MAÇONARIA- O TESOURO ARCANO
CAPÍTULO X- O REINO DA NATUREZA
Nature Naturens
A mesma tradição que deu nascimento a esse tipo de sociedade sustenta que em dado momento na história do universo ocorreu uma ruptura entre as duas estruturas que sustentavam o universo em seus primórdios ─ a profana e a sagrada ─ fazendo delas dois compartimentos estanques.[1]
Daí passou-se a visualizar o cosmo como se ele fosse composto por duas partes diversas, incomunicáveis entre si, opostas, contrárias mesmo. A produção universal, fosse matéria ou pensamento, passou a ser vista como resultante da ação e reação entre energias antagônicas. Bem e mal, luz e trevas, verdade e mentira, ação e reação, macho e fêmea, matéria e espírito, deuses e demônios etc., passaram a ser vistas como forças que atuavam em sentido contrário uma à outra, produzindo as realidades universais.[2]
Nos primórdios da civilização as pessoas se recordavam dessa ruptura e a interpretavam como uma “queda”, ou a expulsão da espécie humana de um paraíso. Elas tinham a sensibilidade de que um dia a humanidade havia vivido em um mundo diferente, onde não havia conflitos de espécie alguma e toda a criação coabitava em paz e harmonia, obedecendo apenas aos princípios que o Grande Arquiteto do Universo nele pusera para manter e preservar esse status quo.
De uma maneira geral, todos os povos antigos guardavam memórias desse tempo em que deuses e homens falavam face a face. Essa memória remanesce até os tempos de Moisés, quando Ele recebe do próprio Deus os fundamentos da Lei que deveria ser obedecida por Israel, ou seja, os estatutos da sua Fraternidade modelar, e que por conseqüência, deveria servir de modelo para todos os povos do mundo.[3]
A noção de que os primeiros homens viviam em um paraíso e deles foram expulsos um dia não é exclusiva da tradição judaico-cristã. Ela existe na mitologia de quase todos os povos da antiguidade e é compartilhada até pelos indígenas da Polinésia e os esquimós da Groelandia. É um verdadeiro arquétipo, que habita no Inconsciente Coletivo da humanidade e se manifesta como crença informativa de suas religiões.[4]
Para os filósofos da antiguidade, esses princípios se manifestavam na forma de energias complementares, que interagiam entre si e faziam com que o universo se apresentasse como uma unidade justa e perfeita, em todos os sentidos. Era o reinado da Mãe-Natureza, o nature naturans, com seus deuses criados a partir da estreita relação que os homens mantinham com o ambiente. Dessa forma, quando o homem e o meio em que ele vivia comungavam das mesmas propriedades, um tufão podia assumir forma humana, um animal podia falar e uma montanha podia abrir a sua boca para engolir os maus e revelar aos bons os tesouros da terra. As lendas antigas estão cheias dessas metáforas e metonímias que dão vida aos elementos naturais e os colocam em estreita interação com os homens. Os contos de fadas, as lendas alquímicas, as estórias das Mil e Uma Noites e as próprias histórias fantásticas encontradas na maioria dos livros sagrados são exemplos dessa linguagem natural utilizada na infância da humanidade, quando ela estava mais ligada à sua Mãe Natureza.[5]
O Tao - Yin e Yang
A doutrina chinesa do taoísmo sustenta que o homem primordial (o ser angélico, ancestral de Adão, que serviu de imagem e semelhança para o homem terrestre) era um ser equilibrado em seus aspectos yin e yang. Era passivo em relação á Divindade (em harmonia com o sagrado), e ativo em relação ao mundo (na sua habilidade de construtor). Depois da queda ocorreu a degenerescência da sua raça e esta se desequilibrou em seus aspectos yang (celestes) e tornou-se mais yin (terrenos). Ficou mais distante do seu pólo espiritual, razão pela qual teve que inventar a religião, como uma nêmesis para recuperar esse equilíbrio perdido.[6]
Yang é o pólo masculino e yin o feminino. Na versão bíblica da queda do casal humano, esses dois pólos representam as condições anteriores e posteriores à sua expulsão do paraíso. Dessa forma, a queda, conforme descrita na Bíblia, causada pela atitude da mulher colhendo e comendo o fruto proibido e depois convencendo o homem a comê-lo, nada mais é que uma metáfora que reflete o desequilíbrio das forças cósmicas que foram desencadeadas a partir de certo momento na vida da sua espécie humana.
