Kant dedetive
Em 1804, enquanto as tropas napoleônicas rondavam as fronteiras da Prússia, ameaçando uma invasão, uma série de estranhos assassinatos atormentava a capital do reino germânico, Konisgsberg. O magistrado Hanno Stiffeniis é convocado para investigar os crimes, por ordem do próprio rei. O jovem agente judiciário então sai da pequena Lotingen, na fronteira com a Polônia, onde reside com a família, onde se refugiava de um passado turbulento, e viaja para a famosa cidade das Sete Pontes. Lá, descobre que quem o indicou para o sinistro caso fora o filho mais famoso da cidade, e certamente também de toda a Alemanha: o filosofo Immanuel Kant.
O professor de filosofia Michael Gregorio estréia com esse enredo no romance policial. Crítica da Razão Criminosa é um thriller de mistério que confronta a razão filosófica e a ira criminosa, a ciência e a superstição, a investigação cientifica e a revelação espiritual, oferecendo ao leitor uma narrativa precisa e surpreendente, que coloca em choque dois condicionadores do comportamento humano - o bom senso racional e a fé supersticiosa.
Um ótimo romance histórico, que abre uma nova série, ambientada na antiga Prússia, e protagonizada pelo magistrado burguês Hanno Stiffeniis que, em seu primeiro caso, tentará, à luz da lógica, achar o responsável pelos assassinatos em série trabalhando sob a vigilante e perspicaz supervisão de Kant, cuja fria racionalidade e ânsia de conhecimento ocultam um caráter inquietante. No entanto, o magistrado influenciou o grande pensador, sete anos antes, em um de seus trabalhos, um trato obscuro sobre a mente doentia de um assassino.
Immanuel Kant é célebre no mundo todo por suas publicações filosóficas, entre as quais, Crítica da Razão Pura, possivelmente o livro mais influente da moderna filosofia. Vivia em uma casa nos arredores da capital prussiana, uma velhice sem notoriedade, pelo menos era o que se acreditava. Ainda era bem respeitado por seu notável raciocínio, pela regularidade de seus hábitos, o temperamento severo e a impecável elegância. Kant, cujo vasto conjunto de idéias fora atacado pelas marés do romantismo e, logo a seguir, pelo tsunami de Hegel, analisava o comportamento humano distinguindo o conhecimento sensível (que abrange as instituições sensíveis) e o conhecimento inteligível (que trata das idéias metafísicas).
Stifffeniis usa essa Razão para investigar quatro estranhas mortes aparentemente sem solução, esforçando-se para ligar as peças daquele quebra-cabeça, apesar da supersticiosa população e inércia do trabalho dos policiais que conduziram as investigações.
Michael Gregorio desenvolve com habilidade a psique de cada personagem, fazendo uma história que envolve prostitutas, curandeiras, negromantes que asseguram falar com os mortos, pietistas em sua luta contra as tentações demoníacas, simpatizantes de Napoleão Bonaparte e os austeros e ineptos policiais prussianos. Brilhante concepção para a participação de Kant no thriller, como mentor do magistrado, que aquém o dirigirá na resolução dos casos, como um Holmes e seu Dr. Watson.
Como no popular romance O Nome da Rosa, de Umberto Eco, um livro apócrifo é o fio condutor do drama. O livro de Eco também aborda uma narrativa misteriosa sobre assassinatos em série, mesmo assunto tratado em Uma Investigação Filosófica, de Philip Kerr, um livro-padrão para os romances de mistério envolvendo intelectualismo. Embora Gregorio não seja um Eco ou um Kerr, seu sólido conhecimento do período conserva o toque avançado do horror gótico. Além do tratamento que o autor dá ao formidável e austero sistema filosófico de Kant, apresentado de forma clara para o leitor leigo.
Os leitores encontrarão, ao longo da história, emoções bem diferentes de outras narrativas de mistério e, com certeza, apreciarão a Crítica da Razão Criminosa. Erudito e desafiante, o livro é, em uma análise final, um excelente mistério: intricado, bem traçado e cheio de surpresas. Sherlock Holmes ficaria orgulhoso de Hanno Stiffeniis.