Loucura e sanidade num romance realístico

A leitura de “Adeus a Aleto”, de Roberto Muniz Dias me levou apenas poucas horas de “gostosa preguiça, jogado languidamente sobre um velho sofá, numa casa qualquer, em um bairro qualquer, de uma qualquer cidade do Sudoeste baiano, em plena Sexta-Feira da Paixão de Cristo”.
 
Poucas horas porque o livro é de fácil leitura, a escrita e a pujança da história/estória faz qualquer leitor devorar avidamente as páginas, numa compulsão comparada somente à sexual do autor-personagem.
 
Tenho a obra como uma auto-reflexão, seja no espelho do banheiro, seja nas idas e vindas a tantas cidades e corpos do Além-Mar, o Velho Mundo, imundo aos olhos dos puristas, casto aos olhos dos mais depravados... Dúbio e fantasioso aos olhos de quem não vive.
 
A morte do autor-personagem narra a morte se si mesmo, caindo no abismo, com asas de papel ou imaginárias, em queda-livre, num fosso imaginário, metafórico. Como castigo pela própria morte, na sequência, a culpa lhe possui, numa espécie de culpa-consciência resultado do uso de cigarro, bebida, prática de sexo sem fronteiras, tentativa de roubo de uma história fictícia para compor um novo livro. O castigo vem em forma de memórias remoídas e desejos de recobrar uma inocência perdida numa brincadeira de esconde-esconde, interrompida por uma chuva que levou os cheiros de sexo e de mato pisado.
 
Pisados foram os gozos, o blues, Amy e todas as fantasias. Os parceiros seguintes trazem um pouco do menino duplo: o eu consciente, de carne e osso, que deseja o sexo, a penetração; o eu idealizado, poliglota, pensador e poeta. Como conciliar os dois, como praticar o sexo de carne e osso sem macular o anjo e o ideal de homem, mesmo não acreditando nos perversos castigos de um Deus macho? Esta pergunta não tem resposta, mesmo que vários Nikovs sejam encontrados em motéis, quartos cheios de mofo e cheiros que remetam ao passado longínquo do paraíso perdido... Este Nikov-Príncipe-Encantado, persoangem principal do livro é o amor idealizado, a “media naranja”, a tampa da panela e a alma-gêmea que todos procuram, inclusive e, principalmente, o autor-personagem de “Adeus a Aleto”...
 
Adeus se dá uma vez. Mas na lacônica despedida desse Aleto, 300 páginas de um romance não são suficientes para expurgar todo o desejo por pecado e castigo de sua prática (leia-se: vida plena). Em cada esquina, um amor; em cada medo, uma retomada e uma certeza de que este amor será o último e verdadeiro. Nas sombras e nos escombros, no medo que o quintal escuro potencializava, a esperança de encontrar o menino da brincadeira de esconde-esconde se reacende, a ânsia por confiar no inconfiável, a certeza de poder acreditar num desconhecido. É esta a única chama que mantém a busca pelo amor ideal. O mesmo ideal que pode unir perversão e santidade, numa união possível e verdadeira.
 
Mais possível e verdadeira, no entanto, é o poder de matar os fantasmas, os desejos, através da morte das personagens “pecadoras” e pervertidas. Um auto-retrato, uma auto-visão no espelho do banheiro, em imagem embaçada e reprimida, negada. O negado, o proibido, o erro pecador, a aventura no desconhecido, levam a personagem-narrador a descobrir, nas esquinas escuras das cidades visitadas, a verdade da vida: ninguém é santo e ninguém é pecador; mas todos fingem ser santos, enquanto satisfazem, na calada da noite, todos os instintos mais recônditos. Deus está dormindo de madrugada!
 
Quem não quer ter um alter ego que fale inglês e outras línguas fluentemente? Quem não deseja ser dois, três, cinco, seis, sem medo de ser feliz? Quem não deseja poder morrer “três vezes”, num pulo no abismo, matando os vários Nikovs que lhe habitam a mente? Atire a primeira pedra...
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 06/04/2012
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