Na História da civilização esse desequilíbrio coincide com o enfraquecimento das religiões solares e o aparecimento dos cultos metafísicos. Essa idéia está patente nas religiões do Antigo Oriente, onde se nota uma eterna luta entre as forças contidas nas trevas e as potências presentes na luz. No Egito essa dicotomia aparece nos embates entre Osiris e Seth, deidades representativas da luz e das trevas, respectivamente. Nos cultos mesopotâmicos e persas, na luta entre os deuses Marduc (Aura Mazda) e Arihmã. No Judaísmo são as forças de Miguel, o Arcanjo-chefe das hostes celestes, que lutam contra as hordas de Lúcifer, uma defendendo os interesses do Céu (o bem) outra os do Inferno (o mal). No Cristianismo, o Cristo (Jesus) e Satanás cumprem papel semelhante.
Em qualquer caso, porém, trata-se de equilibrar os pólos energéticos do universo (macrocosmo) e do homem (microcosmo), buscando a medida exata entre o positivo e o negativo, entre a luz e as trevas, a relatividade e a gravidade, o bem e o mal, enfim entre as forças antagônicas e complementares que existem em todos os sistemas e cujas atuações o mantém em constante equilibrio.[7]
A tradição bíblica sugere que foram os anjos decaídos que trouxeram ao homem o conhecimento do bem e do mal. Esse comportamento sedicioso, que está na origem da transgressão do casal humano ao comer o fruto da Árvore da Ciência, prefigura uma metáfora que é, ao mesmo tempo, jurídica e antropológica. É jurídica no sentido de que instaura um processo de litigância entre o principio do bem e o princípio do mal, onde o prêmio é alma do homem. Esse sentido foi ainda mais acentuado pela doutrina cristã, que fez do diabo uma espécie de promotor do principio do mal ─ cujo objetivo é obter a condenação da humanidade a uma perpétua vida no reino dos infernos, e de Jesus Cristo o seu advogado de defesa, que dá a sua própria vida para salvá-la. [8]
É antropológica porque, nesse sentido, o que chamamos de “queda do homem” pode ser entendida como a “captura” de uma mente pelo reino animal, processo que deu como resultado a espécie humana tal como a conhecemos. Daí a estranha passagem bíblica na qual o demônio (o anjo caído) diz ao casal humano: “Deus sabe que se vós comerdes desses frutos, vossos olhos se abrirão e vós sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal. “ [9]
Ordo ab chãos
Por outro lado, essa metáfora também encontra seu paralelo nos modernos conceitos científicos que tratam da formação do universo físico. Se de um lado a relatividade provocada pela velocidade com que as partículas se dispersam no vazio cósmico nos mostra um universo caótico e indiferente, semelhante ao que se dizia existir nos primeiros momentos da sua criação, a gravidade existente nos corpos formados pela condensação da energia luminosa, que se transforma em massa, força essas partículas a se reunirem e se constituirem em sistemas.
Esse também é o processo que gera o conhecimento. A energia se concentra em locais específicos do organismo (os neurônios) e gera a atividade psíquica. Através dessa atividade nós vamos conhecendo o mundo em que vivemos.
E dessa forma o mundo se organiza, a lógica nasce, o que era desordem e ignorância passa a ser ciência. Surge a ordem no caos. Ordo ab Chaos.[10]
Na topologia do conhecimento humano reconhece-se, enfim, que há uma forma de energia forçando a matéria universal a se dispersar e preencher o vazio cósmico, e outra que promove a sua organização, por agrupamento. Analogamente, poderíamos dizer que esse mesmo processo ocorre na formação dos dois substratos que sustentam o fenômeno da vida, ou seja, a mente e o corpo. Enquanto o organismo se forma na dispersão, pelo fenômeno da cissiparidade, que é a multiplicação celular a partir de um zigoto, a mente se desenvolve pela cefalização, que é o processo que permite a reunião e o processamento das informações vitais em corpos infinitamente pequenos, os neurônios.[11]
Aplicação na maçonaria
Dessa teorização poderíamos evoluir para o complexo matéria/espírito, mas essa é ainda uma especulação muito prematura para ser feita no nível deste trabalho. Todavia, é nesse processo que vemos a atuação de uma Inteligência Suprema, que se compara à de um arquiteto na elaboração de um grande edifício cósmico. Daí a idéia de um Grande Arquiteto a dirigir a obra de construção do edifício universal.
