Aprender a Viver - Luc Ferry

Resenha do capítulo 2 do livro “Aprender a Viver”, Ferry, Luc. Edição 1, editora Ponto de leitura, ano 2010.

Luc Ferry é filósofo, notável defensor do Humanismo Secular, filosofia baseada na razão, na ética e na justiça. Ferry é professor de Filosofia nas universidades francesas de Lyon II, de Caen e de Paris VII e também um dos fundadores do Collège de Philosophie. Como ministro da Educação da França de 2002 a 2004, foi o mentor da polêmica lei que baniu o uso de véu pelas estudantes muçulmanas nas escolas públicas francesas.

Um dos principais objetivos do autor Luc Ferry é ampliar os horizontes desse leitor inexperiente nos terrenos da filosofia, para assim sobrepor a finalidade muitas vezes a ela dada: “bengala moral “¹ ou “ arte da reflexão”. Defende que existem diversas matérias que são capazes de criticar e o que difere a filosofia dessas é o objetivo que possui a priori: Ultrapassar o medo da morte, possibilitando assim que os indivíduos alcancem a serenidade. Para o autor, a felicidade plena não existe, visto que não é possível que todos estejam felizes em todos os momentos de suas vidas. Assim surge a missão da filosofia, de pregar a razão como forma de aproveitar a vida. É dada então uma nova perspectiva à filosofia, que seria agora uma forma de “aprender a viver “².

Em termos gerais, o livro “Aprender a Viver” objetiva explicitar que como um grande limitador da evolução e desenvolvimento dos seres humanos, existe o medo. Dentre a abrangente noção do medo, o autor põe em destaque o medo da morte. A morte no seu ponto de vista, não se resumiria ao fim da vida, mas também a todo tipo de ruptura, onde recuperar o que se passou ou voltar no tempo representaria algo impossível. Cita como exemplo, a infância, existe tão somente em um passado distante, vivo apenas nas nossas lembranças ínfimas. Todas essas rupturas poderiam ser classificadas como formas de morrer e apesar de evitarmos pensar nas mesmas, em algum momento de nossas vidas a angústia iria se fazer presente.

Como forma de evitar essas angústias, existem diversas teorias utilizadas para nos fazer compreender sem causar maiores males à nossa experiência de vida, já que essa já seria tão rápida e frágil. Ao longo do livro, Luc Ferry se apodera das grandes teorias estoicas (capítulo que será tratado de maneira especial nessa resenha), religiosas (referente à grande influencia exercida pelo cristianismo e consequente sobreposição da filosofia) e por fim a filosofia (doutrina mais defendida pelo autor e explicitada de acordo com os diversos contextos históricos).

Em resumo, o capítulo 2 (Um exemplo de filosofia antiga) do livro “Aprender a Viver”, trata do modo como na antiguidade clássica os estoicos viam a morte e especificam as teorias por eles utilizadas para fazer dela não mais motivo para a angústia dos indivíduos e sim torná-la algo natural aos olhos dos seres humanos.

A filosofia estoica, também rotulada de filosofia pragmática, obteve maior destaque em um cenário marcado pela decadência espiritual e moral da época, tendo como consequência profunda tristeza do homem, que iniciou uma busca na filosofia pela orientação moral, renuncia ao mundo e à própria vida. O homem volta-se assim para o transcendente e eterno, o que Platão define como preparação para a morte e Aristóteles opina que a sabedoria é o desapego da ação³.

O estoicismo defende a existência de um cosmos animado, dotado de alma, ordenado, perfeito e divino. No entanto, o sentido de divino à qual o autor Luc Ferry se refere não é de caráter religioso, ligado necessariamente à existência de uma entidade divina, mas sim a um caráter de um mundo superior, externo e que não depende da nossa existência para ser real. Para os estoicos, essa ordem harmoniosa, justa e boa constitui uma finalidade suficiente para nós buscarmos a felicidade e a vida boa.

Imanência e transcendência são palavras que possuem significados opostos. Imanente é algo que se compreende em si mesmo, sendo o mundo assim imanente, sua existência não depende de outrem. Fala- se em transcendente quando se refere a algo que está além, ou seja, a relação dos homens com o mundo, o ponto tão defendido pelos estoicos. O ser humano, segundo os mesmos, descobre o mundo maravilhado, sob um olhar de admiração, não sendo assim capaz de criá-lo. Acreditava-se que o mundo deveria ser governado pela natureza e que a humanidade deveria sujeitar- se a ela, através de um comportamento, por assim se dizer, ético.

