos, dos quais o termo maçom foi emprestado, da mesma forma que as modernas organizações que hoje conhecemos, que se dedicam à essas práticas.
A origem
É evidente que a Maçonaria praticada por esses antecessores medievais era muito diferente da que conhecemos hoje. Não sobreviveram registros suficientemente precisos para dar ao historiador uma idéia bastante clara de como era a Maçonaria praticada por esses antigos Irmãos. Os fragmentos dos ritos e os documentos manuscritos que versam sobre aspectos particulares dessas antigas sociedades são muito controversos. Os próprios registros de suas atividades, que sobreviveram á ação do tempo, por falta de continuidade histórica e pela ausência de um padrão de unidade entre as práticas adotadas pelas Lojas operativas, acabam mais por confundir do que esclarecer quem se propõe a escrever sobre a antiga Maçonaria. Dela fica sempre uma idéia de corporativismo temperado por uma mística muito própria da cultura daquela época, quando a Igreja Católica dominava toda a vida cultural da sociedade ocidental, com claros reflexos na vida política e social.
A Loja
A origem da Maçonaria foi sempre um assunto muito obscuro, e ainda hoje, apesar da farta literatura já publicada a respeito do assunto, ainda suscita muitas dúvidas ao historiador.
Como instituição é costume situar suas origens no inicio do século XVIII, a partir da Constituição que lhe foi dada pelos maçons ingleses, liderados pelo pastor anglicano James Anderson. Mas o que estes fizeram não exatamente a criação de algo novo, mas sim um trabalho de organização de algo que já existia e apenas reclamava uma sistematização que pudesse transformar uma prática cultural, já várias vezes centenária, em uma organização com personalidade jurídica e social.
Entretanto, muito antes das Constituições de Anderson, os maçons já se reuniam nos canteiros de suas obras para praticar alguma coisa parecida com a Arte Real. A essas reuniões, por algum motivo ainda não suficientemente esclarecido, eles chamavam de Lojas.
Na tradição arcana, o termo Loja (em sânscrito Loka) designa as diferentes partes do universo onde a vida se manifesta. Refere-se também as diferentes idades, ou fases que a humanidade deve passar para cumprir o seu destino kármico. Assim, a terra seria uma Loka, assim como outras partes do Cosmo onde o Criador, supostamente, possa ter semeado alguma forma de vida. Por isso, o templo maçônico é visto como sendo um microcosmo que reflete esse macrocosmo, ou seja, uma representação simbólica do universo, onde a vida cumpre os seus ciclos energéticos, realizando sempre uma evolução no sentido da perfeição suprema.[1]
O termo Loja, hoje, corresponde á uma assembléia de maçons. Nos tempos medievais era aplicado à reunião dos profissionais da construção civil que trabalhavam em uma determinada obra, para discutir os problemas técnicos com ela relacionados. Com o tempo evoluiu para uma forma associativa mais elaborada, assumindo o aspecto de corporação de ofício (guilda), abarcando não só os aspectos relacionados com a obra em si, mas também regulando a prática profissional e criando uma cultura própria para os profissionais do ramo.[2]
O que era essa Maçonaria anterior ás Constituições, e como faziam os maçons operativos que construíram as grandes catedrais medievais, e depois os primeiros irmãos especulativos (alquimistas, filósofos, artistas e artesãos em sua maioria, e mais tarde militares e outros cavalheiros) que os sucederam nessas práticas, é algo difícil de definir como fato histórico. Que cuidavam de seus assuntos de uma forma muito particular – como se fossem seitas religiosas − isso parece certo, pelo que se deduz dos documentos conservados. E que assim faziam por conta das próprias idiossincrasias, costumes e crenças da época, também nos parece óbvio.
Depois que a Arte Real deixou os canteiros de obras e empolgou “os espíritos de qualidade”, no dizer de Pawels e Bergier,[3] ocorreu uma politização das instituições maçônicas, numa época em que as disputas dinásticas e os conflitos religiosos invadiram as Lojas e nelas refletiram o conturbado ambiente que se vivia então. E desse período, após a institucionalização da Maçonaria como uma sociedade de cunho universal, com personalidade jurídica própria e cultura filosófica e administrativa de certo modo unificada, a idéia que dela temos, como bem observou Jean Palou, citando M. Lepage, é a de que a Maçonaria especulativa pode ser contada como um episódio da Reforma religiosa, ou mais um rebento do pensamento liberal e reformista que surgiu quando o espírito humano foi libertado dos nós com que um clero ignorante e supersticioso o havia amarrado por mais de um milênio.[4]
E é nesse contexto que ela se insere hoje, pois em todos os casos, quando se trata de Maçonaria, o que encontramos é sempre uma ação que tem em mira a superação de momentos particularmente difíceis que a sociedade está vivendo. Essa dificuldade pode ser de ordem política, como a que vivia a Europa nos dias de Anderson, com suas intermináveis guerras religiosas, a França revolucionária de 1789, os Estados Unidos na época da sua independência, o Brasil nos anos que antecederam a proclamação da República etc., ou então uma fase obscura e complicada da vida cultural de uma comunidade, em que o obscurantismo e a intolerância imperam, como foi a época da Reforma Religiosa e da Contra Reforma que ela provocou.
Dada a característica que a Maçonaria moderna assumiu, ou seja, a de um clube de cavalheiros, onde se busca desenvolver uma ética comportamental consentânea com os valores que a sociedade profana elege como úteis e desejáveis, muitas vezes o Tesouro Arcano que se esconde atrás de símbolos, metáforas, lendas, metonímias e outros tropos de linguagem, bem como em complicados, e às vezes, bizarros rituais praticados com um espírito quase religioso, acaba sendo desprezado pelos novos Obreiros da Arte Real. Perde-se, nessa teatralização anímica, o verdadeiro significado desse alfabeto do inconsciente coletivo da humanidade, e quando, por vezes, algum fragmento dessa disciplina da alma é invocada em algum “quarto de hora de estudo”, tudo soa como se ali se estivesse recitando uma algaravia vazia de sentido e sem nenhum propósito prático, a não ser o cumprimento de uma tradição que ninguém mais sabe a que se refere.
Todavia, o Tesouro Arcano contido nesses fragmentos de tradição, muitas vezes incompreensível até mesmo para os “iniciados”, é como o Tosão de Ouro dos argonautas, ou a Pedra Filosofal dos alquimistas. Precisa ser garimpado pela betéia do espírito, pois é aí que está o princípio que informa a verdadeira Maçonaria.
[1] Ver a esse respeito René Guenon- Discursos Sobre a Iniciação- Ed. Pensamento, São Paulo, 1968.
[2] Jean Palou- A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed Pensamento, São Paulo, 1986
[3] O Despertar dos Mãgicos, Ed. Bertrand Russel, 2001
[4] A Maçonaria Simbólica e Iniciática- Ed.Pensamento, São Paulo, 1986.
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DO LIVRO O "TESOURO ARCANO"- NO PRELO
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DO LIVRO O "TESOURO ARCANO"- NO PRELO