Na maçonaria a tradição de que o cosmo se constrói a partir da dialética dos opostos se reflete no conflito entre o vício e a virtude. Por isso é que no ritual de iniciação se indaga do iniciando o que ele entende por um e outro, especificando que a virtude é uma disposição da alma que nos induz à prática do bem e o vício é o hábito desgraçado que nos arrasta para o mal. Essa interpretação mostra claramente que a prática da maçonaria é entendida como uma disciplina de comportamento, na qual o indivíduo é treinado para regular seus costumes, atingindo com isso um perfeito equilíbrio entre as forças que motivam sua conduta como pessoa humana, partícipe de uma sociedade.
Por isso é que maçonaria é comparada à uma jornada em busca da luz, jornada essa que começa na iniciação e nunca termina em vida, por não é senão na passagem desta existência para a outra que essa luz se revela em todo esplendor, na forma do espírito que se liberta da matéria e se condensa em pura energia luminosa.
A dialética dos opostos, na prática maçônica, porém, não é invocada somente na sua conformação moralista. Ela também revela o caráter místico da Arte Real, naquilo que ela tem de simbólico e arquetípico. Na topografia do inconsciente humano o mal e o bem sempre estiveram conectados com cores, temperaturas, sons, direções etc. Assim, desenvolveram-se as tradições que informam que o bem se encontra no claro, no silêncio, no frio ou calor extremo, no leste, e o mal na escuridão, no barulho, no clima temperado, no oeste, etc.
Não é outra a razão de os templos maçônicos terem a sua planta orientada do ocidente para o oriente (onde nasce o sol) e a marcha ascendente do irmão dentro do templo sempre seguir a orientação do ocidente (yin, escuro, feminino) para o oriente (yang, luminoso, masculino); e também da esquerda para a direita, porque este é o sentido da rotação da terra.
Como sustentam as antigas tradições, o homem, originalmente, veio do céu (yang); por isso, enquanto vivendo na terra (yin), ele deve fazer o caminho inverso para voltar para ele. Assim, dentro do templo maçônico, a estranha orientação geográfica que ali se encontra e a rígida ritualística que se exige do Irmão quando se desloca dentro dele tem um sentido místico e filosófico ao mesmo tempo. Essa mística se reflete na própria disposição física do templo, dividida entre oriente e ocidente: oriente, onde a luz do espírito, simbolizada pela figura do Venerável e seus pares nasce, e se reflete para todo o ocidente, onde os Irmãos se congregam em estreita Fraternidade.