Entretanto, esse pensamento pode ser considerado utópico se levarmos em conta não mais o contexto da antiguidade clássica, mas sim do século XXI, no qual fenômenos como a globalização impossibilitam uma coexistência pacifica com a natureza. O homem não se sente mais como parte da natureza, como parte da harmonia do universo. Ao se exteriorizar, termina por reduzir a significância antes dada a ela e a pregar não mais a harmonia e a ordem, mas sim a conquista e dominação. A maior meta a ser alcançada atualmente pela humanidade é justamente a retomada de alguns dos valores clássicos, dentre os quais os que advertiam a importância da natureza e a sua necessidade de proteção por parte de seus coabitantes. Tendo em vista que a sua degradação tem como consequência a degradação da espécie humana.

Tratando-se dos estoicos, a morte é vista não como uma ruptura, mas sim como uma continuação da vida, à medida que com o fim da vida continua-se fazendo parte de um universo maior- os cosmos. A existência permanece assim, como um fragmento que possibilita a contínua harmonia do cosmo. Como foi explicitado no livro Aprender a Viver, pág.59: ”A morte deve ser considerada apenas uma passagem e não um aniquilamento, mas um modo de ser diferente.” Portanto, já que a eternidade individual foi garantida pela eternidade do cosmos, não é mais necessário preocupar-se com o fim da vida.

As formas sugeridas pelos estoicos para não mais sofrer com a morte seriam: procriação, glória e salvação. A procriação seria uma forma de garantir a continuação da espécie, da família em si, mas não a eternidade do individuo. Através da glória, poder-se-ia utilizar da literatura para se adquirir metaforicamente o mesmo sentido de imortalidade das formas da natureza. E a salvação valia-se da sabedoria como forma de permanecer constituindo os cosmos. O estoicismo defende a ideia do carpe diem, ou seja, aproveitar cada momento, não se prender ao remorso do passado nem à esperança de um futuro que estar por vir. Possuíam como lema: “Esperar um pouco menos, amar um pouco mais”.

O estoicismo cumpre sua grande função de livrar o homem do temor além-túmulo somente até o advento de novas ideias, em especial de cunho religioso. O que leva a transição de uma forma de pensamento para a outra são as lacunas que podem existir. O estoicismo tem sua grande ruptura com a difusão das ideias cristãs, que explicavam a questão da morte a partir de um estado consciente, e não inconsciente como falavam os estoicos (o ser humano passaria a constituir apenas mais um fragmento dos cosmos, enquanto para o cristianismo, ele manteria a sua identidade). No auge do cristianismo, durante a idade moderna, a filosofia adquiriu um caráter pouco importante. A razão foi substituída pela fé na existência de uma figura divina e agora só a partir dele seria possível alcançar a salvação e a vida plena.

O autor deixa claro que, apesar de ser amante das correntes filosóficas, o cristianismo também deixou notáveis contribuições para a história da humanidade. Dentre elas os seus valores e princípios que facilitavam a harmonia do indivíduo para com outrem, dessa forma no seu conteúdo a razão também estaria presente. Assim, na verdade, ele defende o mister de todas as correntes como sendo a melhor forma de alcançar a paz e serenidade, ou seja, através de seu estudo aprender a viver da melhor maneira possível.

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¹ Termo utilizado pelo próprio autor do livro Aprender a Viver

² Esse conceito é sugerido pelo próprio autor em uma entrevista à revista veja, quando lhe foi perguntado se o ensino da filosofia deveria ser obrigatório nas escolas. Como resposta ele afirma que se for para limitar os alunos ao conceito engessado de filosofia é melhor que não seja obrigatório. Mas ao contrário, se for a filosofia considerada sinônimo da expressão “aprender a viver” seu ensino deve sim se fazer obrigatório.

³ Leia mais: http://www.mundodosfilosofos.com.br/estoicismo.htm#ixzz1uCD9a6j4

mmmalencar
Enviado por mmmalencar em 07/05/2012
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