Daí se dizer que a maçonaria simboliza, na terra, a fraternidade entre os homens, e os seus templos são simulacros do cosmo, onde a obra é construída, dia a dia, pelo Grande Arquiteto do Universo, que tem nas hostes celestes, nas figuras dos seus anjos os Mestres Arcanos, e nos homens os seus Pedreiros Universais. Essas metáforas são constantemente invocadas na prática maçônica e se fundamentam em vários arquétipos que a mente coletiva da humanidade, em suas diversas fases de desenvolvimento, criou.[12]
Esses arquétipos se revelam em crenças como as cores do céu e a temperatura do inferno, bem como na idéia de que as grandes verdades espirituais devem ser procuradas em jornadas que nos levam sempre para o leste, da mesma forma que a riqueza material é sempre encontrada a oeste. Nesse sentido os velhos mitos gregos (Jasão e os argonautas, os trabalhos de Hércules), as grandes navegações, o sonho americano, etc., são todas marchas para o oeste, ou seja, para o ocidente. Elas representam a busca da riqueza material, da mesma forma que as peregrinações para o oriente simbolizam a busca do tesouro espiritual.[13]
CAPÍTULO X- O REINO DA NATUREZA
Nature Naturens
A mesma tradição que deu nascimento a esse tipo de sociedade sustenta que em dado momento na história do universo ocorreu uma ruptura entre as duas estruturas que sustentavam o universo em seus primórdios ─ a profana e a sagrada ─ fazendo delas dois compartimentos estanques.[1]
Daí passou-se a visualizar o cosmo como se ele fosse composto por duas partes diversas, incomunicáveis entre si, opostas, contrárias mesmo. A produção universal, fosse matéria ou pensamento, passou a ser vista como resultante da ação e reação entre energias antagônicas. Bem e mal, luz e trevas, verdade e mentira, ação e reação, macho e fêmea, matéria e espírito, deuses e demônios etc., passaram a ser vistas como forças que atuavam em sentido contrário uma à outra, produzindo as realidades universais.[2]
Nos primórdios da civilização as pessoas se recordavam dessa ruptura e a interpretavam como uma “queda”, ou a expulsão da espécie humana de um paraíso. Elas tinham a sensibilidade de que um dia a humanidade havia vivido em um mundo diferente, onde não havia conflitos de espécie alguma e toda a criação coabitava em paz e harmonia, obedecendo apenas aos princípios que o Grande Arquiteto do Universo nele pusera para manter e preservar esse status quo.
De uma maneira geral, todos os povos antigos guardavam memórias desse tempo em que deuses e homens falavam face a face. Essa memória remanesce até os tempos de Moisés, quando Ele recebe do próprio Deus os fundamentos da Lei que deveria ser obedecida por Israel, ou seja, os estatutos da sua Fraternidade modelar, e que por conseqüência, deveria servir de modelo para todos os povos do mundo.[3]
A noção de que os primeiros homens viviam em um paraíso e deles foram expulsos um dia não é exclusiva da tradição judaico-cristã. Ela existe na mitologia de quase todos os povos da antiguidade e é compartilhada até pelos indígenas da Polinésia e os esquimós da Groelandia. É um verdadeiro arquétipo, que habita no Inconsciente Coletivo da humanidade e se manifesta como crença informativa de suas religiões.[4]
Para os filósofos da antiguidade, esses princípios se manifestavam na forma de energias complementares, que interagiam entre si e faziam com que o universo se apresentasse como uma unidade justa e perfeita, em todos os sentidos. Era o reinado da Mãe-Natureza, o nature naturans, com seus deuses criados a partir da estreita relação que os homens mantinham com o ambiente. Dessa forma, quando o homem e o meio em que ele vivia comungavam das mesmas propriedades, um tufão podia assumir forma humana, um animal podia falar e uma montanha podia abrir a sua boca para engolir os maus e revelar aos bons os tesouros da terra. As lendas antigas estão cheias dessas metáforas e metonímias que dão vida aos elementos naturais e os colocam em estreita interação com os homens. Os contos de fadas, as lendas alquímicas, as estórias das Mil e Uma Noites e as próprias histórias fantásticas encontradas na maioria dos livros sagrados são exemplos dessa linguagem natural utilizada na infância da humanidade, quando ela estava mais ligada à sua Mãe Natureza.[5]
O Tao - Yin e Yang
A doutrina chinesa do taoísmo sustenta que o homem primordial (o ser angélico, ancestral de Adão, que serviu de imagem e semelhança para o homem terrestre) era um ser equilibrado em seus aspectos yin e yang. Era passivo em relação á Divindade (em harmonia com o sagrado), e ativo em relação ao mundo (na sua habilidade de construtor). Depois da queda ocorreu a degenerescência da sua raça e esta se desequilibrou em seus aspectos yang (celestes) e tornou-se mais yin (terrenos). Ficou mais distante do seu pólo espiritual, razão pela qual teve que inventar a religião, como uma nêmesis para recuperar esse equilíbrio perdido.[6]
Yang é o pólo masculino e yin o feminino. Na versão bíblica da queda do casal humano, esses dois pólos representam as condições anteriores e posteriores à sua expulsão do paraíso. Dessa forma, a queda, conforme descrita na Bíblia, causada pela atitude da mulher colhendo e comendo o fruto proibido e depois convencendo o homem a comê-lo, nada mais é que uma metáfora que reflete o desequilíbrio das forças cósmicas que foram desencadeadas a partir de certo momento na vida da sua espécie humana.
Na História da civilização esse desequilíbrio coincide com o enfraquecimento das religiões solares e o aparecimento dos cultos metafísicos. Essa idéia está patente nas religiões do Antigo Oriente, onde se nota uma eterna luta entre as forças contidas nas trevas e as potências presentes na luz. No Egito essa dicotomia aparece nos embates entre Osiris e Seth, deidades representativas da luz e das trevas, respectivamente. Nos cultos mesopotâmicos e persas, na luta entre os deuses Marduc (Aura Mazda) e Arihmã. No Judaísmo são as forças de Miguel, o Arcanjo-chefe das hostes celestes, que lutam contra as hordas de Lúcifer, uma defendendo os interesses do Céu (o bem) outra os do Inferno (o mal). No Cristianismo, o Cristo (Jesus) e Satanás cumprem papel semelhante.
Em qualquer caso, porém, trata-se de equilibrar os pólos energéticos do universo (macrocosmo) e do homem (microcosmo), buscando a medida exata entre o positivo e o negativo, entre a luz e as trevas, a relatividade e a gravidade, o bem e o mal, enfim entre as forças antagônicas e complementares que existem em todos os sistemas e cujas atuações o mantém em constante equilibrio.[7]
A tradição bíblica sugere que foram os anjos decaídos que trouxeram ao homem o conhecimento do bem e do mal. Esse comportamento sedicioso, que está na origem da transgressão do casal humano ao comer o fruto da Árvore da Ciência, prefigura uma metáfora que é, ao mesmo tempo, jurídica e antropológica. É jurídica no sentido de que instaura um processo de litigância entre o principio do bem e o princípio do mal, onde o prêmio é alma do homem. Esse sentido foi ainda mais acentuado pela doutrina cristã, que fez do diabo uma espécie de promotor do principio do mal ─ cujo objetivo é obter a condenação da humanidade a uma perpétua vida no reino dos infernos, e de Jesus Cristo o seu advogado de defesa, que dá a sua própria vida para salvá-la. [8]
É antropológica porque, nesse sentido, o que chamamos de “queda do homem” pode ser entendida como a “captura” de uma mente pelo reino animal, processo que deu como resultado a espécie humana tal como a conhecemos. Daí a estranha passagem bíblica na qual o demônio (o anjo caído) diz ao casal humano: “Deus sabe que se vós comerdes desses frutos, vossos olhos se abrirão e vós sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal. “ [9]
Ordo ab chãos
Por outro lado, essa metáfora também encontra seu paralelo nos modernos conceitos científicos que tratam da formação do universo físico. Se de um lado a relatividade provocada pela velocidade com que as partículas se dispersam no vazio cósmico nos mostra um universo caótico e indiferente, semelhante ao que se dizia existir nos primeiros momentos da sua criação, a gravidade existente nos corpos formados pela condensação da energia luminosa, que se transforma em massa, força essas partículas a se reunirem e se constituirem em sistemas.
Esse também é o processo que gera o conhecimento. A energia se concentra em locais específicos do organismo (os neurônios) e gera a atividade psíquica. Através dessa atividade nós vamos conhecendo o mundo em que vivemos.
E dessa forma o mundo se organiza, a lógica nasce, o que era desordem e ignorância passa a ser ciência. Surge a ordem no caos. Ordo ab Chaos.[10]
Na topologia do conhecimento humano reconhece-se, enfim, que há uma forma de energia forçando a matéria universal a se dispersar e preencher o vazio cósmico, e outra que promove a sua organização, por agrupamento. Analogamente, poderíamos dizer que esse mesmo processo ocorre na formação dos dois substratos que sustentam o fenômeno da vida, ou seja, a mente e o corpo. Enquanto o organismo se forma na dispersão, pelo fenômeno da cissiparidade, que é a multiplicação celular a partir de um zigoto, a mente se desenvolve pela cefalização, que é o processo que permite a reunião e o processamento das informações vitais em corpos infinitamente pequenos, os neurônios.[11]
Aplicação na maçonaria
Dessa teorização poderíamos evoluir para o complexo matéria/espírito, mas essa é ainda uma especulação muito prematura para ser feita no nível deste trabalho. Todavia, é nesse processo que vemos a atuação de uma Inteligência Suprema, que se compara à de um arquiteto na elaboração de um grande edifício cósmico. Daí a idéia de um Grande Arquiteto a dirigir a obra de construção do edifício universal.
Na maçonaria a tradição de que o cosmo se constrói a partir da dialética dos opostos se reflete no conflito entre o vício e a virtude. Por isso é que no ritual de iniciação se indaga do iniciando o que ele entende por um e outro, especificando que a virtude é uma disposição da alma que nos induz à prática do bem e o vício é o hábito desgraçado que nos arrasta para o mal. Essa interpretação mostra claramente que a prática da maçonaria é entendida como uma disciplina de comportamento, na qual o indivíduo é treinado para regular seus costumes, atingindo com isso um perfeito equilíbrio entre as forças que motivam sua conduta como pessoa humana, partícipe de uma sociedade.
Por isso é que maçonaria é comparada à uma jornada em busca da luz, jornada essa que começa na iniciação e nunca termina em vida, por não é senão na passagem desta existência para a outra que essa luz se revela em todo esplendor, na forma do espírito que se liberta da matéria e se condensa em pura energia luminosa.
A dialética dos opostos, na prática maçônica, porém, não é invocada somente na sua conformação moralista. Ela também revela o caráter místico da Arte Real, naquilo que ela tem de simbólico e arquetípico. Na topografia do inconsciente humano o mal e o bem sempre estiveram conectados com cores, temperaturas, sons, direções etc. Assim, desenvolveram-se as tradições que informam que o bem se encontra no claro, no silêncio, no frio ou calor extremo, no leste, e o mal na escuridão, no barulho, no clima temperado, no oeste, etc.
Não é outra a razão de os templos maçônicos terem a sua planta orientada do ocidente para o oriente (onde nasce o sol) e a marcha ascendente do irmão dentro do templo sempre seguir a orientação do ocidente (yin, escuro, feminino) para o oriente (yang, luminoso, masculino); e também da esquerda para a direita, porque este é o sentido da rotação da terra.
Como sustentam as antigas tradições, o homem, originalmente, veio do céu (yang); por isso, enquanto vivendo na terra (yin), ele deve fazer o caminho inverso para voltar para ele. Assim, dentro do templo maçônico, a estranha orientação geográfica que ali se encontra e a rígida ritualística que se exige do Irmão quando se desloca dentro dele tem um sentido místico e filosófico ao mesmo tempo. Essa mística se reflete na própria disposição física do templo, dividida entre oriente e ocidente: oriente, onde a luz do espírito, simbolizada pela figura do Venerável e seus pares nasce, e se reflete para todo o ocidente, onde os Irmãos se congregam em estreita Fraternidade.
Daí se dizer que a maçonaria simboliza, na terra, a fraternidade entre os homens, e os seus templos são simulacros do cosmo, onde a obra é construída, dia a dia, pelo Grande Arquiteto do Universo, que tem nas hostes celestes, nas figuras dos seus anjos os Mestres Arcanos, e nos homens os seus Pedreiros Universais. Essas metáforas são constantemente invocadas na prática maçônica e se fundamentam em vários arquétipos que a mente coletiva da humanidade, em suas diversas fases de desenvolvimento, criou.[12]
Esses arquétipos se revelam em crenças como as cores do céu e a temperatura do inferno, bem como na idéia de que as grandes verdades espirituais devem ser procuradas em jornadas que nos levam sempre para o leste, da mesma forma que a riqueza material é sempre encontrada a oeste. Nesse sentido os velhos mitos gregos (Jasão e os argonautas, os trabalhos de Hércules), as grandes navegações, o sonho americano, etc., são todas marchas para o oeste, ou seja, para o ocidente. Elas representam a busca da riqueza material, da mesma forma que as peregrinações para o oriente simbolizam a busca do tesouro espiritual.[13]
[1] A Bíblia se refere a esse acontecimento como sendo a queda do homem, ou seja, a sua expulsão do paraíso terrestre, onde ele fora posto para viver em perfeita ordem e harmonia com o ambiente. Mas essa noção está presente em todos os livros sagrados e nas tradições orais de antigos povos, como os maias, os astecas, os incas e os povos da Polinésia.
[2] Para a nova Gnose, essas noções são análogas às leis naturais. Assim, a dialética dos opostos pode ser entendida como a ação das forças da aceleração – que promove a expansão do universo- e as forças do magnetismo, que promove a atração entre os corpos e os leva a se reunir em sistemas.
[3] Alguns autores sustentam que Deus deixou de falar face a face com os homens a partir do momento em que Ele lhes deu a sua lei. A partir desse momento, os homens teriam um instrumento escrito para guiá-los e não precisariam mais da sua intervenção pessoal nos assuntos humanos.
[4] Até entre os povos do Himalaia são econtrados resquícios dessa tradição. Veja-se a propósito o curioso trabalho de Lobsang Rampa “ O Terceiro Olho”, publicado no Brasil pela Ed. , 1968. Veja-se também Pawels e Bergier- O Despertar dos Mágicos, Ed. Bertrand Russel, 1964.
[5] Veja-se, a esse propósito, O Código dos Códigos, excelente trabalho de Northrop Frye, onde o autor discorrre sobre a linguagem bíblica, mostrando como ela reflete as diversas fases de amadurecimento da consciência humana.
[6] Nêmesis é a deusa grega da vingança. Aqui o termo é utilizado no seu sentido antonomásico, ou seja, a tendência que a natureza tem para desenvolver ações capazes de recuperar o equilíbrio perdido após um ato humano de agressão.
[7] A aplicação desses conceitos nas antigas religiões do Oriente foi magnificamente descrita por Arthur Verluis em seu livro, Mistérios Egípcios, publicado no Brasil pelo Círculo do Livro, São Paulo, 1988. René Guénon, em A Grande Tríade, Ed. Pensamento, São Paulo, 1987, também discorre com muita inspiração sobre esse tema. A física moderna ensina que o equilíbrio universal é causado pela contraposição da energia positiva que é gasta pelo universo em sua expansão e pela energia negativa gerada pelos campos gravitacionais que mantém os sistemas planetários. Quer dizer, um embrae entre a relatividade e a gravidade. Na organização dos sistemas essas forças são representadas pela sinergia(que soma) e pela entropia(que dissolve).
[8] Nesse sentido, é bom lembrar que o termo latino”diabolos” era, na origem, um jargão jurídico. Significava uma pessoa em oposição à outra nos tribunais.
[9].Gênesis 3:5
[10] Ordo ab Chaos (Ordem no Caos) é uma divisa maçônica por excelência. Encontrável em todos os sistemas maçônicos, ela, por si só, é explicativa dos propósitos da Maçonaria, enquanto filosofia de organização e construção de um edifício social universal.
[11] P. Teilhard de Chardin, “ O Fenômeno Humano”, publicado no Brasil pela Cultrix, São Paulo. Cefalização é o termo usado por esse filófoso para designar o fenômemo pelo qual a espécie humana desenvolveu a capacidade de refletir. Zigoto, em biologia, designa a célula reprodutora rsultante da união entre dois gametas, o masculino e o feminino.
[12] Essa metáfora é mais evidente na grande tradição da Cabala, onde o cosmo é visto como um grande edifício construído diuturnamente pelo Grande Espírito, auxiliado pelos mestres das fraternidades angélicas e secundados pelos homens como pedreiros da obra.
[13] Nesse sentido também as peregrinações que se fazem tradicionalmente á famosos santuários como Santiago de Compostela, Meca, Jerusalém, etc.
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LIVRO: O TESOURO ARCANO- NO PRELO
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